Helder Barbalho, entre a motosserra e a floresta
Com a COP30 se aproximando, o governador do Pará busca conciliar a postura ambiental com a pressão do setor agrícola, em meio a ações da Funai e do Ibama contra o desmatamento e ocupações ilegais.

Com a COP30 se aproximando, as ações do governo federal colocaram o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), em uma crise. Por um lado, busca se projetar nacionalmente com um discurso ambiental. Por outro, enfrenta os interesses do agronegócio, que historicamente o apoia politicamente no estado.
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O anfitrião da conferência climática da ONU, que se realizará em Belém em novembro, busca projetar-se como um gestor ambiental. Em paralelo, atua para ocupar a vice-liderança na chapa de Lula (PT) em 2026, porém, enfrenta oposição local e inconsistências que comprometem essa ambição.
A mais recente pressão decorre do maior bloqueio ambiental à distância da história do Ibama. Publicado no Diário Oficial da União em 6 de maio, o chamado “embargo” interditou 544 propriedades em Altamira, sudoeste do Pará, após a constatação de desmatamento ilegal com base em imagens de satélite e dados fundiários. Os proprietários têm 30 dias para remover gado e outros animais das áreas bloqueadas.
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A reação do governador foi rápida. No dia seguinte, deslocou-se a Brasília para conversar com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), em companhia de parlamentares e representantes do setor agrícola, incluindo membros da base governamental.
Helder questionou o formato da operação e argumentou que fossem utilizados critérios individualizados para evitar, em sua visão, punições a produtores em processo de regularização fundiária. “Todos vieram aqui para apresentar e pedir solução em relação a áreas produtivas no estado do Pará”, declarou, em vídeo gravado após a reunião, ao lado de apoiadores e em frente a uma bandeira do Pará.
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O bloqueio segue o modelo de fiscalização remota, utilizado pelo Ibama para agilizar a resposta a crimes ambientais, principalmente antes da temporada de queimadas, que inicia com a seca em junho. De acordo com o órgão, prazos mais longos para contestação abririam espaço para fraudes e destruição de provas.
Enquanto o embargão atingia grandes propriedades, outra frente mobilizou pequenos e médios produtores: a Funai publicou manifestações de interesse sobre glebas públicas federais no Pará. A fundação sustenta que se tratam apenas de estudos preliminares para possível demarcação de terras indígenas e que nenhuma propriedade privada foi incluída.
A notícia gerou pânico em áreas com conflitos fundiários. Em Altamira, uma audiência pública reuniu aproximadamente 2 mil pessoas em 9 de maio.
O senador Zequinha Marinho (Podemos) disputa a posição contra o ex-governador Barbalho, distribuindo panfletos em cidades do interior do Pará com uma lista de 46 áreas sob análise da Funai em 33 municípios. Eleito senador, Marinho é um dos principais nomes da nova direita ruralista na Amazônia, buscando flexibilizar a proteção de terras indígenas e promover atividades econômicas, como o garimpo. O senador preside a Comissão de Agricultura do Senado e mantém fortes ligações com grileiros, garimpeiros e madeireiros, além de ser pastor da Igreja Assembleia de Deus.
Durante a audiência em Altamira, um fiel da mesma igreja do senador subiu ao palco e proferiu um discurso inflamado contra as demarcações, além de elogiar o senador. A plateia reagiu com aplausos, e diversos parlamentares se levantaram para demonstrar apoio. “O governo tem uma dívida conosco na Apyterewa para quitar”, declarou Marcilene Frutuoso, procedente de uma área invadida dentro da terra indígena do povo Parakanã.
A operação de desintrusão é realizada pelo governo federal. Desde o início do atual mandato de Lula, oito ações desse tipo foram conduzidas, incluindo as áreas Ituna-Itatã, Trincheira Bacajá, Munduruku, Kayapó e Apyterewa, todas no Pará. As ações também ocorreram no Maranhão, Rondônia e Roraima, com o processo iniciado na TI Yanomami.
A desintrusão é a remoção de pessoas não indígenas de terras indígenas, conforme previsto na Constituição. Trata-se de ações baseadas em decisões do Supremo Tribunal Federal.
A situação mais crítica ocorreu na Terra Indígena Apyterewa, em outubro de 2023. Envolveram-se a Força Nacional, o Exército, o Ibama, a Funai e a Polícia Federal. Foram retirados aproximadamente 2 mil ocupantes. Um invasor foi fatalmente ferido por um agente da Força Nacional. Informações interceptadas indicaram planos de ataques armados, incluindo a aquisição de fuzis nos Estados Unidos, por membros de um grupo que se autodenomina “Máfia da Tora”.
Após a desintrusão, os conflitos persistiram. Lideranças de Parakanã relataram ataques de pistoleiros e reivindicam o reflorestamento da área desmatada, que serviu como pasto para aproximadamente 60 mil bois, muitos dos quais foram vendidos para frigoríficos localizados no Sul do Pará.
Outro opositor de Helder, o deputado federal Âder Mauro (PL), também criticou os embargos e as ações da Funai. Derrotado na última eleição para a prefeitura de Belém por um primo do governador, o ex-delegado compareceu à audiência e gravou vários vídeos nas redes sociais acusando o governo de perseguir produtores.
Contudo, o problema não se restringe à oposição. O deputado Airton Faleiro (PT-PA) compareceu à audiência em Altamira. Nas redes sociais, declarou que “o setor clama por ajuda” e defendeu ações para prevenir um “colapso produtivo”.
A pressão política tem levado Helder a se movimentar em diversas frentes. Além da visita a Brasília, o governador também tem feito alianças locais para fortalecer sua base, incluindo uma com o deputado estadual Wescley Tomaz (Avante), ex-vereador de Itaituba que se apresenta como “deputado dos garimpeiros”.
Wescley assegurou a nomeação de aliados em cargos estratégicos, como Fernando Brandão, advogado de cooperativas de garimpeiros e caçador de javalis, que ocupou um núcleo da Secretaria de Meio Ambiente do governo de Helder. A aliança também garantiu cargos para a esposa de Wescley e outros aliados políticos.
Essa movimentação local ocorre em paralelo a outra ofensiva organizada por setores do agronegócio. Em outubro, um mês antes da COP30, lideranças rurais pretendem realizar em Marabá a chamada “COP do Agro”. A proposta do evento é apresentar uma agenda própria para a Amazônia com viés negacionista climático.
A Conferência sobre o Agro tem o apoio de parlamentares da bancada ruralista e de governadores como Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado (GO), e inclui o envolvimento ativo de Zequinha Marinho.
Hélder se apresenta como líder ambiental perante o mundo. Entretanto, em casa, sob as pressões, aparenta governar com prioridades de um pecuarista, como ele mesmo, dono de um rebanho de 6 mil cabeças de gado.
Fonte: Carta Capital