Compreenda o procedimento para a possível extradição de Zambelli; decisão final é política
Deputada será ouvida nesta sexta-feira (1º) e poderá ser submetida a um processo com duração máxima de dois anos.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), detida em Roma na terça-feira (29), será ouvida nesta sexta-feira (1º) pela Justiça italiana. A reunião é o primeiro passo formal após sua prisão e servirá para que ela declare se deseja retornar voluntariamente ao Brasil ou se prefere seguir o processo de extradição.
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A defesa indica que Zambelli será representada por um advogado da região. O defensor Fábio Pagnozzi declarou à imprensa que ela não tem acesso à sua medicação de uso contínuo e que sofre de comorbidades, o que pode piorar seu estado de saúde. Este será o principal argumento apresentado à Justiça italiana para tentar a soltura ou a adoção de medidas cautelares, como prisão domiciliar.
Se optar por enfrentar o processo de extradição, Zambelli permanecerá sob custódia da Justiça italiana. O juiz poderá decidir se ela continua presa preventivamente ou se aguardará o andamento do processo em liberdade. O procedimento judicial, segundo estimativas da defesa e de especialistas, pode levar de um ano e meio a dois anos.
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A deputada, símbolo do bolsonarismo desde 2018, foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão por falsidade ideológica e invasão de sistemas eletrônicos do Judiciário. A acusação envolvia a contratação do hacker Walter Delgatti Neto para fraudar documentos oficiais, inclusive com a criação de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. Após o trânsito em julgado da sentença, Zambelli fugiu do país e teve seu nome incluído na lista vermelha da Interpol.
Na quinta-feira (31), Moraes ordenou que a Advocacia-Geral da União (AGU) atuasse formalmente no caso e acompanhasse todos os trâmites da extradição. O ministro também assegurou ao governo italiano que Zambelli não será submetida a maus-tratos, tortura ou condições degradantes no sistema prisional brasileiro.
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As garantias são necessárias devido a tratados internacionais de extradição, como o celebrado entre Brasil e Itália (Decreto 863/1993), que contêm cláusulas específicas para a proteção dos direitos humanos.
Qual é o funcionamento do processo de extradição?
Após a audiência desta sexta-feira, caberá ao Ministério da Justiça da Itália decidir se aceita ou não dar prosseguimento ao pedido formal de extradição apresentado pelo Brasil. Caso a pasta autorize, o caso será analisado pela Corte de Apelação de Roma. Essa corte pode ser acionada por ambas as partes, o que pode prolongar o processo por meses ou até anos.
A advogada Tânia Mandarino, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia e defensora de Henrique Pizzolato, recorda, em entrevista ao Brasil de Fato, que o processo é lento e contempla diversas instâncias. “Se for para a Corte de Apelação, não teremos uma decisão do governo Lula”, afirma. Segundo ela, o caso de Pizzolato demandou 20 meses para ser concluído.
Mesmo que a Justiça italiana conceda a extradição, a decisão final caberá ao Executivo. “A decisão final cabe ao governo italiano, através do seu Ministério da Justiça, não ao Judiciário”, afirma Mandarino.
Zambelli detém cidadania italiana, o que sua defesa poderá utilizar para tentar evitar a extradição. Apesar da Constituição italiana permitir a entrega de nacionais, o país geralmente aplica o princípio da reciprocidade: o Brasil, por lei, não extradição seus cidadãos nascidos no país.
“Acredito e aposto nisso: o primeiro argumento será a cidadania italiana e a reciprocidade”, afirma a advogada. Além disso, ela destaca que outros fatores podem pesar, como alegações sobre o sistema prisional brasileiro. “No caso do Pizzolato, a extradição foi inicialmente negada com base nesse argumento: de que as prisões no Brasil oferecem risco à integridade física”.
Outro entrave reside na tipicidade do crime. Considerando que os delitos digitais pelos quais Zambelli foi condenada não possuem correspondência clara no código penal italiano, o Judiciário local pode classificá-los como falsidade ideológica – crime com pena mais branda –, o que diminuiria o argumento para uma extradição.
A expectativa da defesa de Zambelli é que ela seja liberada em breve para responder ao processo em liberdade. “Ela não deve permanecer presa”, concorda Mandarino. Mesmo que isso não ocorra na audiência desta sexta-feira, a advogada acredita que sua soltura é provável nos próximos dias.
Independente da decisão inicial da Justiça italiana, o processo de extradição tende a ser longo e caracterizado por contestações jurídicas e diplomáticas. O governo italiano, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, terá um papel central no resultado – que, conforme os precedentes demonstram, pode transpor governos e fronteiras.
O caso Pizzolato constitui um precedente.
O caso de Zambelli se enquadra em uma série de complicações judiciais entre Brasil e Itália relacionadas a extradições.
Em 2015, Henrique Pizzolato foi extradiado sob forte pressão do governo brasileiro. “O Estado contratou escritório de advocacia na Itália, enviou agentes para diversos países europeus e realizou um lobby dispendioso”, relata Mandarino. Atualmente, o Estado busca cobrar de Pizzolato os custos da operação, que totalizaram mais de R$ 800 mil na época.
A advogada afirma que as assegurações do Estado brasileiro de que Pizzolato não sofreria tratamento desumano foram violadas. Ele apresentou condições degradantes com risco de vida na Papuda, e quando houve a extradição de Raul Schmidt de Portugal, tal precedente foi utilizado para negar a extradição.
“Considerando o descumprimento deste acordo, acredito que é muito difícil e não aposto na extradição da Zambelli”, completou Mandarino.
Ela reforça a preocupação com os possíveis desdobramentos da ordem de Moraes para que a AGU atue no caso. Ela teme que a estratégia utilizada no caso Pizzolato, de contratação de um escritório de advocacia privado na Itália, se repita.
A advogada argumenta que o Tratado de Extradição determina que não é imprescindível a contratação de escritório de advocacia na Itália, visto que o Estado italiano oferece todo o suporte jurídico ao Estado que solicita a extradição, sendo que caberia ao Brasil apenas arcar com o custo do retorno de Zambelli ao país.
Espera-se que não haja desvios de recursos públicos, como no caso Pizzolato.
Henrique Pizzolato – ex-sindicalista, posteriormente diretor do Banco do Brasil – foi condenado em decorrência de uma ação relacionada à suposta manipulação do contrato Visanet-BB. Segundo sua defesa, não houve participação de recursos públicos e tampouco ocorrência de desvio de valores.
Casos recentes adicionais.
Já Cesare Battisti, condenado por homicídios nas décadas de 1970, residiu no Brasil por 14 anos. O STF permitiu sua extradição em 2009, porém o presidente Lula recusou o pedido no último dia de seu governo, em 2010. Battisti foi extradição somente em 2019, através da Bolívia, após uma nova fuga.
Outros dois casos demonstram trajetórias diferentes. O ex-jogador Robinho, condenado na Itália por estupro, não foi extradição por ser brasileiro nato, mas cumpre pena no Brasil após a Justiça reconhecer a sentença italiana. Já Salvatore Cacciola, ex-banqueiro condenado por fraude, teve a extradição negada pela Itália e somente foi preso após ser localizado em Mônaco.
Fonte por: Brasil de Fato