“É inaceitável que a fome seja empregada como instrumento de guerra”, declara o Cardeal Dom Jaime Spengler
Diocese de Porto Alegre inicia iniciativa solidária em auxílio à população palestina.

Diante de uma das maiores crises humanitárias contemporâneas, a Arquidiocese de Porto Alegre lançou na terça-feira (5) a campanha “Ação Humanitária em favor do Povo Palestino”, em colaboração com a Frente Parlamentar Porto Alegre-Palestina. A ação tem como objetivo coletar fundos para enfrentar a fome que afeta a Faixa de Gaza, onde organizações como Médicos Sem Fronteiras registram o aumento preocupante da desnutrição infantil.
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O Cardeal Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), declarado durante o evento na Cúria Metropolitana que o que ocorre na Faixa de Gaza configura um genocídio e uma carnificina. “É inaceitável que um mundo que se diz civilizado permaneça em silêncio diante do que ali acontece.”
O cardeal ressaltou que empregar a fome como tática militar é inaceitável: “Não se pode usar a fome como arma de guerra. Isso é inadmissível, é inumano”. Ele alertou que “crianças esqueléticas estão morrendo de fome” e que “os números são assustadores”.
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Entre janeiro e maio deste ano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) registrou 16.736 crianças entre 6 meses e 5 anos internadas para tratamento de desnutrição aguda, com uma média de 112 novos casos por dia. O Ministério da Saúde local informou que 175 pessoas faleceram devido à má nutrição na Faixa de Gaza, e mais de 1,4 mil foram mortas por militares israelenses ao tentar obter alimentos, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Dom Jaime criticou a ausência de organismos internacionais. “Onde está a ONU? Onde estão os países que se dizem defensores e promotores dos direitos humanos? Silenciosos, indiferentes, me parece.” Ele recordou que, entre os 59 conflitos armados no mundo, apenas dois recebem atenção da mídia: a Ucrânia e a Palestina. “Precisamos encontrar canais de integração entre os povos”.
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Experiência pessoal e posicionamento da Igreja
O cardeal recordou a experiência pessoal que teve em Israel, onde residiu por três anos. “O primeiro ataque da Intifada ocorreu sob minha janela na manhã de domingo, logo após minha chegada em Jerusalém”, mencionou, referindo-se aos acontecimentos de outubro de 1987.
Essa experiência fortaleceu a compreensão do conflito e a convicção sobre a necessidade de uma solução pacífica. “Desde então, esta situação persiste de forma trágica no tempo.”
Spengler ressaltou que a posição da Igreja Católica é evidente: dois Estados, com reconhecimento mútuo e coexistência pacífica. “Cada povo tem o direito de viver de maneira justa, respeitando as diferenças, que são uma riqueza e não um problema.”
Transparência e solidariedade como pilares da campanha.
Ao apoiar a campanha, Dom Jaime enfatizou a importância da transparência: “Cada ação requer eficiência e transparência. Se for alcançado um centavo, este deve ser declarado quanto à sua origem, destino, pessoa envolvida e forma de chegada.”
O arcebispo também ressaltou que atos de solidariedade transformam tanto quem recebe quanto quem oferece. “Cada gesto, por menor que seja, não fica sem recompensa. Não são apenas as pessoas que eventualmente recebem o auxílio que são beneficiadas, mas, em primeiro lugar, nós mesmos. Porque é a expressão da humanidade que nos caracteriza.”
Ele se opôs a todas as manifestações de violência: “Nunca devemos concordar com qualquer tipo de terrorismo. O terrorismo é o clamor dos desesperados, e isso é inaceitável. Mas também é inaceitável o que está ocorrendo atualmente, onde os mais vulneráveis sofrem na prática as consequências”.
O cardeal encerrou com um apelo à ação: “Então, em frente, com coragem. Oxalá possamos fazer algo, não importa se muito ou pouco. Como diz o ditado: uma gota de água no oceano transforma todo o oceano”.
Direito do povo palestino à paz.
Ao Brasil de Fato RS, Dom Jaime ressaltou que a situação do povo palestino é duradoura e demanda atenção e solidariedade. “Existe um certo receio em alguns setores da sociedade. Toda forma de terrorismo é detestável. Não podemos jamais concordar.”
Defendeu o direito do povo palestino a viver em paz, em um território próprio, com respeito aos vizinhos e às diferenças. “É inaceitável que a fome seja utilizada como arma de guerra. Uma ação como essa pode ser uma pequena contribuição, mas sempre faz a diferença.”
Mulheres e crianças são as principais vítimas.
O vereador Pedro Ruas (Psol), do grupo Frente Parlamentar Porto Alegre-Palestina, ressaltou a relevância da campanha e o papel do cardeal. “Dom Jaime é uma figura notável, muito sensível e humanitária. A situação de Gaza demanda soluções práticas.”
Ruas afirmou que a frente parlamentar tem dialogado com a Igreja Católica há aproximadamente dois meses. Ele destacou a seriedade da “desnutrição planejada e da fome como arma de guerra”, sendo praticadas pelo Estado de Israel.
Para o parlamentar, o que acontece na região não é guerra, mas massacre. “Na verdade, não há soldados em Gaza. As maiores vítimas são mulheres e crianças, porque os homens já morreram. A fome se tornou uma arma. A comida virou armadilha. Muitas pessoas morrem atingidas por bombas ou tiros ao tentar acessar alimentos.”
Ruas afirmou que o envolvimento da Igreja Católica representa “uma diferença enorme” no enfrentamento da crise. “É uma tragédia humanitária provocada por desnutrição planejada. A fome é usada como arma pelo Estado de Israel.”
Cuidar da vida é a missão da Igreja.
O coordenador da Área Social da Arquidiocese, Elton Bozzetto, explicou que a Igreja acolheu prontamente a iniciativa. “Nós demos o nome de ação humanitária, porque, de fato, é uma ação humanitária diante do sofrimento e da dificuldade das famílias, especialmente das crianças em Gaza.” Bozzetto ressaltou que a campanha é uma expressão de solidariedade fundamentada na crença de que “cuidar da vida é uma das atitudes mais importantes” para os católicos, para seguidores de qualquer fé ou por caráter humanitário.
A iniciativa de Dom Jaime é bastante relevante, por envolver a estrutura patriarcal do Oriente Médio, e por meio dela se obtêm as condições necessárias para que a assistência, esse apoio às famílias de Gaza, seja efetivada.
Essa conexão internacional, conforme Bozzetto, assegura que a iniciativa tenha alcance global para facilitar a chegada da assistência e do apoio. Ele também mencionou o sofrimento dos católicos em Gaza, com o ataque à igreja Sagrada Família, reforçando a importância da solidariedade acima das dificuldades.
Para Bozzetto, a ação transcende a assistência humanitária, entrando no âmbito diplomático e político. “Precisamos ajudar para que as pessoas não morram, mas também é necessário promover um esforço global para superar essa dificuldade secular, milenar da região.”
O genocídio, não se pode outro nome lhe dar.
Filho de palestrino e membro da Federação Árabe Palestina do Brasil, Eduardo Abed declarou que a mídia brasileira não apresenta a realidade completa. “O que se chega a nós é apenas uma parte. Há um cenário de destruição total: fome, ausência de medicamentos, hospitais destruídos, pessoas com doenças crônicas que não conseguem ser tratadas.”
Abed também destacou a ausência de eletricidade e aquecimento, sobretudo em um inverno severo, o que exacerba ainda mais a situação. Para ele, a conclusão é inegável: “É um genocídio, não há como chamar de outra forma”. A própria população, a própria comunidade israelense já chegou a esse ponto, eles estão contra o governo.
A solidariedade e os desafios da assistência humanitária.
Abed enfatizou a relevância da solidariedade e da transparência na arrecadação, que será enviada pelo Vaticano até o Patriarcado em Jerusalém, com o objetivo de alcançar indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Contudo, Abed destacou que um dos maiores obstáculos é a chegada das doações. “Sabemos que há muitos doadores. Atualmente, o principal problema é que essas doações não estão chegando lá, justamente por essa arma de guerra que é não deixar chegar o alimento”.
Ele lamentou qualquer tipo de morte, mas enfatizou que a situação em Gaza ultrapassou o razoável e se tornou uma vingança. “Não existe mais como denominar diferente. É um massacre, é uma vingança, é um genocídio”, concluiu. O pai de Abed chegou ao Brasil no final dos anos 60.
A guerra não é religiosa, é territorial.
Miriam, que reside no Brasil como refugiada desde os oito anos, ofereceu uma visão fundamental sobre a natureza do conflito em Gaza. Para ela, a campanha humanitária é de “extrema importância” no contexto atual. “E também para que o mundo veja que a guerra que está acontecendo lá não é religiosa, nunca foi religiosa.”
Ela ressaltou a coexistência pacífica entre católicos e muçulmanos. “Os católicos e muçulmanos sempre se deram bem, as religiões sempre estiveram bem”, declarou. Segundo Miriam, a verdadeira natureza do conflito é territorial: “A guerra que estamos lá é briga territorial mesmo, por apartheid e dominar cada vez mais e mais terras”.
Miriam destacou a relevância de que o mundo reconheça essa situação e a união das religiões contra o que ela considera genocídio. “É muito importante que o mundo veja isso, que todas as religiões estão se unindo contra esse genocídio, contra o que está ocorrendo na humanidade. Eu acredito que a humanidade deve fazer isso.”
Sociais se juntam à campanha.
A integrante da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino, Vitória Busato, ressaltou que o evento possui um significado profundo diante da severidade dos acontecimentos em Gaza e no território palestino. “Esse genocídio não começou em 7 de outubro de 2023. Ele começou há mais de 77 anos, desde a Nakba, que é a catástrofe que ocorreu e continua acontecendo”, declarou.
Ela afirmou que a violência é constante e cruel. “Todos os dias essas pessoas são massacradas, por fome, mísseis, drones”. Por fim, defendeu o posicionamento da sociedade brasileira contra o massacre. “Precisamos lutar por uma Palestina livre, do rio ao mar”.
O secretário-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça do RS (Sindjus), Fabiano Zalazar, ressaltou o caráter humanitário da mobilização. “É um ato de solidariedade, de humanismo, que reúne representações da nossa sociedade em apoio ao povo palestino cercado em Gaza”, declarou.
Ele classificou a situação como um “genocídio” e um “apartheid social” que atinge seu auge desde outubro de 2023. “Desejamos viver em um mundo com mais justiça, menos tragédia e mais direitos humanos, algo que sequer o povo palestino tem atualmente.”
O Ouvidor da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Rodrigo Medeiros, ressaltou a importância da defesa incondicional dos direitos humanos. “O direito à vida não admite divergência, são fatos”, afirmou. Ele defendeu o reconhecimento do Estado palestino, sem negar o direito de existência de Israel, e reiterou: “Devemos respeitar a autonomia de todos os povos, conforme nossa Constituição.”
Medeiros também destacou a fome em Gaza: “É uma guerra sem sentido e desproporcional. A comunidade internacional precisa evitar que esse tipo de atrocidade persista.”
O diretor científico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, também compareceu ao evento, apresentando uma visão ambientalista. “A vida está sempre em primeiro lugar, e sim, isso inclui a vida humana”, declarou.
Milanez reiterou o compromisso da instituição com a paz e a valorização da vida, repudiando veementemente guerras e genocídios: “Não há justificativa para holocaustos em massa”.
O escritor Alcy Cheuiche ressaltou o caráter universal da campanha e a diversidade representada no evento. “Estamos tentando corrigir um erro de caráter universal. Nós não estamos aqui preocupados somente porque se trata de uma luta entre israelenses e palestinos, mas nós estamos preocupados também com um momento em que se esquece o fundamental, que o fundamental são os direitos humanos. E o que está acontecendo lá é outro holocausto, como aconteceu com o povo judeu, inclusive durante o nazismo.”
O que está ocorrendo com o povo palestino é um genocídio, uma atrocidade.
O ex-governador Olívio Dutra ressaltou que a ação representa uma medida integradora de um amplo campo humanitário, presente inclusive no próprio Estado de Israel. Ele criticou a política do atual governo israelense: “O que está ocorrendo, essa prática do governo de Israel, ou da figura mais representativa deste governo e o seu grupo, é um genocídio”.
Enfatizou que nenhum óbito pode ser normalizado. “O que ocorreu na prática do Hamas, nunca acreditamos que precisasse ser defendido ou naturalizado. Contudo, o povo palestino tem o direito de se defender das maneiras que ele pode diante das diversas circunstâncias que enfrenta.”
Dutra também valorizou a campanha. “É fundamental que, neste momento, todos possamos estar unidos na solidariedade ao povo palestino, de todas as formas, com respeito à pluralidade e à diversidade. Mas não é possível naturalizar essa barbárie. Tomara que este movimento tenha a repercussão devida.”
As doações da campanha podem ser realizadas através do PIX: 51 993935814.
Fonte por: Brasil de Fato