A grilagem na Amazônia: somente 7% das decisões judiciais levam a condenações

O estudo do Imazon examinou 526 decisões, com 193 réus em 78 processos.

31/07/2025 10h34

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(Imagem de reprodução da internet).

De acordo com um estudo do Imazon, divulgado nesta quinta-feira (31), apenas 7% das decisões judiciais relacionadas a casos de grilagem na Amazônia resultaram em condenações.

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A pesquisa examinou 78 processos criminais com sentenças até maio de 2022, totalizando 526 sentenças e 193 réus. Destes, apenas 39 decisões (7%) resultaram em condenações, sendo que os desfechos mais frequentes foram a absolvição, em 185 casos (35%), e a prescrição, em 172 (33%). As condenações foram aplicadas a apenas 24 dos 193 réus, representando 12%.

A pesquisadora Brenda Brito, que participou do estudo, destaca que os dados mostram a grande dificuldade em responsabilizar criminalmente os envolvidos em casos de grilagem de terras. “A consequência é o estímulo que isso pode causar para a continuidade desses crimes”, afirma.

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A ausência de punição ou a crença de que há pouca probabilidade de ser responsabilizado e julgado incentiva a ocupação ilegal de terras públicas na Amazônia. Quando os responsáveis percebem que a chance de responsabilização é mínima, o ciclo da grilagem se mantém. O processo compreende o desmatamento para comprovar a posse e a expectativa de, em seguida, tornar-se proprietário da área e obter lucro com ela.

O estudo também revelou que quase metade dos processos (42%) não comunicava o tamanho da área potencialmente desviada. Contudo, em 18% dos casos, os territórios envolvidos excediam 10 mil hectares, o que equivale a 10 mil campos de futebol ou mais de 60 vezes a área do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Já em 8% dos processos, as áreas eram superiores a 50 mil hectares, correspondentes ao território de Porto Alegre, a 19ª maior capital do país.

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Liberação

Brito argumenta que os casos de absolvição podem ser classificados em três categorias. A primeira se refere à ausência de provas que sustentem a comprovação do delito. “Por exemplo, em ações envolvendo falsificação de documentos, não havia perícia que confirmasse a falsidade, o que levou o juiz a concluir que não havia elementos para condenação”, explica.

O segundo grupo compreende as circunstâncias em que os réus foram vistos como detentores de boa-fé. Em casos de invasão de área pública, por exemplo, alguns réus alegaram ter obtido o imóvel de terceiros sem conhecimento de que se tratava de área pública. Contratos de compra e venda sem menção à natureza da terra foram aceitos pela Justiça como indício de boa-fé, afastando o dolo e, consequentemente, a configuração do crime.

A terceira categoria de absolvições, na visão de Brenda Brito, compreende decisões com interpretações consideradas nebulosas acerca da dinâmica da grilagem de terras na região. Em certos casos, por exemplo, os réus eram acusados de estelionato ao venderem áreas públicas, sob a alegação de obter vantagem indevida.

Contudo, existiram decisões em que os juízes consideraram inexistente crime com base no argumento de que, sendo a terra propriedade do Estado, o réu não poderia obter lucro sobre algo que não lhe pertencia. “São interpretações questionáveis, mas que levaram à absolvição”, afirma a pesquisadora.

De 78 processos analisados referentes à grilagem de terras, 30% envolviam Projetos de Assentamento e 26% tratavam de Glebas Públicas, áreas pertencentes à União ocupadas de forma irregular por particulares. Contudo, na maioria dos casos que resultaram em condenações, a concentração foi em unidades de conservação.

O estudo revelou que as condenações se basearam em evidências materiais sólidas que comprovaram o delito e minaram as alegações de boa-fé, como notificações anteriores de órgãos fundiários que informavam aos ocupantes que a área era pública e exigiam sua desocupação. Foram também identificados documentos com informações falsas apresentadas aos órgãos fundiários, configurando falsidade ideológica. Nessas situações, os réus não puderam alegar ignorância ou boa-fé, o que fortaleceu a atuação do Ministério Público e levou à condenação.

Lentidão.

Ademais da baixa taxa de condenações, a pesquisa indicou que a demora nos julgamentos também compromete a efetividade da resposta judicial nos casos de grilagem. O tempo médio entre o início da ação e a sentença final foi de seis anos, mas em 35% dos processos esse período variou entre seis e nove anos, e em 17% chegou a durar de 13 a 18 anos. Essa lentidão favorece a prescrição, que impede a análise do mérito das condutas pelos juízes e se tornou um dos desfechos mais frequentes.

A maior parte das ações processuais ocorreu nas varas federais do Pará (60%), seguida por Amazonas (15%) e Tocantins (8%). Os casos foram selecionados com base em levantamentos da sociedade civil e em dados do Ministério Público Federal e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Fortalecimento e prevenção

Brito sustenta que o prognóstico para essa situação não depende unicamente do Poder Judiciário, mas também do Executivo e Legislativo na formulação de leis que incrementem as penalidades para os delitos relacionados à grilagem de terras. “Quanto aos crimes como a invasão de terras públicas, é preciso haver um aumento nas penas. Além disso, é necessário analisar se os novos projetos de lei que estão propondo novos tipos penais estão estabelecendo penas brandas, pois, nesse caso, não fará diferença” , declara a pesquisadora.

O estudo também ressalta a relevância de que órgãos no âmbito do governo federal, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), emitiam notificações formais aos ocupantes ilegais, determinando a desocupação de terras públicas.

O estudo demonstrou que tais notificações se mostraram fundamentais como provas nos processos judiciais, fortalecendo a responsabilização dos envolvidos. “A gente observou que isso foi o que levou à condenação nos casos que a gente viu de invasão de terra pública, que foram efetivamente punidos ou efetivamente condenados”, diz Brito.

Constava no local uma notificação do Incra e do Ministério de Desenvolvimento Agrário que informava esses invasores que aquela terra era de domínio público e que eles deveriam deixar a área. E isso levou o juiz a concluir que não houve boa-fé.

Atualmente, com a utilização de sistemas como o Cadastro Ambiental Rural e imagens de satélite, seria possível diagnosticar quais ocupações em terras públicas são consideradas ilegais e notificá-las por meio do próprio Cadastro Ambiental Rural. Essas provas poderiam então ser utilizadas pelo Ministério Público para ingressar com ações criminais.

No âmbito do Judiciário, a pesquisa propõe às escolas de magistratura o aprofundamento de temas relacionados ao direito fundiário e à grilagem de terras. “Esse é um tema que, em geral, não é debatido em muitas das faculdades de direito do país. Portanto, é importante ter capacitações e treinamentos para trazer essa realidade.”

Sugere-se que o Ministério Público especifique nos autos a conduta particular de cada réu e as provas pertinentes, sobretudo em ações envolvendo diversos acusados. Conforme Brito, a ausência de clareza tem afetado a análise das evidências, comprometendo o processo decisório.

Fonte por: Brasil de Fato

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