Brasil soberano, mundo multipolar
É necessário reiterar a proteção dos interesses nacionais e trabalhar para solucionar os desafios atuais, sem renunciar à construção do futuro que almej…

Dezessete dias após o anúncio, as penalidades econômicas impostas aos Estados Unidos por Donald Trump continuam gerando consequências políticas, jurídicas e econômicas que dominam o debate público no país.
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O governo Lula respondeu com firmeza em defesa da soberania, rejeitando interferências externas, manifestando abertura para negociar de maneira prática e, caso não fosse possível, adotando a reciprocidade. A postura foi bem recebida pela sociedade e pela maioria do Congresso Nacional, otimizando as condições para que o Executivo reconstrua uma pauta em conjunto com o Legislativo.
Estudos de opinião evidenciaram o descontentamento da população em relação ao ataque de Trump e de Jair e Eduardo Bolsonaro, agentes políticos brasileiros que conspiraram e agiram em conluio com autoridades estrangeiras, prejudicando os interesses do Brasil em busca de benefícios pessoais.
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Diante do aumento da pressão e da exposição de suas ações ilícitas, não restou ao Supremo Tribunal Federal outra opção que não aplicar medidas cautelares contra Jair Bolsonaro, incluindo restrições de contato e o uso de monitoramento eletrônico, considerando a justificativa para a apreensão de documentos. Paralelamente, a discussão persiste em relação ao descumprimento das decisões, o que pode culminar na prisão preventiva do ex-presidente.
Com as arenas política e jurídica em ebulição, no campo da economia persiste a incerteza, a uma semana de entrar em vigor as tarifas. Considera-se: sendo uma medida de punição política ao País pelo processo contra Jair Bolsonaro, a tarifação ganha ares de agressão à soberania nacional e chantagem contra as instituições brasileiras, o que dificulta (ou mesmo impede) que negociações comerciais venham a produzir uma solução pactuada em prazo tão exíguo.
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O governo Lula tem atuado em duas frentes: a diplomática, liderada pelo sóbrio e experiente vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, acompanhado por representantes do Congresso Nacional, em comissão debatida e aprovada em conjunto com os presidentes Hugo Motta e Davi Alcolumbre; e a comercial, que estimula as forças empresariais nacionais a buscarem suas contrapartes nos EUA para pressionarem as autoridades econômicas norte-americanas.
Será que tais esforços se mostram infrutíferos para conseguir um acordo que suspenda ou reduza as tarifas? Isso é possível, ainda mais considerando as características do indivíduo e o complexo de conflitos e pressões envolvidos.
Os atos de Trump em oposição ao Brasil visam, em grande medida, a defesa de Bolsonaro, o que ressoa com a ala mais conservadora da extrema-direita. Além disso, influenciar a eleição brasileira de 2026 faz parte da estratégia dos Estados Unidos na tentativa de retomar o controle da América Latina. Nesse contexto, torna-se mais evidente o objetivo estratégico de dificultar a articulação dos BRICS e, por conseguinte, criar barreiras ao progresso da China.
As grandes empresas de tecnologia, que mantêm ligação estreita com o projeto de poder de Trump, viram seus interesses combatidos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento sobre o Art. 19 do Marco Civil da Internet. Ao definir novas regras para o funcionamento das plataformas digitais no Brasil, o ecossistema de poder econômico e político mais influente do mundo se vê desafiado e busca responder.
A investigação comercial conduzida pelo governo norte-americano sobre o Pix foi solicitada pelas empresas de tecnologia que buscam o mercado de operações e pagamentos da nossa economia, notadamente a Meta, cuja expectativa de dominar esse setor pelo WhatsApp não se concretizou.
A situação revela interesses políticos e econômicos imediatos, juntamente com pressões geopolíticas voltadas para o futuro.
A implementação das sanções a partir de 1º de agosto acarretará em custos econômicos significativos, tanto na indústria quanto na agropecuária. Os setores mais impactados são diversos, abrangendo exportações de alto valor agregado, como aeronaves e componentes (61,7% das exportações destinam-se aos EUA), ou de extrativismo, como pescados e crustáceos (60,8%) e madeira (43,3%).
De acordo com o Cepea/ESALQ, os setores do agronegócio nacional mais vulneráveis a tarifas são os de suco de laranja, café, pecuária de corte e frutas secas. Contudo, essa situação pode representar um ponto fraco para a economia dos Estados Unidos, visto que as taxas tendem a ameaçar setores econômicos, elevar o preço de produtos essenciais e provocar pressão inflacionária.
Os Estados Unidos importam 90% do suco de laranja que consomem, sendo que 80% desse total é proveniente do Brasil; no caso do café, que não produzem e são o maior consumidor do mundo, 25% é de produção nossa. O impacto interno é notório e gera custos, inclusive com duas importadoras de suco de laranja americanas já entrando na Justiça contra a tarifação. Além disso, há efeitos políticos no aumento de preços de produtos de consumo diário devido a uma ação do governo.
Em âmbito doméstico, Lula obtém a oportunidade de recuperar espaço em setores da economia que são refratários ao governo e até mesmo que orbitam o bolsonarismo, seja porque o clã Bolsonaro demonstrou que só tem compromisso com a própria sobrevivência, ou porque a União pode e deve lançar mão de instrumentos para proteger os mais afetados. Ao fazê-lo, devemos construir uma frente ampla de caráter democrático, de defesa da soberania e da economia nacional, isolando a extrema-direita lesa-pátria.
Essa aliança pode desempenhar um papel central para lidar com as instabilidades que tendem a se intensificar com o julgamento da trama golpista e a ofensiva de Trump. Também é necessário intensificar a mobilização popular, resgatando a bandeira da defesa nacional e desmascarando o falso patriotismo dos bolsonaristas.
Em relação aos problemas econômicos decorrentes da tarifação, o Congresso Nacional já declarou e demonstrou que atenderá com a aprovação de propostas que auxiliem a indústria e o agronegócio afetados, assim como durante a pandemia patrocinou políticas como o Pronampe e a desoneração da folha de pagamentos para setores que empregam extensivamente – inclusive, nesta última ocasião, tive a responsabilidade de ser relator da matéria.
Diante do cenário atual, o governo federal deve realizar uma análise detalhada de cada setor afetado, atender às demandas do mercado interno e disponibilizar linhas de crédito com juros reduzidos para que as empresas possam compensar as perdas e ajustar seus planos.
Lula deverá, novamente, desempenhar o papel de promover o Brasil e suas empresas internacionalmente, buscando novos mercados para exportações e ampliando as parcerias comerciais.
A situação demonstra cada vez mais que nossos objetivos estratégicos se conectam com o Sul Global, sobretudo com a China. O aumento da violência do imperialismo em face do declínio da hegemonia dos Estados Unidos reforça a necessidade de um mundo multipolar para assegurar a paz e o desenvolvimento, o que eleva a importância de ações de países e blocos que seguem essa orientação.
É imprescindível defender os interesses nacionais, o que é inegociável, e trabalhar para solucionar os desafios contemporâneos, sem renunciar à projeção do futuro em que almejamos, com o Brasil soberano e um mundo multipolar.
Fonte por: Carta Capital