O desaparecimento da narrativa ou por que as vacas voam

O mundo digital nos está tornando indivíduos vazios por falta de história.

03/05/2025 10h48

4 min de leitura

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(Imagem de reprodução da internet).

Na semana passada, conversei com minha fisioterapeuta, o que ainda me preocupa. Ela mencionou que um de seus pacientes era romancista. Perguntei qual o nome dele, não conseguindo conter minha curiosidade. Ela respondeu que não sabia o sobrenome e, em seguida, informou que seu marido havia adquirido um dos livros que estavam vendendo bem. Ela também não se lembrava do nome do autor: “Esquecemos coisas que não são importantes”.

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O que a atraía era a forma como ela falava sobre essas coisas – “sem importância” –, que mais tarde compreendi que abrangiam teatro, música ou qualquer coisa além de pagamentos de hipoteca ou registros médicos. Não se tratava da velha discussão entre ciência e literatura. Essa desconsideração do material narrativo, essa falha em perceber a relevância das histórias, pode ter consequências graves.

O corpo é menos capaz de funcionar sem história do que sem proteína. Por que acordo, por que faço isso, compro aquilo, me associo a essas pessoas, voto naquelas pessoas? Sem um mínimo de orientação para estruturar nossa vida diária, estamos perdidos. Sabemos disso, pelo menos desde Paul Ricoeur: nossa psique é narrativa. Narrar, narrar a nós mesmos, é essencial para orientar nossas ações e nos situar no tempo. Tão essencial que, assim como acontece com o vazio nutricional, se não tivermos uma boa história em mãos — uma que seja nutritiva e benéfica para nós — nos preencheremos com o que estiver disponível.

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Um exemplo notável desse fenômeno pode ser observado em “The Best of Impossible Worlds”, de Gabriel Ventura, que descreve um movimento conhecido como “mudança de realidade”. Os Shifters, como se autodenominam, exercem uma estratégia que ganhou popularidade durante a pandemia, envolvendo uma forma de meditação em que o indivíduo se imerge por longas horas em mundos imaginários e, posteriormente, compartilha suas experiências, por exemplo, no TikTok ou em plataformas semelhantes.

O anseio por escapar de ambientes desconfortáveis não é inédito, porém, o ocorrido em contextos criados pela cultura de massa, da HBO à Amazon Prime, passando por PlayStation e Nintendo, é, no mínimo, preocupante. É que podemos estar tão desprovidos de recursos que sequer em nossos sonhos conseguimos imaginar nossos próprios mundos.

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Segundo o narratologista e analista social francês Christian Salmon, nossa capacidade de contar histórias tem diminuído há mais de um século. Nosso vazio narrativo iniciou-se com a Primeira Guerra Mundial, aprofundou-se na Segunda e continua em nossos dias. A propaganda de guerra e a dissolução da dimensão temporal dos eventos foram as principais causas dessa destruição, que atinge o auge com o storytelling, o uso de histórias para fins comerciais. Essa técnica, que consiste em construir “pequenas histórias exemplares”, tem sido utilizada em tudo, desde publicidade e política até grandes produtores de histórias como Disney e Netflix. Seu objetivo, argumenta Salmon, é abordar as emoções para nos fazer aderir a certos comportamentos, em vez de propor mitos interpretáveis que alimentam a imaginação, como faziam as “grandes histórias”, começando com Homero.

A psicanalista e escritora Lola López Mondéjar aprofunda a análise desse problema em seu ensaio Sem História. Para a autora, o triunfo do mundo digital produz um indivíduo incapaz de se explicar. Somos, ou melhor, nos tornamos, “indivíduos vazios”. Mondéjar ilustra essa ideia com o caso de uma de suas pacientes, uma jovem médica que sofria de sofrimento emocional e que despertou seu interesse porque, se por um lado conseguia falar sobre tudo o que fazia (academia, cursos, viagens), por outro parecia incapaz de relacionar os acontecimentos com suas emoções. Suas histórias não tinham um porquê e um para quê; não havia nelas enredo nem argumento, não narravam, não informavam.

Mondéjar argumenta que essa ausência acaba atrofiando não apenas nossa capacidade de nos compreendermos, mas também nossa faculdade de pensamento: ao não conseguirmos transformar o que acontece em uma experiência subjetiva e comunicável, seríamos críticos. Salmon propôs algo semelhante: “As histórias se tornaram tão convincentes que ameaçam substituir fatos e argumentos racionais”.

A expansão da imaginação, como Ventura descreve – “a conversão da consciência em um menu da Netflix”, – nos tornaria incapazes de valorar algo tão “sem importância” quanto o raciocínio, ou de exigir evidências confiáveis antes de aceitar qualquer teoria. Se essa tendência persistir, não se surpreenda se, um dia, alguém nos disser que as vacas podem voar e nós acreditarmos nele.

Por favor, forneça o texto original transcrito do “El País” para que eu possa reescrevê-lo em PT-BR seguindo as regras estabelecidas.

Fonte: Metrópoles

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