A Baía de Guanabara recebe 3 milhões de litros de chorume diariamente
Sociedade exige intervenção de órgãos ambientais para combater a poluição em local turístico do Rio de Janeiro.

Anualmente, são despejados na Baía de Guanabara cerca de 1 bilhão de litros de chorume. Diariamente, 3 milhões de litros de resíduo líquido, proveniente da decomposição de matéria orgânica do lixo doméstico, são descartados indevidamente na baía oceânica que abrange 12 municípios do Estado do Rio de Janeiro. Os dados foram divulgados pelo movimento social Baía Viva, que exige a atuação dos órgãos ambientais contra a contaminação.
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“Estamos vivendo a chamada crise do chorume não tratado no estado do Rio de Janeiro”, declara o fundador do Baía Viva, Sérgio Ricardo Potiguara. Segundo ele, que é o mestre em ciências ambientais pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), além do volumoso despejo de chorume não tratado na baía, há ainda cerca de 500 milhões de litros do resíduo líquido estocados ou armazenados de forma precária.
A região metropolitana do Rio de Janeiro, composta por 22 municípios, gera cerca de 6.000 litros diários de chorume, sendo que o lixão de Gramacho, em Jardim Gramacho, produz 3.000 litros, 50%. Isso resulta em 1 bilhão de litros que são descartados no mar anualmente, conforme cálculos de Potiguara.
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A Baía Viva denuncia, em ofícios enviados ao Inea e à Seas, a poluição das águas da Baía de Guanabara, dos manguezais e dos territórios pesqueiros, além do adoecimento de pescadores artesanais e caranguejeiros. Os documentos também apontam a extinção da biodiversidade marinha da baía e os prejuízos socioeconômicos.
O ciclo de perversidade.
Os pescadores da Baía de Guanabara nessas áreas mais contaminadas encontram-se em situação de extrema pobreza e insegurança alimentar, gerando um ciclo de perversidade entre a degradação ambiental, a pobreza e a insegurança alimentar, que pode ser descrito como um “coquetel de problemas”. Isso impacta o turismo, a pesca, a balneabilidade e todas as praias interiores da Baía de Guanabara, tornando-as impróprias para banho, afirma Potiguara.
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Segundo o professor Adacto Ottoni, do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Uerj, é difícil estimar o volume de chorume despejado na Baía de Guanabara, em razão do grande número de fontes. À Agência Brasil, o pesquisador ressalta a ineficácia da Lei 12.305 de 2010, que institui a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos). Para ele, a lei deveria ter aprimorado as sanções penais a condutas e atividades nocivas ao meio ambiente.
“Há outro aspecto também muito importante, porque, às vezes, o monitoramento ambiental para comprovar esse dado é deficiente”, acrescenta o professor, acrescentando que o órgão ambiental deve fazer coletas de amostras d’água para avaliar a poluição da Baía de Guanabara durante e após a maré baixa, quando a água atinge seu nível mais baixo.
É necessário coletar amostras para determinar a concentração real da poluição, incluindo esgoto sanitário, industrial e chorume que desce pela Baía. Se as amostras forem coletadas na maré média e na maré alta, a água do mar dilui o esgoto, o que resulta em uma concentração menor e a impressão de que a Baía de Guanabara apresenta boa qualidade de água.
Poluição incessante.
Além da lei, Ottoni também destaca a execução do Programa Nacional Lixo Zero, iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima que visa a eliminação dos resíduos no Brasil e a destinação adequada dos resíduos sólidos, conforme estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O programa propõe aterros sanitários, reciclagem, logística reversa e tratamento de resíduos como medidas para reduzir o impacto ambiental.
“Assim, vamos acabar com a poluição do chorume? Não, não vamos acabar. Esse é o grande problema. Com essa política, você continua descartando, mas em vez de ser no lixão, é no aterro sanitário”, critica o acadêmico, já que mesmo nos lixões desativados, o lixo continua no local, acumulando poluentes e matéria orgânica que continuam vazando para a natureza.
Durante a estação chuvosa, todo esse material transborda. Quando não chove, ele se infiltra no solo e vai para o aquífero. O lixão gera todos esses impactos ambientais negativos, poluindo a atmosfera por meio da liberação de gases poluentes, contaminando o solo com chorume, contaminando a água subterrânea e poluindo as águas superficiais, devido ao encontro da água subterrânea com a água superficial e aos transbordamentos durante a chuva nos corpos hídricos.
Destinação inadequada
No Brasil, constata-se a existência de 1.606 locais de disposição final de resíduos, conforme dados do Sinisa em 2023. Aterros controlados também representam uma forma inadequada de destinação final, com 317 unidades registradas nessa condição.
No Rio de Janeiro, identificou-se 5 lixões e 5 aterros controlados em situação irregular, totalizando 10 instalações. O Ministério do Meio Ambiente informou que o número pode ser superior, devido à falta de respostas dos municípios ao formulário do SNIS e à possível subnotificação de lixões não declarados.
De acordo com os dados do Sinisa 2024, antes da promulgação do Marco Legal do Saneamento (legislação que estabelece metas para a universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto até 2033), o SNIS apontava a existência de 1.545 lixões e 617 aterros controlados em operação no país, totalizando 2.162 unidades inadequadas.
A análise comparativa entre os cenários de 2020 e 2023 revela que pelo menos 239 unidades consideradas inadequadas foram desativadas nesse período. Contudo, a transição para o Sinisa modificou os códigos de referência para a classificação dessas unidades, o que torna difícil uma avaliação mais precisa sobre quais instalações foram realmente desativadas. No Rio de Janeiro, dos 6 aterros sanitários e 9 aterros controlados em operação em 2020, pelo menos 5 foram encerrados, conforme os dados mais recentes do MMA.
Para Ottoni, o Programa Nacional do Lixo Zero aparenta resolver o problema inicialmente, mas não o resolve de fato. O pesquisador defende que, para que a medida fosse eficaz, seria necessário garantir a operação adequada das unidades, com impermeabilização do solo, coleta de chorume e transporte do resíduo líquido para as ETCs (Estações de Tratamento de Chorume).
Abuso.
Após essas operações, o destino do líquido tratado seria os corpos hídricos, como a Baía de Guanabara, por exemplo. Contudo, frequentemente ocorre a diluição de pequenas porcentagens de chorume no esgoto tratado pelas ETES (Estações de Tratamento de Esgoto), segundo o movimento Baía Viva.
O professor de engenharia ambiental da UVA, Carlos Canejo, considera inadequado o tratamento de chorume nas Estações de Tratamento de Esgoto. “Apesar de autorizado pelo órgão ambiental, a estação é projetada para tratar esgoto, não para tratar chorume, então são colocadas pequenas doses de chorume nessa mistura com esgoto para que ele seja parcialmente tratado”.
A fração orgânica presente no chorume é processada, mas grande parte dos demais contaminantes presentes no resíduo líquido não consegue ser tratada em processos convencionais, explica Canejo. “Acaba havendo o arrasto desses contaminantes, porque essas estações, muitas vezes, não têm um monitoramento de todos os parâmetros. Isso é outro forte potencial de poluição da Baía de Guanabara.”
A Águas do Rio informou que opera Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) licenciadas pelo Inea para o recebimento de chorume, e que o tratamento ocorre de acordo com a demanda de empresas responsáveis pela gestão de resíduos sólidos, em conformidade com as normas e regulamentos ambientais aplicáveis. A Águas de Niterói afirmou que o tratamento de chorume é responsabilidade da empresa que gerencia o aterro sanitário.
As Águas do Rio acrescenta que “o projeto de recuperação da Baía de Guanabara, por meio da ampliação do saneamento básico, já está em andamento. A iniciativa integra o compromisso da concessionária com a melhoria das condições ambientais da baía, com investimentos e ações que beneficiam diretamente a população e o meio ambiente”.
A empresa investirá R$ 19 bilhões na universalização do saneamento em sua área de atuação até 2033. Deste valor, R$ 2,7 bilhões serão destinados à implantação de coletores em tempo seco nas proximidades da Baía de Guanabara. Esses dispositivos captam o esgoto lançado nas redes de drenagem e encaminham os efluentes para tratamento.
Impactos além do meio ambiente
A população inteira sofre com a poluição da Baía de Guanabara, afirma Canejo. Para o professor, a baía é pouco utilizada devido à poluição, que não ocorre unicamente por causa do chorume. “O chorume é um agravante, não resta dúvida nenhuma, mas o despejo irregular de esgoto também é um problema grave que precisa ser observado.”
As comunidades que dependem da Baía de Guanabara para obter sustento são as mais afetadas pelo despejo irregular de chorume, uma vez que, por ser um líquido com elevada carga de nutrientes, o resíduo “sequestra” o oxigênio disponível no ambiente, causando alta mortalidade de peixes e, impactando a sobrevivência dessas populações. Além disso, Canejo acrescenta que há grande preocupação com os efeitos da poluição sobre a saúde, em razão da ingestão e do contato direto com o pescado contaminado.
Um outro fator negativo é a desvalorização de áreas contaminadas. Segundo o professor Adacto Ottoni, o odor desagradável decorrente da decomposição da matéria orgânica e a transmissão de doenças afastam investimentos. Para solucionar esses problemas, o pesquisador propõe a aplicação de uma política de não geração de resíduos, que se baseia em investimentos em educação ambiental.
O consumo consciente leva à diminuição da geração de resíduos e, à redução da produção. Não se trata da coleta seletiva, mas sim da educação ambiental. Atualmente, há pouco investimento no consumo consciente, pois muitas empresas lucram com o descarte. Quanto maior o descarte, mais elas vendem, argumenta.
Não há evidências de despejo irregular.
O Inea comunicou que o Estado do Rio de Janeiro possui 21 aterros sanitários. Destes, 16 incluem sistemas de tratamento de esgoto e chorume. Há também locais onde ocorre o pré-tratamento do chorume para posterior percolação na célula de deposição de resíduos. O volume de tratamento de esgoto e chorume em cada unidade varia de 20 m³/d a 1000 m³/d.
Em resposta às denúncias do movimento Baía Viva, o órgão estadual declarou não constatar evidências de despejo irregular de chorume na Baía de Guanabara. Contudo, a agência Inea realiza fiscalizações periódicas na região, buscando evitar o retorno de atividades ilegais de descarte de resíduos. “Qualquer sinal de uso irregular do solo para esse fim é apurado e combatido com ações coordenadas com outros órgãos competentes, como as polícias Civil e Militar”, acrescenta.
A autarquia informou que, com a diluição do chorume, a Resolução Conama 430 permite a introdução em ETES, prática também autorizada no Estado do Rio pela Norma Operacional Inea 45, desde que haja a apresentação de um estudo de tratabilidade. Esse estudo deve demonstrar que o efluente pode ser adequadamente tratado pela estação e precisa ser aprovado pelo órgão ambiental competente.
O instituto ainda declarou que prossegue com as operações de desmobilização de vazadouros ilegais em todo o estado, principalmente em áreas que fazem fronteira com a Baía de Guanabara. Nos últimos três anos, 15 lixões clandestinos foram interditados ou embargados, de acordo com o órgão.
Revitalização da Baía
Entre 2017 e 2019, foram investidos menos de R$ 140 milhões efetivamente no saneamento da Guanabara. Isso é consideravelmente baixo, quase insignificante em relação à magnitude do problema. Há inúmeras promessas grandiosas, porém, na prática, o investimento é limitado, segundo o gestor ambiental e jornalista Emanuel Alencar.
O autor de “Baía de Guanabara: descaso e resistência” declara que, com a concessão dos serviços de água e esgoto lançada pelo Estado do Rio de Janeiro em 2021, “houve novas promessas bilionárias, mas é preciso mais transparência para que a sociedade possa acompanhar a aplicação dos recursos e cobrar celeridade nas obras”.
A Seas informou que o PSAM retomará os investimentos em saneamento básico no entorno da Baía de Guanabara, estabelecendo prazos e condições para a conclusão de obras prioritárias, incluindo algumas provenientes do PDGB, extinto em 2006.
Atualmente, o PSAM possui investimento de R$ 938,4 milhões, provenientes do Fecam e do BID. O programa já atuou em diversas obras, com duas delas concluídas. Em abril de 2020, foi entregue o Coletor Tronco Cidade Nova, com investimento de R$ 85,2 milhões, removendo cerca de 24 piscinas olímpicas de esgoto da Baía de Guanabara. Em junho de 2023, também foi entregue o Tronco Coletor de Manguinhos, com uma extensão de 4,45 quilômetros que capta 1.293 l/s de esgoto, atendendo a uma população de 600 mil habitantes.
Em relação à revitalização, a Inea informou que instalou, em 2023, 17 ecobarreiras em rios estratégicos que desaguam na baía oceânica, com investimentos que somam mais de R$ 15,7 milhões. As estruturas têm como principal função reter resíduos flutuantes, com capacidade de impedir que 1.200 toneladas de lixo por mês poluam a baía. De março de 2023 a dezembro de 2024, essas estruturas retiveram em média 27,5 toneladas por dia, conforme a pasta.
Com informações da Agência Brasil.
Fonte: Poder 360