Mario Sabino

Calundrar sobre túmulos na igreja onde Francisco foi sepultado

A Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, é a igreja onde meu avô materno foi batizado.

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Resido no Esquilino, próximo a San Lorenzo, bairro operário histórico, local de origem da minha família romana. Estive em San Lorenzo há dois meses para realizar estudos literários. Meu avô nasceu e viveu em uma viela próxima a um trecho da Muralha Aureliana que resistiu ao tempo.

A praça de Santa Maria Maggiore, que recebeu esse nome por ser a primeira e maior igreja de Roma dedicada a Maria, dá origem à Via Merulana, presente no romance Quer Pasticciaccio brutto de Via Merulana de Carlo Emilio Gadda, um romance policial escrito em dialeto romanesco, bastante divertido.

Com vista para a fachada da Igreja, existe uma excelente padaria (e garçonetes muito bonitas e simpáticas). Recomendo o cheesecake com geleia de damasco. O proprietário deve estar muito feliz com a escolha de Francisco de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maggiore. Seu faturamento aumentará significativamente com o novo ponto de peregrinação.

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Turista ocasional é um indivíduo apressado, e a maioria deles não tem a menor noção de onde se encontra, e Santa Maria Maggiore agora será a igreja onde se forma fila para ver a sepultura do chamado papa dos pobres e sã³.

Não é. Ontem, eu pretendia compartilhar algumas narrativas no canal deste site no YouTube, mas fui interrompido abruptamente. Planejava, por exemplo, relatar que a Basílica de Santa Maria Maggiore foi construída no local onde a tradição afirma que houve uma nevasca milagrosa durante o verão, há cerca de 1.700 anos. Roma celebra a data com uma chuva de pétalas de rosa e neve artificial. É algo um tanto exagerado, como toda festa católica moderna.

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Existem outros sete papas enterrados ali, mas o que ninguém lhe disse, imagino, é que um dos vizinhos de Francisco é Clemente VIII, que condenou Giordano Bruno à morte na fogueira. Outro é Pio V, um santo do pau oco que tinha gosto especial em perseguir judeus e trancá-los em guetos. Provavelmente, ele também diria que Israel é genocida.

Francesco tem como companhia, nesta ocasião, o príncipe Junio Valerio Borghese, de uma das famílias romanas mais influentes. Ex-membro da República de Saló, ele esteve envolvido em uma tentativa de golpe em 1970 e se exilou na Espanha franquista. Faleceu quatro anos depois, e, antes de seu sepultamento em Santa Maria Maggiore, seu corpo foi removido por fascistas em um cortejo humilhante.

A obra de Gian Lorenzo Bernini, mais reservada do que a de Francisco, é a criação do imponente baldaquino da Basílica de São Pedro, entre outras realizações que se elevam sobre o túmulo do primeiro papa e sob o qual os seus sucessores celebram missas.

Bernini está sepultado ao pé do altar de Santa Maria Maggiore, sob uma lápide na qual se encontra escrito em latim: “Gian Lorenzo Bernini, glória das artes e da cidade, aqui humildemente repousa”. Tenha cuidado para não pisar na sepultura de Francesco.

Devido a um capricho, Bernini infligiu uma cicatriz à amante, Costanza Bonarelli, mas foi perdoado pelo papa Urbano VIII. A jovem, por sua vez, foi trancada em um mosteiro, acusada de adultério. Assim como seu algoz, a pobre moça foi sepultada em Santa Maria Maggiore, mas ninguém sabe onde. Na realidade, se perguntar lá, ninguém sabe quem foi Costanza Bonarelli.

Não sei se informaram, mas foi nessa igreja que Santo Inácio de Loyola, criador da ordem jesuíta, a qual pertencia Francisco, celebrou sua primeira missa na cidade. Também não sei se mencionaram que o ícone da Madonna, venerado pelo papa argentino Maria Salus Populi Romani, teria sido pintado por São Lucas, um dos quatro evangelistas.

Não sei se divulgaram, ainda, que o primeiro ouro vindo da América foi doado pelos reis da Espanha para cobrir o teto de Santa Maria Maggiore. Talvez tenham mencionado, talvez tenham relatado, talvez tenham comunicado, talvez eu tenha omitido essa informação.

Fonte: Metrópoles

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