Erro da Dataprev em fraude do INSS revela histórico de fragilidades

O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou falhas nos controles operacionais da Dataprev em relação a descontos de aposentadorias e pensões.

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(Imagem de reprodução da internet).

A vulnerabilidade nos controles operacionais da Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) possibilitou que associações realizassem descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS. O aviso sobre o risco já havia sido levantado em auditoria do TCU em junho de 2024.

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A situação se soma a outras falhas recentes envolvendo a Dataprev, que está vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. O consultor especializado em gestão de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) e de modernização digital Rodrigo Assumpção preside a empresa pública. Tomou posse em abril de 2023.

O Poder360 aponta diversas falhas nos últimos anos relacionadas à Dataprev.

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Preços praticados de forma irregular.

O relatório do TCU também indicava que os processos para a realização de empréstimos consignados e descontos de mensalidades associativas na folha de pagamento de beneficiários apresentaram falhas. Principalmente no caso do desconto de mensalidades de associações e sindicatos, o processo foi o mais vulnerável, conforme trecho do documento.

O TCU indicou que a Dataprev colaborou com o esquema ao executar os comandos das entidades sem confirmar a origem ou a validade das autorizações.

As organizações envolvidas remetiam mensalmente arquivos à Dataprev contendo os dados dos segurados e os valores a serem deduzidos. Contudo, não existia uma validação prévia para confirmar se os beneficiários haviam consentido com esses descontos.

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O relatório afirma que as entidades responsáveis por enviar as listagens de inclusão e exclusão de descontos, e que concedem as autorizações, são o INSS e a Dataprev, que apenas tomam conhecimento de um desconto indevido quando o segurado apresenta uma reclamação.

A inspeção também apontou que o instituto não possuía a capacidade de receber os termos de filiação e as autorizações de descontos das mensalidades associativas. Em reunião com auditores, o INSS admitiu que não exigia os documentos de autorização no momento do processamento, confiando na boa-fé das associações.

Em resposta à fiscalização, o INSS e a Dataprev identificaram as falhas e comunicaram que planejam desenvolver um sistema para o envio, armazenamento e verificação seguras das autorizações. A medida mais aguardada era a exigência de reconhecimento biométrico, já utilizado em empréstimos consignados, também para as adesões associativas.

Em 15 de abril de 2024, durante a reunião que finalizava a inspeção, a Dataprev e o INSS informaram que não havia prazo determinado para a implementação dessa ferramenta.

Solicitação de auditoria.

A auditoria foi iniciada a partir de solicitação do deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) em agosto de 2023, que solicitava a apuração de irregularidades no âmbito do INSS, entidades sindicais, associativas e instituições bancárias, com descontos indevidos nos proventos de aposentadoria de milhões de aposentados. A então presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, Bia Kicis (PL-DF), encaminhou o ofício solicitando a inspeção.

O pedido buscava uma decisão liminar para impedir a concessão de empréstimos consignados vinculados à contribuição para entidades sindicais. Tal solicitação ocorreu em decorrência de denúncias sobre a ocorrência de fraudes envolvendo empréstimos consignados e filiação indevida a associações.

O TCU recomendou ações urgentes para proteger os segurados e impedir que o sistema continuasse sendo utilizado para fraudes, porém a unidade técnica não considerou necessária uma medida cautelar inicialmente.

A unidade técnica constatou que não estavam presentes os requisitos necessários para a concessão da medida cautelar solicitada, considerando a ausência dos elementos indispensáveis para sua deferimento.

Após a revisão da recomendação, implementou-se a medida cautelar em relação aos descontos de mensalidades associativas. A inspeção, contudo, entendeu não existir o requisito para a concessão de medida em relação aos empréstimos consignados.

Crescimento exponencial.

O relatório apontava o rápido crescimento de certas organizações, incluindo a Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos), que evoluiu de 3 membros em 2021 para 600.6 mil em 2023.

Em 2021, a entidade não recebeu recursos. Em 2023, obteve arrecadação no valor de R$ 90,4 milhões.

As transferências cresceram de R$ 544,7 milhões em 2021 para mais de R$ 1,5 bilhão em 2023, envolvendo associações e sindicatos.

Financiamentos.

Pelo menos 35.000 beneficiários registraram reclamações no site consumidor.gov.br em 2023 sobre descontos indevidos, conforme relatório do TCU. A íntegra (PDF – 1 MB) está disponível.

Em tal ano, registrou-se uma movimentação de R$ 89,5 bilhões em empréstimos consignados.

As responsabilidades.

Em setembro de 2024, o sistema da Dataprev – Portal de Desconto de Mensalidade Associativa – foi disponibilizado para que os descontos de mensalidades associativas fossem aplicados após a autorização dos beneficiários, incluindo assinatura eletrônica e validação biométrica.

Em resposta à solicitação da deputada Júlia Zanatta (PL-SC), a Previdência enviou um parecer do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que sustentava que o INSS não possuía responsabilidade solidária em relação aos descontos. Adicionalmente, afirmou que a Dataprev era “responsável por toda a operação sistêmica e processamento dos descontos”.

Saída do programa de desestatização

Em 16 de janeiro de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) incorporou a Dataprev ao Programa Nacional de Desestatização.

Em 6 de abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retirou a empresa pública do programa de privatização do governo.

Inteligência Artificial

Em 17 de janeiro de 2025, Stefanutto afirmou que o governo federal contratou uma inteligência artificial com custo de US$ 10,5 milhões (R$ 59,4 milhões à cotação atual) para combater fraudes em benefícios sociais e de aposentadoria. O pagamento seria realizado em 18 parcelas.

A ferramenta foi desenvolvida por uma empresa norte-americana do setor. O valor foi informado ao Poder360 em entrevista exclusiva em 17 de janeiro de 2025.

Desejamos incorporar nos processos de trabalho a inteligência artificial para analisar no sistema casos de concessão de benefícios fora do padrão, permitindo que você bloqueie. Existe um grande potencial, se for bem utilizada no INSS, afirmou Stefanutto.

Uma inteligência artificial replica capacidades humanas através do aprendizado em sistemas computacionais. A tecnologia adquirida pelo governo deverá iniciar suas operações no primeiro semestre de 2025, com a implementação em duas fases.

Em 23 de abril, Stefanutto foi alvo da operação “Sem Desconto”, que investiga fraudes em aposentadorias e pensões. A ação revelou descontos ilegais de mensalidades associativas.

Em todo o período de 2019 a 2024, as associações arrecadaram R$ 6,5 bilhões. Stefanutto renunciou no mesmo dia.

O então ministro da Previdência, Carlos Lupi, renunciou ao cargo em 2 de maio, nove dias após a cirurgia.

Outro lado

A Power360 contatou a Dataprev para verificar o interesse da empresa pública em comentar as falhas mencionadas e os apontamentos da Corte de Contas. Também buscou o INSS para obter uma posição sobre o relatório do TCU.

Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para manifestação.

Fonte: Poder 360

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