A duração da amamentação é importante para reduzir o risco de hipertensão no futuro
Estudo aponta que desarmonizações no microbioma intestinal iniciam-se antes do desenvolvimento da hipertensão.

Um estudo inédito do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP indicou que o período pós-natal — em particular a fase de amamentação — influencia de forma notável a microbiota intestinal e o desenvolvimento da hipertensão arterial. Os resultados, divulgados na revista Pharmacological Research, mostram que alterações na microbiota intestinal ocorrem já nas primeiras semanas de vida, antes mesmo do aumento da pressão arterial, questionando a noção de que esse desequilíbrio seria apenas uma consequência da doença.
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A pesquisa foi realizada durante o doutorado da biomédica Patrizia Dardi, sob a orientação da professora Luciana Venturini Rossoni, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em um protocolo de amamentação cruzada, os cientistas observaram que ratos com predisposição genética à hipertensão arterial – os SHR – amamentados por mães com pressão arterial normal (normotensas) apresentaram uma redução de aproximadamente 5% na pressão arterial quando adultos, em comparação aos SHR que foram criados por suas mães biológicas hipertensas.
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O mais interessante é que essa redução ocorre sem que o animal deixe de ser hipertenso. Ainda assim, uma queda de 10 mmHg já é suficiente para reduzir significativamente o risco de danos a órgãos como coração, rins e retina, explica Luciana.
Microbiota aprimorada.
Além da pressão arterial, o estudo investigou a composição da microbiota intestinal nas primeiras semanas de vida. Mesmo antes de desenvolverem hipertensão, os SHR já apresentavam disbiose — um desequilíbrio da microbiota causado, principalmente, por alterações em bactérias menos abundantes, porém essenciais ao equilíbrio do ecossistema intestinal. Apesar de não ter havido aumento da diversidade bacteriana, os SHR amamentados por mães normotensas mostraram uma microbiota mais “refinada”, com composição mais próxima dos animais normotensos.
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Esses grupos minoritários são como espécies-chave. Apesar de menos abundantes, exercem um papel fundamental no metabolismo e no sistema imune do hospedeiro, afirma Patrizia.
O estudo também identificou que filhotes com pressão arterial normal, alimentados por mães hipertensas, apresentaram mudanças na microbiota — porém sem alterações nos níveis de pressão arterial na fase adulta. Isso reforça que a hipertensão resulta de uma interação complexa entre a microbiota e outros fatores biológicos.
Metabolitos sob a lupa
O estudo também analisou os compostos gerados pelas bactérias intestinais que influenciam a saúde do hospedeiro, incluindo o butirato e o sulfeto de hidrogênio (H₂S). O butirato é um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) com ação anti-inflamatória comprovada e habilidade de auxiliar na regulação da pressão arterial.
Nos ratos com predisposição genética à hipertensão (SHR) a produção de butirato já estava reduzida nas primeiras semanas de vida, antes do aumento da pressão arterial — indicando que alterações funcionais na microbiota ocorrem precocemente e podem estar relacionadas com o surgimento da doença.
Aquele padrão de produção não foi modificado pela amamentação em mães com pressão normal. Contudo, verificou-se uma melhoria na absorção dos ácidos graxos de cadeia curta no intestino desses animais, devido ao aumento da expressão de transportadores específicos influenciado pelo ambiente da amamentação.
O estudo ainda quantificou, pela primeira vez, o HâS presente nas fezes dos animais. Em contrapartida do que indicavam pesquisas anteriores, os SHR apresentaram maior produção desse composto, associada ao aumento das bactérias produtoras. Apesar do HâS poder ter efeitos benéficos em baixas doses — como o retardo do aumento da pressão — em concentrações elevadas pode promover inflamação e disfunção vascular. Essas descobertas reforçam a complexidade da relação entre microbiota, metabolismo e hipertensão, e indicam novas vias para futuras investigações.
Ao demonstrar que a disbiose intestinal precede a hipertensão, o estudo sugere que intervenções precoces, como a modulação da microbiota ainda na infância, podem indicar caminhos para estratégias de prevenção da doença. A pesquisa também levanta uma questão relevante sobre a microbiota de gestantes hipertensas.
Luciana conclui que precisamos compreender melhor esse processo para avaliar se a disbiose do filhote tem origem materna, sabendo que a microbiota da mãe é transferida para o filhote não somente no parto, mas também por meio da amamentação e do contato físico.
Com informações da Agência SP.
Fonte: Poder 360