A geografia agrícola lamenta o falecimento do professor Ariovaldo Oliveira, da USP
Ariovaldo Umbelino de Oliveira elaborou a primeira ‘tese marxista’ da USP e do Brasil, apresentada durante o regime ditatorial.

O falecimento do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, ex-Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no último sábado (2), causou grande comoção. Representa uma perda irreparável para aqueles que o conheceram e tiveram a oportunidade de aprender com ele. Ari foi um pioneiro e um resistente. Como integrante das primeiras gerações de filhos da classe trabalhadora a ingressar na universidade, atuou como estudante nas décadas de 1960 e como professor nas décadas de 1980, tendo antes exercido a docência no ensino fundamental e atuado como geógrafo no Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde colaborou na criação de um projeto de solo-cimento destinado a reduzir os custos de construção de moradias para a população trabalhadora.
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A coragem, a firmeza e a coerência eram suas qualidades mais notáveis. Arriscou convencer seu orientador, Pasquale Petrone, a acompanhá-lo na construção de sua tese de doutorado elaborada sob o método materialista dialético, a primeira “tese marxista” da USP e do Brasil, defendida nos anos de chumbo da ditadura. Possuía coragem para enfrentar uma banca e o anfiteatro de geografia lotado, em uma longa defesa onde, como ele sempre recordava, parte estava para apoiá-lo e parte para ver sua derrota. Ele venceu, e desde então, formou gerações de estudantes com sua geografia crítica, socialmente engajada e comprometida com a transformação da sociedade em que vivia, deixando claro que o discurso da ciência neutra não tinha lugar em sua sala de aula e que, ao contrário, sua geografia era feita para dar luz e voz àqueles que até então haviam sido invisibilizados pela academia: os camponeses, indígenas, quilombolas e de todos os que enfrentam a exclusão decorrente da violenta concentração fundiária do campo brasileiro.
Essa dedicação o levou a trabalhar com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) por muitos anos, participando da criação dos Cadernos de Conflitos no Campo, que há décadas registram a violência do latifúndio no Brasil. Era um geógrafo comprometido com seus princípios e com a ciência que produzia, mantendo-se firme em seu método, atuante criticamente, o que o colocava em posição divergente em relação às posições adotadas por movimentos sociais em certos momentos da luta. Essas divergências não o desestimularam, ao contrário, o motivaram a fortalecer sua produção em busca de uma sociedade mais justa e socialmente solidária.
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Suas aulas, no curso de graduação e pós-graduação, impressionavam pela profundidade do conteúdo e pela clareza do discurso. Era possível discordar de suas ideias e posições, mas não da solidez de seus argumentos. Seus trabalhos de campo, muitos deles realizados na Amazônia com longas durações, representavam ocasiões únicas de contato com o Brasil autêntico e de grande aprendizado para todos que puderam participar. Na USP, e nas universidades pelas quais passou após a aposentadoria, auxiliando na democratização da pós-graduação, formou milhares de estudantes. Criou o Simpósio Internacional de Geografia Agrária (Singa), que hoje opera de forma independente com seus 22 anos de existência, dos quais 20 foram celebrados em 2023 no DG, a instituição onde ele iniciou sua trajetória, o que o encheu de orgulho.
Na pós-graduação, como sempre afirmava, orientou mais de 100 estudantes, incluindo mestres e doutores, sem contar as supervisões de pós-doutorado, o que certamente faz com que seus ensinamentos se espalhem por diversos locais do país. Um orientador exigente, que nos incentivava a desenvolver autonomia e liberdade para ousar e que, com poucas palavras, nos levava a enxergar além do que estava imediatamente à nossa frente. Como sua última orientanda de doutorado declarou em uma aula, “um homem de poucas palavras e muitas ações”.
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Deixou uma produção científica densa e de grande importância, com contribuições para o estudo da geografia agrária e das ciências humanas em geral que permanecerão ao longo do tempo. Sentiremos muita falta de sua risada contagiosa e de suas reflexões precisas, por vezes inflexíveis, mas seu legado permanecerá vivo conosco e continuará sendo transmitido para as gerações futuras.
Ari, o Agrária continuará mais sombrio, mas você permanecerá presente em nossos corações e práticas.
Ari, esteja presente!
Marta Inez Medeiros Marques e Valéria de Marcos são professoras no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.
Este é um artigo de opinião e não necessariamente reflete a linha editorial do Brasil do Fato.
Fonte por: Brasil de Fato