Bebês reborn: explore o que são e as razões por trás do seu fascínio
Nos últimos tempos, mulheres que produzem conteúdos com bonecos hiper-realistas têm recebido críticas; veja o que motiva o fenômeno.

Em 2020, a adolescente Y.B., de Janaúba, no interior de Minas Gerais, se apaixonou pelas bonecas reborn, que são feitas à mão para se assemelharem a bebês reais, caracterizadas por seus detalhes hiper-realistas, como pele macia, cabelos colocados fio a fio e olhos de vidro.
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Em abril, publicou um vídeo em seu perfil no TikTok mostrando Bento, seu bebê reborn, no hospital após notar que ele não se sentia bem. O conteúdo viralizou e alcançou mais de 8 milhões de visualizações até o momento.
No conteúdo viral, Y.B. relata ter levado Bento ao hospital rapidamente ao constatar que ele se sentia mal. Ao chegar ao local, ela informa que a médica o examinou, mediu sua temperatura e administrou medicamentos. Em certo momento, ela menciona que “tirou o leite” para oferecer a ele no hospital.
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O vídeo obteve comentários de indivíduos que acompanham Y.B. por apreciação de seu conteúdo, além de pessoas que não simpatizam com as bonecas hiper-realistas: “Isso é normal?”, “Vai se tratar, louca” e “caso de psiquiatra” são alguns dos comentários na publicação.
Contrariamente ao que muitos usuários que assistiram ao vídeo e rotularam Y.B. de louca acreditam, ela não levou, de fato, seu bebê reborn ao hospital, e também não acreditava que ele apresentava algum problema de saúde. Tudo não passava de ficção. A jovem chegou inclusive a utilizar inteligência artificial (IA) para fazer o seu boneco, que foi produzido com os olhinhos fechados, abrir o olho e piscar.
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“Isso é completamente irreal”, afirma Y.B. em entrevista à CNN.
Eu produzo vídeos fictícios que parecem reais. O vídeo do hospital teve grande repercussão, pois todos acreditaram que eu havia entrado no hospital para cuidar de um bebê. No entanto, eu sei que se trata de um boneco de plástico e não tem relação com a maternidade. Contudo, o problema é que as pessoas estão acreditando que o que veem na internet é real.
Na sua conta do TikTok, com mais de 120 mil seguidores, a jovem deixa evidente desde o início que seu conteúdo é infantil e totalmente fictício. O vídeo que mostra Bento no hospital foi gravado, segundo ela, em um dia de visita a uma amiga que havia acabado de dar à luz e que estava internada na maternidade. Y.B. criou, nessa ocasião, o que chamam de “role play”, que em tradução para o português significa “interpretação de papéis”, como em uma peça de teatro.
Y.B. relata que leva seus bebês reborn para todos os lugares, sempre aproveitando para gravar vídeos. “Eu fui ao hospital visitar um bebezinho que tinha nascido da amiga da minha mãe. Então, eu aproveitei para levar o Bento”, conta.
Apesar da repercussão negativa, Y.B. considera o viralização como algo positivo: obteve mais seguidores em seu perfil, com muitos admiradores da arte reborn, crianças e adultos; estabeleceu parcerias com artistas que produzem bonecos reborn e está monetizando seus conteúdos. “Eu não ignoro os comentários [negativos], mas eles não me fazem mal porque eu sei que tudo ali é mentira”.
Contudo, o universo reborn não se restringe apenas à criação de conteúdo e aos “role plays”, como no Y.B. Na comunidade, composta por artistas que produzem os bonecos e pelas colecionadoras, tudo é considerado uma arte. Ressalva-se que todo o empenho e a delicadeza que criar uma boneca demanda são reconhecidos como um processo artístico.
Adicionalmente, diversas colecionadoras apreciam a arte reborn e veem a brincadeira com bonecas como um passatempo ou um exercício terapêutico.
Afirma conhecer diversas colecionadoras, visto que está na arte desde 2020. Ninguém acredita que são itens de verdade, nem os trata como se fossem seus próprios filhos.
A psicóloga clínica Larissa Fonseca ressalta que atividades lúdicas, como brincar com bonecas, estimulam regiões do cérebro ligadas à criatividade, ao relaxamento e ao prazer. “A vida adulta pode incluir momentos de brincadeira, contanto que não se torne uma evasão da realidade”, declara a CNN.
Bebês reborn: o que é arte reborn e por que tem chamado tanta atenção recentemente?
Apesar de ter ganhado destaque nas últimas semanas, a arte e o universo reborn não são uma novidade. Algumas colecionadoras, como a influenciadora Nane Reborns, adquirem bonecas hiper-realistas há mais de 20 anos.
Contudo, o assunto tem ganhado força e popularidade na internet nos últimos meses após algumas influenciadoras viralizarem com conteúdos feitos com suas coleções de bonecas reborn. Nane, por exemplo, possui mais de 36 mil seguidores no Instagram e mais de 240 mil no TikTok.
Celebridades também se interessaram pelo hobby: o padre Fábio de Melo adotou recentemente um bebê reborn com síndrome de Down. Nicole Bahls também adotou duas bonecas, batizadas de Maria Maria e Rainha Matos. Na cinematografia, o tema também ganhou destaque recentemente: no filme “Uma Família Feliz”, estrelado por Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini, a personagem principal Eva trabalha fazendo bebês reborn para vender. O filme é baseado no livro de mesmo nome, escrito por Raphael Montes, responsável por títulos como “Bom Dia, Verônica” e a novela “Beleza Fatal”.
Como os bonecos bebê reborn são feitos?
Os artistas que confeccionam os bonecos reborn são denominados “cegonhas”, em referência àquelas que dão à luz aos bebês hiper-realistas. Algumas trabalham sob encomenda, atendendo pedidos de crianças e também de adultos, como Sara Gomes, 55.
A paixão por bonecas me acompanha desde a infância. Meus pais possuíam uma fábrica de bonecas de porcelana, venho de uma família criativa, o que despertou meu interesse em criar minhas próprias bonecas, conforme relato da CNN. Foi em 2002, durante o trabalho na área de Recursos Humanos, que Sara conheceu a arte reborn e decidiu cursar a técnica. Desde então, ela produz bonecos.
Para criar um bebê reborn, são necessárias algumas etapas: a primeira, é o kit, que pode ser de vinil ou silicone, com as áreas separadas do boneco: pernas, braços, cabeça, corpo, entre outras. “Eu começo com a preparação, que inclui limpeza, neutralização e, de acordo com o pedido do cliente, a definição do sexo, tom de pele e se será um bebê recém-nascido ou maior”, explica Sara.
A artista inicia o trabalho nas camadas da pele do bebê. Para aumentar o realismo, emprega esponjas e utiliza técnicas de sombreamento, texturas com tintas variadas e pinturas detalhadas, como manchas, veias, sulcos e unhas, seguindo o pedido do cliente.
“É um trabalho artesanal minucioso, muito detalhado e que, por todos esses anos, vejo o reflexo de quanto ajuda as pessoas”, afirma Sara.
Já fui ameaçado de morte.
Mylla, com 21 anos, também é colecionadora de bonecas reborn e cria conteúdos infantis e fictícios para as redes sociais. Em seu perfil no TikTok, que conta com mais de 173 mil seguidores, a jovem de Imperatriz, no Maranhão, publica vídeos no estilo “role play” da rotina com sua boneca Eloá.
Seu conteúdo também gera comentários negativos, mas Mylla nega que colecionadoras de bonecas reborn acreditem que seus bonecos são bebês reais.
Começamos a produzir esse tipo de conteúdo porque observamos que ele gerava engajamento, já que as pessoas tendem a acreditar em tudo o que encontram na internet.
O conteúdo produzido por Mylla é direcionado, sobretudo, para crianças e para colecionadoras de bonecos reborn. No entanto, desde que o tema ganhou destaque na internet, tem recebido comentários e críticas negativas de indivíduos que não compreendem que tudo não passa de ficção.
Preocupava-se bastante com os comentários e sentia-se triste, devido à grande maldade. Já recebeu ameaças de morte, relata. Para ela, tudo isso é preconceito por uma mulher adulta ter uma boneca. Normalmente, as pessoas acham normal crianças terem bonecas, mas quando veem uma adulta com uma boneca, é estranho, é de aí que vem o preconceito.
A brincadeira na vida adulta é realmente um problema?
Homens também experimentam momentos de lazer com atividades recreativas e muitos são colecionadores de carros, quadrinhos e bonecos de ação. O que, então, causa tanta surpresa com o universo reborn?
Para a psicanalista Fabiana Guntovitch, a sociedade não aprecia o ato de brincar na vida adulta, principalmente quando este é direcionado ao feminino. “Homens jogarem videogame, frequentemente, é considerado normal. No entanto, para o feminino, existe uma resistência”, afirma a CNN. “Brincar na vida adulta é saudável e terapêutico, como colorir, desenhar, montar quebra-cabeças, jogar videogame e, inclusive, brincar com bonecas”, completa.
Ademais, a especialista considera que pode haver uma questão relacionada aos papéis de gênero estabelecidos socialmente. “O lugar esperado da mulher na sociedade é servir ao outro. Assim, ao dedicar seu tempo a algo que não é para ela – como brincar de boneca –, a mulher causa estranhamento”, declara.
A mulher não possui esse espaço social. Acredita-se que suas 24 horas devem ser dedicadas a servir à família, ao trabalho, aos filhos, aos vizinhos, aos pais e aos demais.
É, por isso, inclusive, que é difícil ver homens brincando com bebê reborns, apesar de também existirem alguns colecionadores – como é o caso do padre Fábio de Melo. “Um menino brincar de boneco não é aceito nem na infância, quem dirá na vida adulta”, observa Guntovitch. “Estamos falando de estereótipos e de machismo estrutural.”
Para Fonseca, mesmo não se tratando de uma novidade, esse espanto também pode ser explicado por estar relacionado a um papel emocional, afetivo e, muitas vezes, desafiador da vida real: a maternidade.
A psicóloga aponta que o incômodo da sociedade diante dessa relação mãe-boneca está relacionado a uma posição de estranhamento social proveniente de alguém que vivencia o afeto com um bebê real, como em um ambiente hospitalar, ao observar outra pessoa imitando esse afeto com algo não vivo.
Pode configurar-se como questão problemática?
Para avaliar se existe algum impacto na saúde mental — como muitos usuários apontam em comentários negativos em conteúdos “role play” com bebês reborn — é necessário compreender, primeiramente, se há prejuízos na rotina do adulto.
“Qualquer diagnóstico que observamos a partir do comprometimento da rotina da pessoa: ela está deixando de trabalhar? Ela está vivendo em função daquele objeto? Ela está sofrendo excessivamente com esse sintoma? Qual é o comprometimento na vida dela?”, explica Fonseca.
Para determinar se se trata de um transtorno mental ou de uma questão entre fantasia e a realidade, é necessário observar se há isolamento, se existe sofrimento intenso sem objeto, se há prejuízo nas relações sociais, familiares e profissionais, e se o uso do objeto se restringe ao preenchimento emocional.
Guntovitch acrescenta, ainda, que é importante analisar todo o contexto e a dinâmica que a mulher possui com o bebê reborn. “Uma coisa é a pessoa levar o bebê aos lugares que frequenta porque as pessoas possuem curiosidade e querem conhecê-lo. Outra coisa é levá-lo aos compromissos porque, supostamente, ele não pode ficar sozinho”.
É necessário analisar a subjetividade do próprio ato, o porquê e como a pessoa está vivenciando o hobby e os significados que ele lhe proporciona. Esses fatores indicarão se ela está bem ou não.
Bebê reborn é o reencontro com as brincadeiras da infância.
Para Y.B., o reborn, além de um hobby e objeto de sua produção de conteúdo, é uma paixão artística. “Eu defino a arte reborn como um hobby totalmente artístico. É algo tão fofo, tão genuíno. É a imitação de um bebê real. Então, por que tanto comentário ruim?”, questiona.
Myla concorda e reforça: “Não é real, é encenação, é tudo fictício”. “Antigamente era apenas um hobby”, conta, “mas assim que eu comecei a gravar, se tornou minha renda extra”.
Além da renda adicional que pode gerar para aqueles que criam conteúdo sobre o universo reborn, as integrantes da comunidade também reconhecem o impacto positivo que isso pode ter no bem-estar mental das pessoas, incluindo como um momento de diversão.
“Tenho clientes que sofriam de depressão e, após adquirirem um bebê, relatam a alegria de brincar com bonecas na vida adulta”, explica Sara. “E não é mais que isso: muitas pessoas têm hobbies, e o bebê reborn é esse resgate a brincadeiras de infância, que fazem bem para muita gente”, completa.
Fonseca acredita que as atividades lúdicas podem ser utilizadas como instrumento terapêutico, contudo, com precaução.
O boneco reencarnado pode atuar como um elemento de transição, representando algo que foi perdido. O cuidado com o brinquedo, em certos casos, pode incentivar o retorno à rotina e ao afeto, sendo essencial que seja temporário e acompanhado por um profissional, para que não se torne um substituto dessa realidade.
Guntovitch concorda: “A arte renascida pode ser terapêutica no sentido de ser uma oportunidade de elaboração de dores e questões internas dessa pessoa. Ela está usando um símbolo para se relacionar, não com a boneca, mas consigo mesma”, afirma. “É um veículo para que a pessoa lide com as próprias questões que, de outra forma, não estava conseguindo acessar”, finaliza.
Gracyanne Barbosa faz declaração de amor para boneca bebê reborn e ganha fãs inesperadamente.
Fonte: CNN Brasil