Tim Andrews sabia que necessitava de diálise para gerenciar sua doença renal em estágio terminal, porém, após meses de tratamento, começou a duvidar se a terapia era justificável. Estava cansado e sem perspectivas. Sentia falta dos netos. Isso o mantinha vivo, mas não parecia estar realmente vivendo. Desesperado por outra alternativa, descobriu uma opção inesperada: um órgão suíno.
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Andrews, de 67 anos, é um pioneiro em um novo tipo de medicina. Em janeiro, ele realizou um transplante experimental envolvendo um rim de porco geneticamente modificado. Ele é um dos poucos pacientes que se submeteram a esse procedimento experimental. Atualmente, é a única pessoa nos Estados Unidos conhecida por viver com um rim de porco.
Andrews reconhecia o risco em experimentar algo tão inédito, porém, se o órgão lhe desse apenas mais um dia sem diálise, valeria a pena – para ele e para outros pacientes. “Isto fará algo pela humanidade”, afirmou Andrews.
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Andrews convivia com diabetes desde os anos 1990, gerenciando a condição com insulina. Aproximadamente dois anos e meio antes, procurou o médico devido a um cansaço excessivo. Os exames revelaram insuficiência renal em estágio 3, com os rins ainda operando, porém, com menor eficiência. Ele se sentiu aliviado ao descobrir que a situação era controlável através de tratamento medicamentoso, acompanhamento e alterações no estilo de vida.
Cerca de um mês depois, um médico trouxe más notícias: a doença renal de Andrews havia progredido rapidamente para estágio terminal. A diálise era a única opção para mantê-lo vivo até conseguir um transplante de órgão.
A diálise é altamente eficaz na limpeza do sangue, porém impõe uma “enorme carga” ao corpo, afirmaram os médicos de Andrews à CNN. Inicialmente, Andrews achava que estava indo bem. Contudo, cerca de seis meses depois, teve um ataque cardíaco.
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“Isso consome seu preço, tanto emocional quanto fisicamente”, declarou Andrews, que reside em New Hampshire.
Ele considerava abandonar a diálise até que um médico o alertasse que, caso o fizesse, teria que escolher um caixão. Diante do estado dos seus rins, seu corpo faleceria em poucos meses.
Ele dedicava seis horas, três dias por semana, àquela tarefa. Nos dias de descanso, dormia e precisava recomeçar no dia seguinte.
Ao refletir sobre sua vivência com a diálise, Andrews valoriza o que os médicos e enfermeiros fizeram para mantê-lo vivo. Contudo, ao permanecer sentado em uma grande cadeira verde conectado à máquina de diálise, toda a situação também impactava seu estado de espírito.
Sentia-se excessivamente exausto para andar ou realizar compras. Não conseguia comer. Mesmo nas poucas horas em que se sentia bem, seu sistema imunológico estava tão fraco que precisava evitar aglomerações. A diálise implicava na perda de jogos do Red Sox, na falta de diversão com os netos e na impossibilidade de viajar.
À medida que as horas avançavam, não conseguia sentir gratidão. Apenas pensava na morte. Os efeitos colaterais da diálise ficaram tão graves que ele desejava desistir, mas sua esposa, Karen, não permitiu. Ele também continuava ouvindo a voz de seu pai em sua mente, instruindo-o a parar de reclamar e começar a agir em relação à sua situação.
Eu compreendo o que implica a fase final.
Andrews percebeu que suas perspectivas de receber um doação de rim humano eram remotas. Cerca de 90 mil pessoas aguardam um transplante renal nos EUA. A grande maioria não recebe o órgão devido à deterioração de sua saúde ou óbito durante o período de espera por compatibilidade.
As perspectivas de Andrews eram mais limitadas em razão do seu tipo sanguíneo incomum. A expectativa de tempo para um transplante renal geralmente varia entre três e cinco anos. Para ele, essa estimativa poderia ser de sete a dez anos. Os médicos consideravam que seu organismo suportaria apenas cinco anos de diálise.
“Estive um pouco apreensivo”, afirmou Andrews. “Eu compreendo o que implica o período final de estágio.”
Sua pesquisa lhe proporcionou esperança. O Hospital Geral de Massachusetts também estava investigando alternativas com animais. Ele solicitou que o contato do hospital o conectasse com um dos médicos daquele projeto: Dr. Leonardo Riella, diretor médico de transplante renal no Mass General.
Andrews estava “muito frágil”, disse Riella. Ele chegou em uma cadeira de rodas. Mas quando Riella mencionou o que é conhecido como xenotransplante – transplantes usando órgãos de porcos geneticamente modificados – os olhos de Andrews “brilharam”.
Riella informou a Andrews que ele necessitaria aumentar significativamente sua força para que um transplante fosse possível.
Nos meses seguintes, Andrews frequentou a academia e a fisioterapia, realizou diversos tratamentos dentários, recebeu várias vacinas e perdeu 10 quilos. Ao retornar à clínica alguns meses depois, Riella informou que Andrews estava “quase correndo pelo cômodo”.
Ele discutiu o assunto com outras pessoas. Ele orou. Sua esposa, Karen, também necessitava dar seu aval: se obtivessem luz verde, ela precisaria assinar documentos de consentimento. No improvável caso de ele contrair um vírus do órgão, ela também estaria exposta.
“Fiquei um pouco surpresa com isso”, disse Karen. Mas ela não tinha dúvidas de que este transplante, embora incomum, era o caminho certo. “Tem que ser melhor do que a diálise”, disse ela. “Ele estava se sentindo tão mal o tempo todo”.
Um novo aniversário
Em janeiro, a hora chegou finalmente. No dia da cirurgia, sua família o abraçou e beijou para se despedir. Karen deu-lhe um tapinha nas costas e desejou boa sorte.
O procedimento deveria durar quatro horas, porém, apenas duas horas e 15 minutos após, Karen relatou que seu telefone discou. Os médicos concluíram o atendimento antecipadamente, afirmando que tudo ocorreu “incrivelmente bem”.
Uma equipe de médicos informou a Andrews que o rim de porco geneticamente modificado havia sido com sucesso transplantado em seu órgão não funcional.
“Eles colocaram o rim na mesa e começaram a conectá-lo ao rim, e ele realmente urinou através da sala”, disse Karen, rindo. Todos na sala de cirurgia começaram a comemorar. “É claro que comecei a chorar como um bebê”, disse Karen.
A rapidez dos acontecimentos surpreendeu até os médicos que realizaram a cirurgia. “Funcionou imediatamente e os números começaram a melhorar”, afirmou Riella.
Após acordar da cirurgia, Andrews se sentiu “revigorado e revitalizado”. “Eu estava vivo e já fazia muito tempo que não estava”, disse ele.
Ele saltou da cama e andou descalço pela sala, afirmou ele. Sua mente estava lúcida. “Foi um evento extraordinário”, declarou Andrews. Tão intenso que ele afirmou ter um novo aniversário. “Eu disse: ‘olhem para mim, é como se eu fosse um homem novo’”, disse ele. “É como um novo nascimento. Eu disse: ‘Tenho um novo aniversário. 25/01/25 é meu novo aniversário’”.
Agora sou capaz de realizar qualquer coisa que desejar.
Após o transplante, Andrews permaneceu uma semana no hospital, em precaução. Nos meses subsequentes, ele enfrentou alguns “obstáculos menores”, incluindo uma internação de três semanas. O rim de porco realizava funções semelhantes às de um rim doador humano vivo.
A vida retorna ao normal. Andrews cozinha, aspira e faz longas caminhadas com seu cachorro, Cupcake.
Atualmente, ele ingere mais de 50 comprimidos diários, enquanto os médicos buscam determinar quais medicamentos necessitará com seu novo rim. No entanto, viver sem diálise fez uma grande diferença. “Basicamente, eu estava apenas dormindo, doente o tempo todo. Agora posso fazer qualquer coisa que eu quiser”, declarou Andrews.
“Eles me viram no meu pior momento, e agora podem me ver vivo e rindo e me comportando como o avô faz”, disse Andrews.
Ele planeja levar Karen para a Europa em um ano, caso tudo corra conforme o esperado. Eles postergaram essa viagem por muito tempo.
É uma curva de aprendizado.
Ainda assim, Andrews reconhece que o rim de porco pode não ser uma solução definitiva. Ele permanece na lista de espera por um órgão humano. Se o rim de porco conseguir servir como uma transição que o mantenha em condições adequadas enquanto aguarda a compatibilidade com um doador humano, isso representaria um avanço médico significativo e um resultado positivo.
Andrews é o quarto paciente americano vivo a receber um transplante de rim de porco geneticamente modificado, e não será o último. Além do estudo clínico em andamento no Mass General em parceria com a empresa de biotecnologia eGenesis, a United Therapeutics Corp – outra principal empresa de biotecnologia que auxilia na criação dos rins de porco – anunciou em fevereiro que receberá autorização para iniciar seus próprios ensaios clínicos com a Universidade de Nova York.
Em março de 2024, Richard Slayman foi o primeiro paciente vivo do mundo a receber um rim de porco geneticamente modificado. A cirurgia no Mass General foi bem-sucedida, porém ele faleceu dois meses depois devido a causas não relacionadas ao transplante.
Os médicos afirmaram ter adquirido grande aprendizado com a experiência envolvendo o caso de Slayman. Riella mencionou que ele possuía cicatrizes no coração após oito anos de diálise, e que provavelmente é relevante tratar pacientes como Andrews, que não necessitaram de diálise por tanto tempo.
Em abril de 2024, Lisa Pisano recebeu o primeiro coração mecânico e um rim de porco geneticamente editado. O órgão falhou em decorrência do fluxo sanguíneo restrito e foi removido no mês seguinte. Ela faleceu em julho de 2024.
Em abril, a NYU removeu o rim de porco geneticamente modificado transplantado para Towana Looney, de 53 anos. O órgão funcionou por quatro meses e nove dias, o período mais longo registrado até então, mas foi necessário devido à rejeição pelo sistema imunológico da paciente.
Os médicos afirmam que determinar como lidar com a rejeição será crucial. Os rins de porco que Andrews e Slayman receberam apresentavam 69 edições genômicas, enquanto o de Looney possuía um número menor. Os médicos ainda não sabem quantas edições são necessárias, mas ambas as versões dos rins de porco modificados contiveram a remoção de genes suínos e a adição de genes humanos para tornar o órgão mais compatível com o corpo humano.
Os pacientes também recebem medicamentos antirreflexo e dispositivos de monitoramento remoto portáteis. Contudo, os médicos ainda estão investigando a quantidade ideal de medicamento e o nível de monitoramento necessários. “É uma curva de aprendizado”, afirmou Riella.
A Riella espera que a xenotransplantação possa solucionar a falta de órgãos no mundo. “Acho que pacientes como Tim serão lembrados como heróis”, disse ela. “Sem eles dispostos a correr o risco, não seríamos capazes de levar isso à clínica.”
Andrews recorda a dificuldade de tomar a decisão. Ele também lembra do tempo que passava sentado por horas na centrífuga. “Difícil aceitar a mortalidade. A gente pensa ‘ah, consigo lidar com isso’ e assim por diante, mas é difícil”, afirmou ele recentemente, voltando para a cadeira verde onde realizava a diálise. “Foi muito difícil perceber que era isso mesmo”.
Ele acreditava que morreria naquele edifício. Encontrou uma alternativa. Espera que sua experiência motive outros a persistirem. “Observo muitas pessoas desistindo”, afirmou Andrews. “Não desista.”
Esta reportagem contou com a contribuição dos correspondentes da CNN, Dr. Sanjay Gupta, Amanda Sealy, Nadia Kounang, Rayna Sims e Melissa Dunst Lipman.
Um doador de órgãos pode salvar até oito vidas, afirma especialista.
Fonte: CNN Brasil