Compreenda o relato de Freire Gomes em quatro etapas pedagógicas
General e ex-comandante do Exército confirmou a existência de um esboço de golpe, porém, reduziu a importância do documento e foi pressionado pelo ministro Alexandre de Moraes.

O depoimento de mais de duas horas prestado pelo general Marco Antônio Freire Gomes ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi acompanhado da advertência do ministro Alexandre de Moraes, que destacou inconsistências do ex-comandante do Exército em relação ao depoimento anterior que deu à Polícia Federal.
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O general reduziu à insignificância o teor da mencionada minuta fraudulenta, classificando-a como um “estudo”.
Freire Gomes é considerada testemunha-chave na ação que acusa Jair Bolsonaro (PL) de tentativa de golpe. O ex-presidente, um dos réus no processo, acompanhou o depoimento por videoconferência.
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Compreenda os quatro aspectos cruciais do relato do general Freire Gomes.
O exército não violaria a Constituição.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, citou documentos que teriam sido apresentados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o interrogatório.
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Esses documentos tratam de decretos de estado de sítio e viabilizariam a Garantia de Lei e da Ordem (GLO), que possibilitaria o uso das Forças Armadas como forças policiais em situações de instabilidade institucional.
Entretanto, o general afirmou que os documentos apresentados pelo ex-chefe do Executivo se sustentavam em aspectos jurídicos, fundamentados na Constituição.
“O ponto principal é justamente aquilo que caberia ao Exército, nós não vislumbramos como poderíamos participar disso”, declarou Freire Gomes.
O informado ao presidente é que ele deveria prestar atenção a esses pontos e ele concordou que não havia o que fazer. E eu disse que o Exército não participaria de algo que ultrapassasse nossa competência constitucional, acrescentou o militar.
Eu expressei com bastante educação que as medidas que ele desejasse implementar precisaria considerar diversas questões com o apoio nacional e internacional, do Congresso também, e que, caso não tivesse esses apoios e não conduzisse os processos dentro dos aspectos jurídicos, ele teria sérios problemas. Alertei que, se ele saísse dos aspectos jurídicos, não contaria com nosso apoio como poderia responder juridicamente. Ele concordou e o assunto ficou por isso.
Estudos: a minuta do golpe e a voz da prisão
Outro ponto levantado por Freire Gomes foi a alegação de minuta de golpe. O militar declarou que Jair Bolsonaro apresentou um “estudo”, e não um documento, fundamentado em “aspectos jurídicos e baseado na Constituição”, o que, segundo ele, não surpreendeu a alta cúpula das Forças Armadas.
Segundo ele, o estudo foi apresentado em uma reunião com os comandantes, contendo informações sobre a implementação de medidas como estado de sítio no país e GLO.
Ele pode ter nos apresentado em questão de consideração por alguns trechos do documento que se referem ao estado de defesa, GLO. Estava nos informando que iria iniciar esses estudos, declarou o militar durante o depoimento.
Apesar das informações estarem “baseadas na Constituição”, como afirmou, o general disse que o Exército não participaria de nada que extrapolasse a “competência constitucional”, e chegou a alertar o ex-chefe do Executivo sobre o assunto.
“Ao longo de todo o processo, esse estudo foi sendo aprimorado”, declarou Freire.
Ademais, em audiência na Suprema Corte, o ex-comandante do Exército declarou não ter ameaçado conceder poder de prisão ao então presidente Jair Bolsonaro, ao mencionar a possibilidade de um golpe de Estado para permanecer no poder após ser derrotado nas eleições pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Freire Gomes afirmou que “alguns veículos relataram que eu teria dado voz de prisão ao ex-presidente, mas isso não aconteceu”.
O evento foi observado em uma reunião no Palácio da Alvorada pelo ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos Baptista Júnior, e comunicado à Polícia Federal (PF).
Militares criticam o sistema eleitoral.
Marco Antônio Freire Gomes também comentou sobre uma reunião ministerial que contou com a presença dos comandantes das Três Forças — Exército, Marinha e Aeronáutica — e o então presidente Bolsonaro.
Ele classificou o incidente como “eminentemente político”. Ele afirmou que houve críticas ao sistema eleitoral, porém os líderes permaneceram em silêncio, apenas ouvindo.
Freire Gomes reiterou que não foram encontradas irregularidades no processo eleitoral, em resposta a Gonet.
A finalidade que nos foi designada para essa comissão era identificar todas as vulnerabilidades, e não apenas fraudes.
Com base na solicitação de Bolsonaro, os três comandantes também foram convocados para outra reunião em 7 de setembro de 2022, que ocorreu no Palácio da Alvorada.
Nela foi apresentada a minuta suposta de golpe pelo então assessor-especial do chefe do Executivo, Felipe Martins.
Os militares, em princípio, desconheciam a natureza do encontro. “O presidente apenas nos informou que estaria analisando o assunto juridicamente e não solicitou nossa opinião”, prosseguiu.
Tivemos várias reuniões, e cada um manifestou sua opinião quando solicitado pelo presidente. Eu me concentrei em ser franco com o presidente. O brigadeiro Batista Junior se opôs a tudo naquele momento. Por eu ser muito direto, o ministro da Defesa, se me lembro, permaneceu em silêncio. E o Garnier não interpretou isso como qualquer conluio.
Após comentar a posição de Garnier, Freire Gomes foi alertado por Moraes.
A testemunha não pode omitir o que sabe, vou dar uma chance para a testemunha dizer a verdade. Se mentiu na Polícia, reconheça aqui. Não pode vir aqui e afirmar que não lembra, que está focado somente no seu posicionamento. O senhor é comandante do exército, está preparado para lidar com pressão. Pense bem antes de responder, porque na PF o senhor disse que Junior e Garnier manifestaram expressamente apoio.
Tentativa de ruptura, carta militar e pressão.
O general Freire Gomes também alega ter sido pressionado a participar da suposta trama golpista, além de ter enfrentado ataques.
“Sim, senhor, eu tenho sofrido ataques e continuo sofrendo”, declarou Freire Gomes ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Fui vítima de agressão, insultos, e minha família sofreu grande impacto. Meu filho afirma ser informado por Alexandre de Moraes. Optei por não considerar o assunto.
Segundo o relatório da Polícia Federal, Freire Gomes foi “determinante” para que uma tentativa de ruptura institucional não tivesse apoio das Forças Armadas.
Ademais, conforme a PF, além de Freire Gomes, o comandante da Aeronáutica, Baptista Júnior, se manifestou contra o plano. Já o almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, teria aderido.
Bolsonaro, então, buscou o apoio do general Estevam Theóphilo, que liderava o Comando de Operações Terrestres (COTER) do Exército.
Goneteu o Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira, questionando se a convocação do general Theófilo o teria deixado “desconfortável”.
Ele respondeu que estava preocupado que as pressões pudessem agravar o estado de espírito do presidente, podendo levá-lo a algo fora do que havia combinado.
A carta mencionada no depoimento, que Freire Gomes classificou como “inquestionavelmente” uma tentativa de ruptura, foi elaborada por militares com a intenção de pressionar o então comandante a conduzir o Exército a aderir a um suposto golpe.
O documento foi avaliado como inaceitável e inviável na estrutura militar, ressaltando que a manifestação de opiniões políticas por militares em serviço contraria os princípios das Forças Armadas.
Em novembro do ano anterior, o Exército acusou formalmente três oficiais envolvidos na elaboração do documento: o coronel Anderson Lima de Moura, em serviço ativo, e os coronéis Carlos Giovani Delevati Pasini e José Otávio Machado Rezo, ambos na reserva.
Fonte: CNN Brasil