Trump demonstra seguir o modelo de Orbán nos seus primeiros dias
Orban implementou um modelo de controle da mídia através da repetição constante de uma determinada narrativa.

Por Adam G. Klein
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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, discursou perante uma audiência atenta de ativistas conservadores dos Estados Unidos, apresentando sua perspectiva sobre a política norte-americana.
Em uma reunião especial do Cpac em Budapeste, em maio de 2022, ele afirmou que a mídia ocidental é “a raiz do problema” e aconselhou que, para os conservadores retomarem o poder nos EUA, “tenham a sua própria mídia”.
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Orban afirmou com base na experiência, remodelando sistematicamente o cenário político húngaro desde 2010, controlando majoritariamente a imprensa independente e substituindo-a por um aparato midiático alinhado com suas ideias. Seus conselhos, que se opõem aos valores democráticos, foram bem recebidos por seus apoiadores nos Estados Unidos, incluindo jornalistas conservadores, podcasters e líderes políticos.
Atualmente, três anos depois, o presidente Donald Trump parece ter seguido o conselho à risca, imitando suas primeiras ações e agindo rapidamente para definir os termos de sua própria cobertura.
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Novas regras para a imprensa
Nos seus primeiros 100 dias, Trump estabeleceu um novo controle sobre a mídia, iniciando por aqueles que o seguem regularmente.
Em fevereiro de 2025, sua administração proibiu a entrada da Associated Press na Sala Oval por utilizarem o termo “Golfo do México”, em vez do novo nome adotado por Trump: “Golfo da América”.
Posteriormente, a equipe removeu da Associação de Correspondentes da Casa Branca o poder de determinar quais veículos compõem a equipe de jornalistas que acompanham o presidente — uma prática que persistia por mais de um século.
Em março, Trump assinou um decreto para extinguir agências de notícias públicas, incluindo a Voice of America, que transmite para o exterior. Na mesma ocasião, proferiu um pronunciamento televisado no Departamento de Justiça, declarando que determinadas reportagens negativas sobre ele eram não apenas injustas, mas “totalmente ilegais”. Ele acusou determinados veículos de atuarem em “total coordenação” para lhe causar prejuízo.
Ele afirmou aos funcionários do Departamento de Justiça que essas redes e jornais não são diferentes de operadores políticos bem pagos, e que isso precisa acabar, precisando ser ilegal.
Recentemente, Trump solicitou que a FCC (Comissão Federal de Comunicações) sancionasse a emissora CBS e revogasse sua licença devido a uma reportagem do programa “60 Minutos” que ele considerou inadequada, classificando-a como “fora da lei e ilegal”.
As ações de Trump, que vão desde afastar repórteres até ameaçar com punições legais, parecem não ser medidas isoladas, mas parte de um plano coordenado de restrução da mídia — alinhado com sua tentativa mais ampla de restabelecer as instituições nacionais.
Como pesquisador que analisa modelos de propaganda e controle narrativo, identifico fortes paralelos com o modelo de Orbán.
O modelo de Orbán
Acompanhei de perto como Orbán consolidou o controle sobre a mídia húngara desde sua atuação como primeiro-ministro, possibilitando-lhe projetar a impressão de consenso midiático e amplo apoio. Sua estratégia iniciou-se após seu retorno ao poder em 2010.
Com o apoio de uma nova maioria parlamentar, Orbán promulgou em 2011 uma abrangente Lei de Mídia, que conferiu ao Estado amplos poderes de supervisão. Isso resultou em um Conselho de Mídia recém-formado, composto inteiramente por seu partido no poder, recebendo autoridade para multar veículos de comunicação por coberturas que considerasse “desequilibradas ou imorais”.
Não se tratou apenas de uma tentativa de moderar as críticas; foi o primeiro passo de uma estratégia mais abrangente para remodelar a mídia húngara.
A legislação gerou críticas, sobretudo de jornalistas e da União Europeia. Durante o discurso de Orbã em seguida ao Parlamento Europeu, parlamentares protestaram vedando a boca com fita adesiva e exibindo cartazes com a inscrição “censurado”.
Para os críticos, Orbán afirmou que o “sistema de regulação da mídia” húngaro havia “colapsado” e que cabia ao seu governo reconstruí-lo. Contudo, para a imprensa, não se tratava de uma reconstrução.
Um jornalista húngaro afirmou que Orbán considerava a mídia como um campo de batalha, com forças adversárias e áreas para expansão.
Elites econômicas controlam a mídia.
A efetiva aquisição ocorreu por meio de uma onda coordenada de aquisições de mídia.
Os oligarcas ligados a Orbán controlaram os jornais, canais de TV e estações de rádio importantes. Seus métodos eram consistentes: eliminavam equipes editoriais, substituíam opiniões críticas por apoio incondicional e, com frequência, causavam demissões em massa de jornalistas que não concordavam com a orientação do partido.
Diversos veículos de comunicação, anteriormente independentes, reviveram como veículos de comunicação pró-Orbán.
Em 2018, a consolidação foi finalizada.
Em uma exibição de coreografia política, aproximadamente 500 veículos de comunicação privados foram doados para uma fundação denominada Kesma (Fundação de Imprensa e Mídia da Europa Central), controlada por aliados de Orbán. Atualmente, a Kesma domina o cenário midiático húngaro, disseminando uma narrativa singular e coerente com a agenda que o governo denomina “illiberal”.
A estratégia de Orbán propôs um modelo de gestão da mídia contemporâneo – não por meio da censura direta, mas pela sobreposição de narrativas. Apesar da existência de alguns meios de comunicação independentes, a grande quantidade de veículos pró-Orbán suprime a oposição.
Essa estratégia passou a ser reconhecida por líderes de direita em outros países.
Figuras da mídia americana, incluindo Steve Bannon e Tucker Carlson, visitaram Budapeste para se reunir com Orbán e estudar suas estratégias. Orbán ganhou destaque entre os conservadores dos EUA, participando de reuniões do Comitê de Ação Política Conservadora e estabelecendo relações com o movimento MAGA e Trump.
No ano passado, Orbán acompanhou Trump na campanha e posteriormente afirmou ter de seu “profundo envolvimento” em influenciar a agenda futura de Trump.
Transferir o modelo para os EUA
A análise dos primeiros 100 dias do segundo mandato do presidente revela a aplicação das estratégias de Orbán.
Orban aprovou uma lei de mídia para punir reportagens desequilibradas, Trump agora considera certas coberturas ilegais e seu governo iniciou investigações sobre pelo menos um veículo de comunicação. Ele também começou a marginalizar veículos que desafiam sua agenda, enquanto sua assessoria de imprensa continua negando acesso a agências de notícias como Reuters e Bloomberg.
Orbão utilizou bilionários aliados para controlar a mídia, Trump possui parceiros poderosos como Elon Musk. A aquisição do Twitter, atualmente X por Musk em 2022, segue a lógica dos aliados de Orbão, permitindo que o magnata da tecnologia transformasse a plataforma em um megafone para a agenda de Trump.
Por fim, da mesma forma que Orbán construiu uma rede de mídia leal, os aliados de Trump estão expandindo um ecossistema de mídia Maga, destinado a amplificar e proteger sua mensagem.
Essa rede já é parte do cotidiano da Casa Branca. À medida que veículos como AP e Reuters são deixados de lado, novas vozes pró-Trump ganham espaço: como a War Room, de Steve Bannon, a Real America’s Voice e a Lindell TV, criada pelo CEO da MyPillow e defensor de Trump, Mike Lindell. Essas mídias não apenas acompanham o governo – elas o celebram.
Brian Glenn, repórter da Real Americaâs Voice, recebeu sua primeira pergunta em uma entrevista a jornalistas no Salão Oval. Aproveitou a oportunidade para elogiar as conquistas e os números das pesquisas de Trump: “Você está cumprindo toda a agenda com a qual se elegeu. O povo norte-americano está com você. Você tem o apoio do povo norte-americano… Se puder comentar sobre a última pesquisa de Harvard, eu agradeço.”
Em outra entrevista, uma repórter da Lindell TV perguntou à secretária de Imprensa, Karoline Leavitt, qual o plano de exercícios físicos de Trump, afirmando que ele parecia “mais saudável do que nunca” e adicionando: “Tenho certeza de que todos aqui concordam”.
E isso é justamente a intenção: construir uma mídia que só concorda com o presidente. Trump está moldando a imprensa à sua imagem e isso é só o começo, seguindo à risca a fórmula de Orbán.
Adam G. Klein é professor associado de comunicação e estudos de mídia na Pace University. Este artigo foi publicado do The Conservation sob uma licença de Creative Commons.
Traduzido por Nathallie Lopes. Leia o original em inglês.
O Poder360 firmou parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo prevê a tradução dos textos dessas publicações para o português e sua publicação na plataforma do Poder360. Para acessar todas as traduções já publicadas, clique aqui.
Fonte: Poder 360