A apresentação de Gaga no RioCentro evidencia a necessidade de regulamentar as redes e defender a democracia

Além da necessidade de estabelecer restrições ao ambiente virtual, o plano de ataque ao show da cantora no Rio também ressalta a importância da batalha contra a impunidade aos golpistas.

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(Imagem de reprodução da internet).

Em 30 de abril de 1981, 20 mil pessoas se congregaram na Zona Oeste do Rio de Janeiro para um grande show de MPB em celebração ao Dia do Trabalhador, sem perceber que um grupo terrorista planejava assassiná-las naquele local. Estávamos nos últimos anos da sangrenta ditadura de 1964 e o que ficou conhecido como o Atentado do Riocentro foi uma tentativa frustrada de interromper o processo de redemocratização do Brasil. O objetivo era incriminar militantes de esquerda e intensificar a repressão aos opositores do “regime”. Felizmente, o plano não obteve sucesso e expôs os crimes e a falência moral dos militares.

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Na última data de 3 de maio, surgiu um Novo Riocentro. Um grupo de extremistas planejou lançar bombas e coquetéis molotov em meio à multidão durante o megashow de Lady Gaga na Praia de Copacabana, com 2,1 milhões de pessoas se divertindo. O Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab) do Ministério da Justiça, em colaboração com a Polícia Civil do Rio, evitou a tragédia que poderia ter causado mortes devido a “desafios” misóginos e homofóbicos na rede social Discord.

Recentemente e atualmente, a meta da direita radical sempre foi a mesma: provocar a separação através do ódio e exercer o controle por meio do medo. No entanto, enquanto o terrorismo de 1981 era um ato estatal, o incidente de 3 de maio foi uma forma de terror “gamificado”. Trata-se de uma propagação de ódio que se encaixa perfeitamente nos discursos individualistas de figuras hostis à democracia, como Donald Trump, Javier Milei ou Jair Bolsonaro, e que utiliza o território livre (para crimes) da internet como meio de disseminação.

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O que antes se manifestava em fóruns da internet marginalizados, atualmente é replicado e intensificado em escala global por indivíduos influentes, como os bilionários Elon Musk e Mark Zuckerberg, proprietários de grandes empresas de tecnologia, e afeta negativamente homens, sobretudo jovens, adolescentes e crianças. Diante da ausência de oportunidades após décadas de declínio neoliberal, esses homens identificam nas mulheres e nos movimentos por direitos das comunidades LGBTI+, negra, indígena e outras minorias os “culpados” ideais para suas frustrações.

As mulheres e pessoas LGBTQIA+ foram os alvos dos terroristas no show de Lady Gaga. A pesquisadora Letícia Oliveira, que se dedica a mapear e denunciar grupos extremistas na rede, explicou em entrevista ao jornal O Globo como funciona a cooptção dessas pessoas: “Eles começam consumindo conteúdos chocantes. Isso vai dessensibilizando esses jovens, ao ponto de o conteúdo deixar de gerar qualquer tipo de impacto emocional. Existe uma conexão direta com a subcultura dos chans, fóruns anônimos conhecidos mundialmente. Ali, ameaças, planos de ataque e discursos de ódio são normalizados. Essa lógica foi importada para o Brasil e influenciou muitas das ameaças e ataques que a gente viu na última década, inclusive contra escolas, feministas, pessoas negras e LGBTs”, contou a pesquisadora.

Grandes empresas de tecnologia, como Discord, Meta e X, promovem o ódio devido aos altos lucros que obtêm. Em um período de 28 dias, uma pesquisa do Ministério das Mulheres com o NetLab da UFRJ identificou 1.565 anúncios considerados ameaçadores direcionados a mulheres em redes como Facebook e Instagram – destes, mais de 98% não foram classificados como sensíveis no sistema de anúncios da Meta. No X, a ferramenta de inteligência artificial Grok agora possui uma função que permite “despir” a foto de qualquer usuário – felizmente, no Brasil, uma lei de minha autoria, já sancionada pelo presidente Lula, prevê penas maiores para crimes com uso de IA contra mulheres.

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Nada disso pode ser normalizado ou tolerado. É hora de dar um basta. Precisamos proteger nossas crianças e jovens do avanço extremista em todas as frentes. Precisamos aprofundar os debates sobre gênero e raça nas escolas – prejudicados pelo assédio violento do movimento extremista Escola Sem Partido. Precisamos derrotar o ódio, combustível do bolsonarismo e outras formas contemporâneas do fascismo. Precisamos, de uma vez por todas, de regulação para as redes sociais. Os bilionários donos das big techs são poderosos, mas não podem usar a tecnologia para destruir a Democracia.

Assim, não se admite a manobra, na Câmara, que busca proteger os golpistas do 8 de janeiro de sua responsabilidade com o Judiciário através de uma prerrogativa de imunidade parlamentar do deputado federal Alexandre Ramagem. Nenhuma autoridade, seja deputado, senador, presidente, ministro, juiz, é imune para cometer crimes. A imunidade parlamentar se restringe à inviolabilidade de voz, opinião e voto, conforme o artigo 53 da Constituição, mas esta não é ilimitada, como se viu no caso do ex-deputado bolsonarista Daniel Silveira, preso após publicar um vídeo com injúrias e ameaças a ministros do STF em 2021.

Isto está correto. Foi por não punir os articuladores do Riocentro no passado que tivemos uma nova tentativa de golpe em 2023. Anistia agora equivale a um novo golpe em nossa Democracia. Não podemos abrir mão de nossos marcos civilizatórios, nem deixar de criar novos marcos para dar conta das ameaças contemporâneas, como foi o Novo Riocentro no show de Lady Gaga. As duas pautas andam juntas: Sem anistia! Regulação das redes já!

Fonte: Carta Capital

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