Malária e HIV representam sério risco para a África devido à redução da assistência financeira dos Estados Unidos
O governo dos Estados Unidos suspendeu o financiamento de programas de prevenção e controle de doenças. Especialistas temem que a falta de recursos resulte em um aumento de casos e mortes.

Para os moradores de comunidades isoladas na África do Sul, obter medicamentos representa uma dificuldade. Pacientes com HIV, como Nozuko Majola, de 19 anos, precisam percorrer mais de uma hora para adquirir os medicamentos antirretrovirais (ARV) indispensáveis.
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Ela relata que anteriormente recebiam os medicamentos em casa, porém, após o anúncio de Donald Trump sobre o corte na ajuda humanitária, agora precisam retirá-los pessoalmente. Expressa preocupação com o cancelamento total do serviço.
Estima-se que aproximadamente 8 milhões de pessoas vivam com HIV na África do Sul, país com uma das maiores taxas da doença no mundo. Nozuko Ngaweni, que utiliza há décadas medicamentos antirretrovirais, teme por sua vida.
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“Ouvi dizer que os Estados Unidos cancelaram essa ajuda. Sinto que estou morrendo. Me pergunto se vou conseguir a medicação no mês que vem. Tenho o suficiente para este mês, mas o que vai acontecer depois?”, reflete Ngaweni.
Há décadas, os Estados Unidos realizam doações para o setor de saúde da África do Sul, focadas principalmente no combate à AIDS. Em 2023, os EUA enviaram ao país 400 milhões de dólares. Em fevereiro, a diretora da Fundação Desmond Tutu para o HIV, Linda Gail Bekker, estimou que os cortes no financiamento americano podem causar 500 mil mortes na próxima década.
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Após assumir a presidência dos EUA em janeiro, Trump emitiu uma ordem executiva que suspendeu por 90 dias a assistência humanitária. Posteriormente, ele decidiu desmantelar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) como órgão independente. O governo cortou ainda 90% dos contratos e subsídios estrangeiros financiados pela Usaid.
Esses cortes representaram um duro golpe para diversos países africanos. A África Subsaariana é a segunda maior beneficiária da USAID no mundo, tendo recebido 12,7 bilhões de dólares em 2024. Segundo os Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (Africa CDC), as medidas podem levar à morte de até 4 milhões de pessoas devido a doenças tratáveis.
Consequências desastrosas
A ONG panafricana Amref Health Africa, que capacita profissionais e oferece assistência médica a quase 20 milhões de pessoas, teve 20% do seu orçamento reduzido, sobretudo por conta dos cortes nos Estados Unidos. A Amref informou que, na Etiópia, projetos de educação para milhares de jovens foram interrompidos, e na Tanzânia, 500 mil exames de tuberculose não puderam ser realizados.
“Estamos identificando falhas em todos os países. Todos os setores onde a assistência humanitária é necessária estão sendo impactados”, afirma Lara Dovifat, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Alemanha.
Na Somália, a MSF enfrenta dificuldades na resposta a um surto de cólera devido à falta de profissionais após o encerramento de clínicas financiadas pela USAID. “As consequências são catastróficas”, afirma Dovifat sobre os cortes.
A especialista aponta que o aumento de casos de desnutrição infantil na Somália se deve aos fechamentos de centros de nutrição. No Sudão, um sistema de abastecimento de água, financiado pela USAID, foi desativado repentinamente.
Malária, tuberculose e HIV
O recuo no financiamento de programas de combate e prevenção da aids é notavelmente significativo. Os Estados Unidos interromperam o apoio ao UNAIDS, iniciativa da Organização das Nações Unidas voltada para o enfrentamento do HIV.
Na Quênia, o financiamento reduziu-se de 846 milhões de dólares para 66 milhões de dólares, o que resultou no encerramento de centros de tratamento e deixou mais de 1 milhão de infectados sem medicamentos. Na Nigéria, sem o apoio dos Estados Unidos, o governo teme o retrocesso na luta contra a aids, tuberculose e malária.
Para financiar o combate a essas três doenças, a comunidade internacional estabeleceu o Fundo Global em Genebra em 2022. O diretor do departamento de assessoria técnica e parceiras do fundo, Michael Byrne, concentra-se principalmente nos cortes nos programas de prevenção da malária.
Se a malária não for controlada, é muito provável que haja um ressurgimento significativo e mortes, afirma Byrne. Anualmente, a malária causa 600 mil mortes na África, a maioria entre crianças com menos de cinco anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
10 a 20 anos de regressão.
Dovifat, da MSF, também teme que os cortes possam impulsionar um retrocesso nos avanços na prevenção de doenças. “Estamos perdendo de dez a 20 anos de progresso no tratamento da aids. Muitos programas foram interrompidos, incluindo os voltados para tuberculose e controle de surtos.”
Os Estados Unidos também estão reduzindo o financiamento da Gavi, uma aliança global para fornecer vacinas para crianças em países de baixa renda. Os recursos repassados pela Usaid representam 13% do orçamento da organização. Projeta-se que 75 milhões de crianças deixem de receber vacinas de rotina nos próximos cinco anos, o que pode resultar em até 1,3 milhão de mortes evitáveis, segundo a organização.
Apesar dos desafios, Byrne demonstra otimismo em relação ao futuro. Os países da África Subsaariana têm se mostrado rápidos em planejar alternativas em nível nacional e em alocar recursos próprios, segundo ele. “Uganda e Malawi, por exemplo, divulgaram comunicados informando que seus países interviriam para suprir as lacunas. Eles implementaram medidas políticas para apoiar o trabalho dos agentes comunitários de saúde”, afirma.
Diversos especialistas preveem que outros países não sigam o exemplo dos EUA e reduzam os investimentos. “A situação em que nos encontramos atualmente não se limita a um único país. Há uma tendência nessa direção há algum tempo. Se não controlarmos doenças infecciosas, teremos que arcar com custos maiores no futuro, e os países ricos também sofrerão com isso”, ressalta Byrne.
Fonte: Carta Capital