O encontro entre Albert Einstein, o pai da física moderna, e Sigmund Freud, o pai da psicanálise, ocorreu de forma singular em 1927, na residência do filho mais jovem de Freud, em Berlim. Einstein relatou que a conversa com Freud foi “muito agradável”, devido à profunda compreensão que ambos possuíam em suas respectivas áreas de estudo.
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Apesar da falta de intimidade pessoal entre os dois renomados intelectuais, alguns anos depois, ambos seriam chamados a participar de um dos diálogos mais intrigantes da história da ciência.
O Instituto Internacional e a Troca de Cartas
No início dos anos 1930, o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, ligado à Liga das Nações (precursora da ONU), propôs uma iniciativa de troca de cartas entre figuras proeminentes da cultura e da ciência, visando discutir temas cruciais para o futuro da civilização.
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Em 1931, Einstein foi um dos primeiros convidados a participar, indicando Freud como interlocutor para abordar a questão da guerra.
Em junho de 1932, o Instituto enviou um convite a Freud, cuja resposta foi elaborada cerca de um mês depois. A carta de Einstein chegou a Viena no início de agosto, e a resposta de Freud ficou pronta em torno do mesmo período.
O Debate Sobre a Guerra
Em março de 1933, o diálogo entre os dois pensadores foi publicado em Paris e traduzido para o alemão, francês e inglês, porém sua circulação foi proibida na Alemanha devido à ascensão do regime nazista.
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A troca de cartas surgiu de um contexto político complexo. A Liga das Nações, criada após a Primeira Guerra Mundial e formalizada no Tratado de Versalhes em 1919, tinha como objetivo manter a paz mundial através de um sistema de segurança coletiva e de organizações internacionais sediadas em Genebra.
Einstein, no início da carta, formula a pergunta central que guia o texto: “Existe alguma maneira de proteger a humanidade da ameaça da guerra?”. Para solucionar o problema, ele propôs a criação de um órgão internacional com poderes legislativos e judiciais, capaz de mediar conflitos entre nações.
Para o físico, a segurança internacional exigia que os Estados renunciassem, em certa medida, à sua soberania, o que a Liga das Nações não conseguia obter dos governos.
Freud concorda que a Liga é “destinada” a ser essa instância, mas ressalta que ela carece de poder real. Sem a transferência de força para uma autoridade comum, a organização permanece fraca.
Um Debate Sem Resolução
O início da obra, em 1939, demonstrou que os pensadores estavam certos, uma vez que a Liga não evitou a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Por que a guerra? Na carta de Einstein, a guerra aparece como um problema científico e político ao mesmo tempo.
Para ele, com o avanço da tecnologia, o tema se tornou uma questão de “vida ou morte para a civilização”, e “todas as tentativas de solucioná-lo” haviam falhado.
Por isso, o físico buscou a ajuda de Freud para entender a guerra. “Você me surpreendeu ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra. Quase escrevi ‘nossa’. Me assustei com a minha incapacidade de lidar com um problema prático”, respondeu Freud.
Mesmo assim, ele prossegue em uma tentativa de desenvolver uma resposta.
No plano psíquico, Freud traz sua hipótese de dois grandes grupos: os que preservam e unem, que ele chama de eróticos, e os que destroem e matam, chamados de instinto agressivo ou de morte. A guerra seria então uma das maneiras pelas quais esse componente destrutivo encontra saída.
A má notícia, segundo Freud, é que não existe uma “cura” para a guerra. “Não há maneira de eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem, mas pode-se tentar desviá-los num grau tal que não necessitem encontrar expressão na guerra.”
A resposta sugere reforçar tudo o que estreita vínculos emocionais entre as pessoas e aposta no crescimento da civilização. Daí a frase final da carta de Freud: “Tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.”
Apesar do debate entre os pensadores, mais tarde, Freud caracterizou o trabalho como “enfadonho e estéril.”
