A locomotiva à frente do trem
A posição do governo de São Paulo na nomeação de seus representantes ao Conselho Superior do Comitê Gestor IBS diverge das demais unidades federativas.

Considera-se São Paulo como a locomotiva do Brasil devido aos investimentos significativos em infraestrutura logística realizados no início do século XX, quando o estado era o maior produtor e exportador de café. Posteriormente, com a queda do preço da commodity e a crise de 1929, os investimentos foram direcionados ao setor industrial, consolidando a influência paulista. Trata-se, de uma metáfora marcante que a economia paulista imprimiu ao desenvolvimento nacional. No entanto, em relação à implementação do novo sistema tributário sobre o consumo, a locomotiva parece estar à frente da composição.
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A posição do governo de São Paulo no ato de designar seus representantes ao Conselho Superior do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços diverge completamente das demais unidades da Federação e, segundo os comandos legais, afronta a lei complementar que o instituiu.
O Comitê Gestor do IBS é uma solução federativa, concebida para possibilitar a gestão compartilhada do novo imposto pelos 27 estados e mais de 5.500 municípios brasileiros. Dada a grande quantidade de “donos”, a governança do IBS requer a criação de um órgão técnico, com prerrogativas constitucionais típicas de administração tributária, como arrecadar, reter, compensar e distribuir o novo tributo, decidir o contencioso administrativo, interpretar e promover a harmonização da interpretação da legislação tributária, além de regulamentar a Lei Complementar 214/25, relacionada ao IBS. Sua instância deliberativa, o Conselho Superior, assegura a representatividade de estados e municípios nas decisões sobre o IBS.
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A composição deste Conselho Superior ocorre da seguinte maneira: nos estados, cada governador deve indicar como representante o secretário de Fazenda ou a autoridade máxima da administração tributária estadual, totalizando 27 titulares e 27 suplentes; já nos municípios, os prefeitos, após processo eleitoral previsto na mesma lei, designam outros 81 representantes eleitos, sendo 27 titulares e 54 suplentes.
As regras para a indicação possuem particularidades. No caso dos representantes municipais, além da previsão de que os indicados ocupem cargo de secretário de Fazenda ou autoridade máxima da administração tributária do município, foram previstas outras duas possibilidades: pode ser eleito se tiver experiência mínima de dez anos na administração tributária do município ou se tiver experiência mínima de quatro anos em cargos de direção, chefia ou assessoramento superiores nessa administração. Contudo, há uma importante ressalva: é vedada a indicação de representante que esteja vinculado a um ente federativo diverso do que o indicou. Imaginemos, por exemplo, um cenário em que o secretário de Finanças de determinado município, eleito para representá-lo no Conselho Superior do Comitê Gestor, é um funcionário cedido pela União ou por estado. Certamente essa representação poderá incorrer em conflito de interesses entre o ente representado e o ente de vínculo funcional do representante.
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Essa vedação não está expressa em relação aos estados porque, diferentemente do que ocorre em relação aos municípios, não existe possibilidade de a representação ocorrer por outra autoridade que não o representante máximo da administração tributária. Não obstante, havendo a indicação, por qualquer estado, de um membro cuja vinculação funcional seja estranha ao estado representado, está-se diante de conflito federativo inaceitável na configuração proposta pelo constituinte.
Os 25 estados e o Distrito Federal designaram para os titulares dos Conselhos Superiores seus secretários de Fazenda e, para suplentes, os ocupantes de carreira de auditoria indicados para as maiores funções da estrutura hierárquica da administração tributária. A suplência foi preenchida pelo secretário-executivo da Administração Tributária, com vínculo funcional originário na Procuradoria da Fazenda Nacional, órgão do Poder Executivo federal.
Existem outros argumentos jurídicos para questionar a designação feita por São Paulo. O artigo 156-B da Constituição Federal estabelece que “as competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão exercidas, no Comitê Gestor e na representação deste, por servidores das referidas carreiras”.
A Lei Estadual nº 1.059/2008 determina que os cargos de coordenador da Administração Tributária e de subsecretário da Receita, com atribuições de arrecadação e fiscalização semelhantes às do Comitê Gestor do IBS, devem ser exercidos exclusivamente por auditores fiscais.
Mesmo em São Paulo, a legislação reconhece que essas funções, por sua natureza técnica e estratégica, não podem ser atribuídas a cargos comissionados desvinculados da carreira de auditoria fiscal, reforçando o argumento de que a representação no Comitê Gestor deve observar o mesmo critério.
A designação, que admite revisão administrativa ou judicial devido à vedação de vinculação funcional, suscita preocupação. É necessário consolidar entre os entes subnacionais a noção de federalismo e sua importância para o modelo de tributação proposto, sob risco de “desvio de rumo”, cujas maiores vítimas são os contribuintes e a sociedade.
Fonte: Carta Capital