a demanda premente por uma segunda abolição

Após mais de um século da abolição, a população negra ainda se encontra concentrada nos empregos mais humildes e desgastantes do país.

30/07/2025 14h56

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(Imagem de reprodução da internet).

Ao discutir a necessidade de extinguir a escala 6-1 de trabalho, não se trata (principalmente no contexto brasileiro) de uma pauta unicamente econômica e de classes, mas sim étnico-racial. Florestan Fernandes, idealizador da sociologia crítica no Brasil, em seus estudos sobre as relações entre raça e classe, argumenta que a desigualdade racial não deve ser analisada isoladamente da luta de classes e, para uma compreensão precisa da realidade brasileira, é fundamental o recorte étnico.

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O processo turbulento de integração (se houve) do negro na sociedade de classes após a abolição impôs uma série de barreiras nas mais diversas esferas da vida social. Dentre estas, destacam-se as relações econômicas, em especial no que tange à empregabilidade dos ex-escravizados. Com todo o processo de incentivo à imigração europeia, em uma clara tentativa de “embranquecimento da população”, restou ao negro poucas ou quase nenhuma oportunidade de adentrar no mercado de trabalho. Tal acontecimento histórico reverbera até os dias de hoje. Não é toa, as piores condições de trabalho afetam principalmente a população negra. Esse processo gerou a exclusão de uma ampla parcela da população brasileira da ordem econômica, social e política vigente.

Em síntese, a sociedade brasileira abandonou o negro à sua própria sorte, incumbindo-o de se readaptar e se transformar para atender aos novos padrões e ideais de humanidade, estabelecidos com o trabalho livre, o regime republicano e o capitalismo.

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Florestan argumenta que a revolução burguesa tardia no Brasil, em razão do contexto do capitalismo dependente, não promoveu as reformas estruturais indispensáveis para romper com a ordem antiga e assegurar um patamar de bem-estar social para as camadas mais vulneráveis (além de um desenvolvimento autônomo das forças produtivas, em uma análise mais econômica), o que ele denominaria de “Revolução Democrática”. No processo de estratificação social brasileiro, a população negra “liberta” pós-Lei Áurea foi condicionada aos níveis inferiores da hierarquia social, o que resultou no recrutamento para empregos que apresentavam as piores condições – isso, quando conseguiam ser contratados.

A tão celebrada liberdade de 1888 significou, sobretudo, a liberdade de morrer de fome, além de ser (devido à Lei de Terras) levada aos grandes centros urbanos e, por fim, restrita a áreas periféricas e pouco adequadas à habitação. Nesse cenário de uma economia empobrecida, a população, majoritariamente negra, se vê limitada a duas alternativas igualmente desfavoráveis: a de se submeter ao crime organizado, com risco de morte precoce, ou a de tentar ingressar na economia capitalista, que não é hoje rejeitada. Ao optar pela segunda opção, o jovem se encontra condicionado a trabalhar em condições desumanas e degradantes, como a escala de 1 a 6 e a crescente “plataformização” do trabalho em aplicativos de entrega e transporte. As precárias condições de trabalho da população negra são consequências diretas dessa falsa democracia racial.

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Nesse contexto, o enfrentamento do racismo estrutural exige, necessariamente, a luta pela diminuição da carga horária de trabalho. Observando um recorte racial dos indivíduos expostos a essa escala, percebemos que, em sua maioria, são pessoas negras e das periferias. Se os trabalhadores submetidos ao regime de 6 horas têm um rosto, ele certamente é negro.

O encerramento da escala 6-1 representa um passo fundamental para o progresso em direção à segunda abolição, conforme defendia Florestan, na qual o negro efetivamente se integrará à sociedade brasileira, por meio de um processo de emancipação política e, dessa forma, se concretize o que já há amplamente registrado nos registros de nosso projeto de civilização.

Igor Cordeiro é Secretário de Assuntos Estudantis do CADR do curso de Agronomia da Universidade Federal do Ceará, Mãos Solidárias – CE e militante do Levante Popular da Juventude.

Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.

Fonte por: Brasil de Fato

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