A máfia do bisturi: como uma cooperativa dominou a anestesia no Distrito Federal
24/04/2025 às 6h13

A investigação da Polícia Civil do Distrito Federal identificou um esquema monopolista que há décadas controla o mercado de anestesiologia na capital. A Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF) é acusada de criar um sistema restritivo e exclusivo, exercendo pressão sobre clínicas, planos de saúde e órgãos públicos.
Com base nos resultados da apuração, a cooperativa opera por meio de grupos exclusivos de anestesistas, membros da Coopanest, que exercem o domínio dos procedimentos anestésicos em diversas unidades hospitalares. Cada hospital funciona como um feudo, sendo que somente o grupo dominante tem permissão para atuar. Médicos de fora não têm acesso aos plantões, a menos que sejam aceitos pela cooperativa e pelo grupo local.
Testemunhos coletados na investigação indicam que profissionais autônomos são sistematicamente excluídos, e anestesistas recém-chegados ao Distrito Federal só conseguem atuar na rede privada se estiverem associados a um grupo já consolidado — e, para isso, necessitam do apoio da cooperativa.
Ainda segundo as apurações, a posição dominante da Coopanest-DF é reforçada por sua exclusividade em relação aos convenções médicas. Todos os procedimentos anestésicos realizados na rede privada são faturados pela cooperativa, que retém uma parcela do valor e repassa o restante aos grupos. Para os hospitais e operadoras de saúde, persiste a necessidade de aceitar os termos propostos ou enfrentar boicotes.
LEIA TAMBÉM:
● Funcionários públicos são investigados por terem auxiliado em assaltos a bancos que visavam a Caixa
● As dificuldades enfrentadas por mulheres no acesso à anestesia em Brasília
● Policiais militares são presos pela Polícia Federal por roubo de grande valor à Caixa Econômica Federal
Essa capacidade se manifesta na denominada “tabela da Coopanest”, elaborada isoladamente pela cooperativa, com valores que podem ser sete vezes superiores aos das tabelas de referência do mercado, incluindo a CBHPM e a AMBR.
A tabela é obrigatória para hospitais e convenções, sem possibilidade de negociação. Em caso de resistência, são aplicadas retaliações e obstruções de atendimento, conforme identificado em diversos casos investigados pela Polícia Civil.
Um acordo com a Força Aérea Brasileira foi cancelado após questionar os valores da tabela. Clínicas particulares, incluindo uma unidade de radioterapia, também relataram a recusa de anestesistas em trabalhar após divergências contratuais, o que inviabilizou a continuidade dos atendimentos. As tentativas de buscar profissionais fora da cooperativa encontraram a mesma barreira: todos os anestesistas do Distrito Federal estariam vinculados à Coopanest, direta ou indiretamente.
A situação mais marcante foi quando um hospital de grande porte interrompeu sua parceria com uma clínica associada à cooperativa. Esse evento gerou uma reação coordenada de boicote.
A cancelamento de cirurgias, anestesistas foram coagidos a renunciar aos plantões e houve até ameaças sutis contra médicos que atenderam na unidade. O hospital funcionou com apenas quatro anestesistas disponíveis, o que levou à suspensão de diversas operações.
A estrutura hierárquica da cooperativa também foi objeto de análise. Médicos que não compõem a sociedade majoritária são chamados informalmente de “bagres” e assumem os plantões mais intensos – noturnos, aos fins de semana e com procedimentos de maior risco – recebendo valores fixos por hora trabalhada. Já os lucros efetivos são concentrados nas mãos dos sócios, que organizam as escalas e supervisionam os contratos.
A investigação também demonstrou que a abrangência do domínio da Coopanest-DF se estende ao setor público. Hospitais como o da Criança de Brasília e a Secretaria de Saúde do DF relataram problemas para contratar anestesistas em razão dos altos valores cobrados pela cooperativa. Um estudo citado aponta que mais de 1.300 cirurgias gerais, incluindo 500 pediátricas, foram canceladas por inviabilidade financeira.
A Operação Toque de Midaz é uma ação da Polícia Civil e do Ministério Público do DF, iniciada em abril, que visa apurar um esquema criminoso com características de cartel, formação de organização criminosa, constrangimento ilegal e lavagem de dinheiro, envolvendo anestesiologistas e dirigentes de uma cooperativa.
A operação se refere ao rei Midas, símbolo da ganância, e ao Midazolam, sedativo amplamente utilizado em anestesias, uma referência direta ao setor envolvido no esquema.
A Coopanest-DF contestou as alegações, afirmando que não houve e não há cartel ou ilegalidade em suas atividades. A cooperativa também reiterou seu compromisso ético com os cooperados ao longo de mais de 40 anos.
Fonte: Metrópoles