A reciclagem no Brasil ainda é limitada, porém, certos elementos podem mudar essa situação
Apenas entre 2,4% e 8,3% do lixo gerado no país é efetivamente reciclado.

Anualmente, o Brasil gera 81 milhões de toneladas de lixo, conforme o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2024, estudo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Essa grande quantidade representa um desafio para o descarte de resíduos no país. A valorização da reciclagem, do sistema de logística reversa e do papel dos catadores são alternativas para equilibrar a sustentabilidade e impulsionar a economia circular.
Em 17 de maio, próximo, é comemorado o Dia Mundial da Reciclagem, data definida pela agência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O Metrôpoles explica os conceitos por trás dos ciclos da economia circular e as dificuldades para expandir a reciclagem no Brasil.
A taxa de reciclagem ainda é baixa.
De todo o lixo gerado no país (81 milhões de toneladas), apenas entre 2,4% e 8,3% é efetivamente reciclado, conforme relatório da Fundação Dom Cabral e do Instituto Atmos. A perda econômica estimada é de aproximadamente R$ 14 bilhões anualmente.
Diante do aumento da produção de resíduos, o Brasil ainda enfrenta desafios na expansão da reciclagem. A maioria dos especialistas consultados para a reportagem aponta como causas principais para esse progresso lento o alto custo do processo, a escassez de investimentos no setor e a ausência de iniciativas que promovam a cultura de descarte correto do lixo.
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A professora e superintendente de Gestão Ambiental da USP, Patrícia Iglecias, acredita que o Brasil “recicla insuficientemente”.
Existem perdas econômicas devido à falta de reciclagem. Embora exista uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, a obrigatoriedade da logística reversa e uma série de fatores previstos, ainda ocorrem falhas.
A própria infraestrutura para coleta seletiva e triagem, por exemplo, só possui em 14% dos locais no Brasil.
Iglecias destaca que os dados sobre os processos de reciclagem são inconsistentes, visto que alguns institutos apontam uma porcentagem próxima de 2% e outros apresentam um valor próximo de 8%.
Economia circular e reciclagem
Cristina Helena Pinto de Mello, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), considera que o principal desafio reside na questão dos custos e dos recursos aplicados à gestão de resíduos.
Mello argumenta que a lógica econômica se concentra unicamente no lucro, ganhos e perdas. “Não se trata de uma lógica de bem-estar, de produção de uma condição social melhor para todos”, avalia.
O alto custo se mostra um obstáculo para um retorno mais expressivo, fazendo com que, se não for o Estado a realizar o investimento, o setor privado não invista por não ver retorno nessa atividade.
Em 2023, as projeções da Abrema apontam que os municípios gastaram aproximadamente R$ 34,7 bilhões em serviços de gerenciamento de resíduos. A média nacional foi de R$ 13,66 por habitante mensalmente.
Os gastos públicos e privados com a gestão de resíduos totalizaram cerca de R$ 37 bilhões nesse período.
A professora da PUC-SP adverte sobre a ausência de compreensão em relação à mudança no descarte de lixo: “Temos uma herança indigena de entender o lixo como parte de um processo de absorção da natureza, que é natural, mas isso teve uma transformação”.
Não se trata apenas do descarte, é preciso considerar o que a natureza não faz sozinha, que necessita de auxílio, sendo a reciclagem desses materiais.
Latas são caso de economia circular.
O Brasil lidera o mundo na reciclagem de latas de alumínio para bebidas, com uma taxa de 99,7% e 397,2 mil toneladas vendidas em 2023, conforme dados recentes.
Este número corresponde a mais de 30 bilhões de latas recicladas no país, conforme levantamento da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas) e da Recicla Latas.
Nos últimos 15 anos, a taxa de reciclagem de latas de alumínio é de 98%. Cátulo Cândido, presidente-executivo da Abralatas, aponta três desafios importantes para o desenvolvimento da reciclagem no setor: a ausência de competitividade na produção, a limitada integração dos elos da economia circular e a necessidade de explorar novas alternativas de consumo das latas.
No Brasil, há pouca discussão sobre logística reversa e economia circular, apesar da relevância desses temas. A economia circular não é mais uma opção, mas sim uma necessidade. É preciso buscar cada vez mais a circularidade em todos os produtos que consumimos.
Em 2025, o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30. O evento será realizado em Belém, capital do Pará, em novembro.
Para Cândido, os debates da COP30 não devem se limitar ao desmatamento e às mudanças climáticas. Ele defende que haja uma discussão sobre a economia circular no cotidiano do consumo das famílias.
O presidente-executivo da Abralatas declara que o setor tem buscado descarbonizar todas as fases de produção, desde a obtenção da matéria-prima até a fabricação dos produtos. “É um investimento muito grande”, conclui.
A reciclagem pode criar novas oportunidades de trabalho.
A indústria de gestão de resíduos brasileira pode gerar entre 197 mil e 244 mil empregos, apesar da deficiência do processo de reciclagem no país, conforme estudo da Dom Cabral e do Atmos.
Um aumento de 1% na taxa de reciclagem pode resultar em aproximadamente 9.315 empregos diretos. Se a reciclagem progredir 10 pontos percentuais, seriam criados cerca de 93 mil novos postos de trabalho, conforme projeção do estudo.
Segundo o Anuário da Reciclagem, da Recicla Latas, existem 3.028 organizações de catadores, com 70.068 profissionais registrados no país. Desses, 54,2% são mulheres.
A estimativa da Abrema indica que, em 2023, mais de dois terços dos resíduos destinados à reciclagem no Brasil foram recolhidos por catadores autônomos, enquanto aproximadamente um terço foi coletado por serviços públicos.
Isso evidencia a amplitude da participação do trabalho informal no cenário da reciclagem no Brasil e a relevância de incorporar esses trabalhadores nas discussões sobre o tema, aponta a associação.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que os catadores são responsáveis por quase 90% da coleta de material reciclado no país, evidenciando a alta dependência da categoria, que trabalha em condições precárias e insalubres.
A professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e superintendente de Gestão Ambiental da USP, Patrícia Iglecias, ressalta que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece que o gestor público deve dar prioridade às cooperativas ou associações de catadores de lixo, contudo, ela aponta que “não vem acontecendo”.
Se não houver priorização para avançar e formalizar as cooperativas, as pessoas continuarão atuando em um nível muito baixo da cadeia e não conseguirão se profissionalizar e ter uma condição econômica melhor.
A professora da USP propõe que o governo federal, estadual e municipal considerem medidas para aumentar a participação da população na reciclagem, como campanhas de conscientização, benefícios financeiros, descontos e programas de incentivo.
“É necessário abordar a questão tributária, como será a tributação ou se é possível isentar produtos provenientes de materiais reciclados, por exemplo, devido à sua redução do impacto em relação à extração de novos recursos”, afirma Iglecias.
Adicionalmente, a professora menciona o processo de design dos produtos. Trata-se de um trabalho para desenvolver embalagens mais eficientes, compactas e com diversas opções de formatos. “Um aspecto que frequentemente é negligenciado”, complementa.
Fonte: Metrópoles