Apesar da proibição, 29% declaram praticar palmadas e beliscões em crianças
Estudo revela ainda falta de conhecimento sobre a primeira infância.

Apesar de punições corporais como tapas e beliscões serem ilegais, 29% dos pais ou responsáveis por crianças menores de seis anos relatam que utilizam essas práticas como forma de disciplina. Dezoito por cento confessam que o fazem consistentemente.
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O estudo Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida, lançado nesta segunda-feira (1º) pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, apresenta os resultados.
A pesquisa indica que 17% dos cuidadores percebem tais ações como uma estratégia eficaz para a disciplina. Especificamente, 12% ainda utilizam essa abordagem, mesmo reconhecendo sua ineficácia como método de educação.
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O estudo foi conduzido em colaboração com o Instituto Datafolha e coletou dados de 2.206 indivíduos em território nacional, incluindo 822 cuidadores de crianças até seis anos. O lançamento ocorre durante o Agosto Verde, um período de conscientização sobre a relevância da primeira infância.
A lei proíbe
No Brasil, há mais de dez anos a Lei Menino Bernardo, igualmente chamada de Lei da Palmada (Lei 13.010/2014), impede tais castigos físicos direcionados a crianças e adolescentes, sendo os responsáveis pelas agressões sujeitos a advertências e encaminhamento para cursos e programas de orientação.
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A lei recebeu esse nome para homenagear a morte de Bernardo Boldrini, de 11 anos, que foi vítima de agressões e assassinado pela madrasta e pelo pai, em Três Passos (RS), em abril de 2014.
A diretora executiva da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, lamenta o índice apontado pelo levantamento e acredita que existe a repetição de um modelo cultural que não atua como disciplinador.
Somos o país em que se diz “quem pariu Mateus que embale”, somos o país que considera a criança inferior, conclui, sobre os castigos físicos.
Consequências
A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, uma organização da sociedade civil, ressalta que nenhuma forma de violência contra crianças é inofensiva, citando efeitos negativos, como desenvolvimento de agressividade, ansiedade, depressão, além de marcas físicas. A pesquisa também identificou que 14% dos cuidadores relatam gritar e brigar com crianças.
Apesar das respostas relacionadas a comportamentos punitivos, as estratégias disciplinares mais frequentemente mencionadas foram: diálogo e explicação do erro (96% dos entrevistados) e o acolhimento da criança, com tranquilização e remoção do local/situação (93%).
Na maioria (40%) dos indivíduos que reconhecem atitudes agressivas em relação a crianças, a crença predominante é que uma consequência seria “maior respeito pela autoridade e ensinar a criança a obedecer”.
Trinta e três por cento dos que sofrem com agressões contra crianças identificam que um dos efeitos é o comportamento agressivo; e vinte e um por cento admite que a criança desenvolve baixa autoestima e falta de confiança.
A violência, a agressão, as violações de direitos, os abusos, as negligências são detratores diretos do desenvolvimento, enfatiza Mariana Luz.
Ela também constata que ainda há na sociedade a percepção de que as pessoas acreditam que não devem intervir na educação dos filhos dos outros.
“Um cachorro você não age em praça pública, porque alguém vai pegar o telefone e vai denunciar. Uma criança não, uma criança recebe um tapa, um berro, um beliscão dentro de um equipamento público e ninguém fala nada.”
Primeira infância
Para Mariana Luz, outro dado relevante da pesquisa é que 84% dos indivíduos pesquisados desconhecem que a primeira infância é a fase mais crucial do desenvolvimento pessoal. Adicionalmente, apenas 2% souberam identificar precisamente o período em que ocorre a primeira infância.
A definição de primeira infância como a fase que vai até os 6 anos segue a legislação brasileira. Apesar desse intervalo também ser adotado em outros países, podem existir variações.
Luz aponta que todos os estágios do desenvolvimento físico, motor, cognitivo e socioemocional ocorrem nos primeiros seis anos de vida.
O cérebro de crianças nessa idade efetua 1 milhão de sinapses (comunicação entre neurônios, células do sistema nervoso) por segundo e 90% das conexões cerebrais são estabelecidas.
O estudo após estudo, reiteradamente, demonstra que são nos primeiros seis anos de vida que se estabelecem as bases físico, cognitivo e emocional, conforme afirma a diretora.
A pesquisa, mesmo com evidências científicas, revelou que 41% dos entrevistados consideram a vida adulta a fase de maior desenvolvimento humano. Para 25% dos participantes, o período de desenvolvimento mais significativo ocorre entre os 12 e 17 anos.
Mariana considera necessário um trabalho de conscientização para que a população reconheça e atribua importância a este período crucial do desenvolvimento humano.
A terceira idade atualmente está bastante estabelecida, porém houve um tempo em que essa percepção também não era tão evidente.
Mariana Luz menciona pesquisas de James Heckman, economista americano que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2000, acerca do investimento na primeira infância.
Ele afirma que, para cada dólar investido, há um retorno de sete. A primeira infância promove melhorias em diversas camadas socioeconômicas, incluindo educação, saúde, segurança pública e a geração de empregos com renda.
Permitir que as crianças se divirtam sem restrições.
A pesquisa buscou identificar quais práticas os entrevistados consideravam mais relevantes para o desenvolvimento infantil. A mais mencionada (96%) foi o ensino do respeito aos mais velhos, “superando outras ações que a ciência comprova como essenciais para o desenvolvimento infantil”, como conversar com a criança (88%), frequentar creche, pré-escola (81%) e permitir que ela brincasse (63%).
A diretora executiva da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal considera que o destaque dado ao respeito aos mais velhos nas respostas indica uma baixa valorização da educação infantil e do brincar.
A brincadeira é o elemento central que a Base Nacional Comum Curricular propõe como via de aprendizado na primeira infância. Não se pode sentar uma criança pequena em uma cadeira e escrever no quadro negro, é preciso do processo lúdico.
Tempo de exposição à tela.
Uma pesquisa do Datafolha revelou que crianças em idade pré-escolar dedicam, em média, duas horas à visualização de televisão, celular, tablet ou computador. Em 40% dos casos, essa duração oscila entre duas e três horas.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere que crianças até 2 anos não devem ter contato com telas. Entre 2 e 5 anos, o tempo máximo diário é de uma hora, sempre sob a supervisão de um adulto, “para que a interação ocorra”, afirma Luz.
Mariana acredita que frequentemente a necessidade surge, “a pessoa não tem com quem contar”. Ela propõe que uma maneira de diminuir o tempo de exposição às telas é incluir a criança na rotina doméstica. “Participar de atividades como lavar a louça ou colocar a roupa no varal” ilustra isso.
A diretora ressalta, ainda, que a oferta de creches é responsabilidade do Estado, fato que deve ser cobrado pela sociedade.
A responsabilidade dessa criança, pela Constituição, é minha, sua, é da família, é do Estado.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Poder Judiciário no Brasil, determinou que é responsabilidade do Estado assegurar a oferta de vagas em creches e na pré-escola para crianças de até 5 anos de idade.
Fonte por: Brasil de Fato