Cinquenta anos após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, pela ditadura militar em 1975, a AGU (Advocacia-Geral da União) estabeleceu acordo para pagamento de indenização à família, assinado em 26 de junho de 2025, em São Paulo. Trata-se de um dos 1.600 acordos de anistia política firmados pela AGU desde 2023, quando foi criada a PNNE (Procuradoria Nacional da União de Negociação).
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As indenizações totalizam aproximadamente R$ 130 milhões. A maioria dos casos envolve vítimas de prisões, tortura e perseguição promovidas pelo Estado brasileiro durante o período do regime militar (1964-1985), incluindo Edilson Pinheiro Peixoto, de Ceará, e Evilásio dos Santos Barros, do Piauí, cujas trajetórias profissionais foram interrompidas pela repressão.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, declarou no Instituto Vladimir Herzog: “Estamos falando de uma mudança muito profunda de um Estado goz, que perpetrou violência de Estado, reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Judiciário brasileiro, e que está vindo aqui pedir desculpa por toda a barbaridade, por toda a violência que perpetrou, reconhecer direitos”.
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Os casos envolvendo Peixoto e Barros estão inseridos no Plano Nacional de Negociação 23, que aborda o reconhecimento da condição de anistiado político e a definição do valor da indenização por danos morais ou materiais.
Conforme a procuradora-geral da União, Clarice Calixto, o aumento nos acordos firmados está relacionado a uma nova arquitetura de funcionamento implementada pela gestão atual da AGU, que se baseia na construção de consensos e respostas eficazes.
A procuradora nacional da União de Negociação, Clara Nitão, argumenta que a busca pela consensualidade deve ser vista como uma necessidade da advocacia pública, “como algo que faz parte do fluxo de trabalho” e “não apenas de casos que já se tem certeza de que vai perder”.
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Não se alega que, quando um processo atinge o Ministério Público Federal, o primeiro passo é verificar se pode ser incluído em algum plano de negociação. Caso haja possibilidade, é encaminhado para uma das seis coordenações regionais de negociação, onde se elabora e apresenta a proposta. Os planos abrangem tanto questões já judicializadas quanto aquelas em fase pré-processual. Além do PNN 23, referente a anistiados políticos, existem outros 31 planos – grande parte deles relacionados a servidores públicos federais.
Processados, amparados e compensados
Edilson Pinheiro Peixoto começou sua atuação política ainda estudante do ensino médio em Fortaleza (CE) e, em julho de 1971, foi preso em sua residência por ter praticado “atividades subversivas”. Permanecendo detido por 23 dias, sofreu tortura e passou a ser submetido a tratamento desumano. No ano seguinte (1972), foi aprovado para estudar medicina na UFC (Universidade Federal do Ceará), porém teve a matrícula cancelada.
Após a perseguição, transitou por diversos estados do Nordeste, antes de se deslocar para São Paulo, onde cursou farmácia na USP (Universidade de São Paulo). Seguiu se escondendo da repressão até 1979, quando foi decretada a anistia, e em 1982 finalizou sua graduação.
Em outubro de 2009, o caso de Peixoto foi analisado pela Caravana da Anistia no Ceará, juntamente com outros 75 pedidos de vítimas e familiares. A iniciativa da Comissão de Anistia, do então Ministério da Justiça, visava promover sessões públicas e itinerantes em todo o país, ampliando o alcance dos mecanismos de reparação e intervindo na memória coletiva sobre a ditadura militar.
Após dois meses, foi divulgada a portaria do ministério que oficializava sua condição de anistiado político, com a inclusão de uma reparação econômica, de natureza indenizatória, pelos prejuízos materiais decorrentes da perseguição estatal, incluindo o atraso em sua formação universitária – situação prevista na Lei da Anistia, de 2002.
A responsabilidade civil pelos danos morais – que envolvem bens imateriais, como a saúde mental, a honra e a dignidade – não foi totalmente reconhecida pela legislação, gerando um grande número de ações judiciais e levantando dúvidas sobre a combinação de indenizações por prejuízos materiais e morais. O problema foi resolvido por decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 2018, que validou essa prática.
A demanda por danos morais apresentada por Peixoto à Justiça, em 2025, no valor de R$ 150 mil, com correção desde 1971 podendo atingir R$ 1,3 milhão, foi alterada após a intervenção da AGU, que resultou em acordo com o anistiado no valor de 60 salários-mínimos, correspondendo a pouco mais de R$ 91.000. O termo foi aprovado pela Justiça Federal do Ceará e a ação judicial foi extinta.
Em busca de rapidez
Ao buscar reparação por danos morais, Evilásio dos Santos Barros, com quase 90 anos, recebia uma aposentadoria de pouco mais de um salário-mínimo, em Parnaíba (PI), mesmo município onde foi perseguido ao ser líder sindical nas décadas de 1950 e 1960. Operário, Barros alcançou a presidência da Federação dos Trabalhadores na Indústria do Piauí em 1961. Dois anos depois, foi reeleito, mas logo afastado por razões políticas e, em 1964, preso por 40 dias com fundamento na Lei de Segurança Nacional.
Apesar de ter obtido habeas corpus em 1967, o registro de sua responsabilização permaneceu válido até 1976, o que o impediu de exercer diversas atividades, incluindo a de representante sindical. Sua condição de anistiado político foi reconhecida em 2011, quando recebeu indenização por prejuízos materiais. No ano seguinte (2012), iniciou-se uma demanda por R$ 450 mil da União a título de danos morais. O processo tramitou na Justiça por mais de 10 anos, culminando em um acordo com a AGU no valor de 60 salários-mínimos.
Para diminuir os processos demorados, a AGU estabeleceu um acordo que possibilita a análise de pedidos de indenização por danos morais contra anistiados políticos por meio de vias extrajudiciais. O escritório representa diversas pessoas anistiadas da região.
Com o apoio de juízes e advogados, o acordo, que faz parte do PNN 23, define um andamento mais ágil nos processos. Entre as ações estabelecidas, detalha o modo de entrada da demanda na AGU, incluindo os documentos a serem entregues e um relato conciso sobre a situação que levou ao reconhecimento da anistia.
Com informações da Agência Gov.
Fonte por: Poder 360