Enriqueta de Maroni, mãe da Praça de Maio, faleceu após denunciar a ditadura argentina internacionalmente
Uma das fundadoras da organização, ela concedeu uma entrevista que trouxe os sequestros à luz do conhecimento internacional.

Enriqueta Rodríguez de Maroni, uma das fundadoras do movimento Mães da Praça de Maio, faleceu aos 98 anos na terça-feira (5), deixando a Argentina sem um de seus símbolos na resistência ao regime militar e na luta por memória e justiça.
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Enriqueta sofreu com o sequestro de dois de seus filhos pelo então governo militar argentino: Juan Patricio Maroni e Maria Beatriz Maroni, juntamente com seus respectivos companheiros. A esposa de Juan foi liberada em seguida, porém ele, a irmã e o marido dela, Carlos Alberto Rincón, não retornaram. Na ocasião, a ativista exercia a função de professora.
A prática do sequestro fazia parte de uma política sistemática de terrorismo de Estado conduzida pela ditadura militar argentina. No caso da família Maroni, o crime se verificou em uma madrugada, com atuação de um grupo de tarefas do Primeiro Corpo do Exército. Os jovens foram levados ao Club Atlético, prédio público que se tornou um centro clandestino de detenção e tortura.
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Na mesma semana em que os filhos da ativista desapareceram, um grupo de mulheres se reuniu na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, para solicitar informações de filhos e filhas que também haviam desaparecido. Enriqueta estava entre elas e, a partir daí, tornou-se uma das responsáveis pela fundação do coletivo que ficou conhecido como Madres de Plaza de Mayo.
Em 1978, realizou uma entrevista que trouxe os sequestros da ditadura à atenção da comunidade internacional. Na cobertura da Copa do Mundo de Futebol de 1978, uma emissora holandesa dialogou com as ativistas que manifestavam-se na praça. De forma direta, Enriqueta expôs a violência e os sequestros praticados pelo Exército.
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Eles entraram em nossas casas, invadiram e roubaram tudo o que desejavam. Destruíram nossas casas e nos roubaram tudo o que possuíam. Além disso, sequestraram nossos filhos, e nunca mais tivemos notícias deles. O Exército fez isso. O Exército!
Semanalmente, às quintas-feiras, as Madres, nome dado ao movimento de mulheres na Praça de Maio, protestavam em frente à Casa Rosada. Quando uma integrante era interceptada pela polícia, o grupo completo se manifestava, uma prática que visava assegurar a segurança, mas também representava o caráter coletivo, fundado na criação de uma rede de apoio.
Em 2008, Enriqueta iniciou um projeto de escola popular de música. O objetivo era criar um espaço de educação musical alinhado aos princípios de direitos humanos. Atualmente, a chamada Tecnicatura de Música Popular de Madres oferece um curso de nível superior com duração de quatro anos, que forma artistas e profissionais com base no retorno às comunidades de origem, na manutenção da cultura popular e na arte como forma de reconstrução de laços sociais.
A iniciativa tem sua base no Espaço Memória e Direitos Humanos, um antigo local de custódia e tortura, que atualmente acolhe projetos engajados na busca por justiça. “A música era algo que nossos filhos apreciavam, é algo que sempre está ligado à vida e à mudança”, declarou Enriqueta no período de fundação da iniciativa. Entre 2022 e 2024, ela foi presidente das Mães da Praça de Maio e esteve na luta até o último dia de vida.
Estimativas de organizações de direitos humanos indicam que aproximadamente 30 mil pessoas foram sequestradas e assassinadas pela ditadura militar na Argentina entre 1976 e 1983. A estratégia de desaparecimento forçado foi uma das marcas mais cruéis do regime, incluindo a prática sistemática de roubo de recém-nascidos e crianças, filhos e filhas de militantes opositores ao governo.
As vítimas, frequentemente, nasciam em locais de detenção secretos. Elas eram encaminhadas para adoção por famílias vinculadas a forças armadas e policiais. A luta das Mães e Avós da Praça de Maio foi crucial para revelar essa prática criminosa e permitiu que mais de 140 netos e netas da Praça de Maio reconfotassem suas identidades.
Fonte por: Brasil de Fato