Homem que utilizou veneno de cobras por 18 anos auxilia na produção de soro

Pesquisadores criaram antiveneno eficaz contra 19 espécies de cobras venenosas utilizando anticorpos extraídos do sangue de um autodidata especialista em serpentes.

02/05/2025 15h28

5 min de leitura

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(Imagem de reprodução da internet).

O imunologista Jacob Glanville encontrou reportagens de 2017 sobre um homem que se injetou repetidamente com o veneno de cobras perigosas, como a naja, a mamba e a cascavel.

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“As notícias eram bastante sensacionalistas”, afirmou Glanville. “Cara maluco é mordido por cobras”, disse ele. “Mas quando olhei, percebi que havia um homem bruto ali.”

Tim Friede, especialista autodidata em serpentes da Califórnia, se expôs ao veneno de cobras por quase 18 anos, obtendo imunidade a diversas neurotoxinas.

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“Tivemos essa conversa. E eu disse, sei que é estranho, mas estou muito interessado em examinar um pouco do seu sangue”, relembrou Glanville. “E ele respondeu: Finalmente, estava esperando por essa ligação.”

A parceria entre os dois foi selada, e Friede forneceu uma amostra de 40 mililitros de sangue para Glanville e seus colegas. Oito anos depois, Glanville e Peter Kwong, junto com o professor Richard J. Stock de ciências médicas da Faculdade de Médicos e Cirurgiões Vagelos da Universidade Columbia, publicaram informações sobre um soro antiofídico que pode proteger contra as mordidas de 19 espécies de cobras venenosas – pelo menos em camundongos – utilizando anticorpos do sangue de Friede e um medicamento bloqueador de veneno.

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“Tim, pelo que me consta, possui um histórico sem precedentes. Ele trabalhou com diversas espécies, de todos os continentes que possuem cobras, e alternou entre os venenos ao longo de 17 anos e nove meses, mantendo registros meticulosos durante todo o período”, declarou Glanville.

No entanto, desaconselhamos fortemente qualquer pessoa a tentar o que Tim fez, afirmou Glanville. “Veneno de cobra é perigoso.”

Friede interrompeu a imunização com veneno de cobra em 2018 após diversas ocorrências graves, e atualmente trabalha na empresa de biotecnologia Centivax, de Glanville, onde este último é CEO e presidente. O estudo foi divulgado na sexta-feira na revista científica Cell. A CNN tentou contato com Friede, porém ele não consentiu com a entrevista.

O que fazer em caso de picada de cobra

Se você tiver a infelicidade de ser picado por uma serpente venenosa, a melhor alternativa é um soro antiofídico, que em sua maior parte continua sendo produzido da mesma maneira desde a era vitoriana. O processo tradicionalmente envolve a extração manual do veneno e sua injeção em cavalos ou outros animais em pequenas doses para induzir uma resposta imunológica. O sangue do animal é coletado e purificado para obter anticorpos que atuam contra o veneno.

A produção de antiveneno dessa maneira é complexa e perigosa. O processo é sujeito a erros e o soro final pode causar efeitos colaterais graves. Especialistas têm solicitado métodos mais eficazes para tratar picadas de cobra, que matam aproximadamente 200 pessoas diariamente, sobretudo em países em desenvolvimento, e deixam 400.000 pessoas por ano com sequelas. A Organização Mundial da Saúde incluiu a picada de cobra em sua lista de doenças tropicais negligenciadas em 2017.

Glanville, que cresceu na Guatemala rural, afirmou que sempre esteve ciente dos problemas de saúde decorrentes de picadas de cobra e que reconheceu prontamente a experiência de Friede como uma oportunidade singular. Ao se expor ao veneno de cobras por quase duas décadas, através de injeções e mordidas, Friede desenvolveu anticorpos eficazes contra diversas neurotoxinas de cobra.

Possível de causar uma transformação significativa.

Pesquisadores identificaram anticorpos do sangue de Friede que se ligavam a neurotoxinas presentes nas 19 espécies de cobras avaliadas no estudo, abrangendo cobras-coral, mambas, najas, taipans, kraits e outras.

Esses anticorpos foram então testados individualmente em camundongos envenenados por cada uma das 19 espécies, possibilitando aos cientistas compreenderem sistematicamente o número mínimo de componentes que neutralizariam todos os venenos.

A equipe desenvolveu um coquetel de medicamentos composto por três elementos: dois anticorpos isolados e o fármaco de molécula pequena varespladib, que inibe uma enzima encontrada em 95% das picadas de cobra. O medicamento está em fase de testes clínicos em humanos como tratamento autônomo.

O anticorpo LNX-D09 protegeu camundongos de uma dose letal de veneno de seis espécies de cobra. A adição de varespladib assegurou proteção contra três espécies adicionais. Posteriormente, o anticorpo SNX-B03, isolado do sangue de Friede, expandiu a proteção para 19 espécies. O antiveneno forneceu 100% de proteção aos camundongos contra o veneno de 13 espécies e proteção parcial (20% a 40%) para as seis restantes, conforme observaram os pesquisadores no estudo.

Steven Hall, farmacologista da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, descreveu a abordagem como “uma maneira muito inteligente e criativa” de desenvolver um antiveneno. Hall não participou da pesquisa. Apesar de o coquetel não ter sido testado em humanos, caso seja aprovado para uso clínico, Hall afirmou que a origem humana dos anticorpos provavelmente resultaria em menos efeitos colaterais em comparação com antivenenos produzidos tradicionalmente utilizando cavalos ou outros animais, que frequentemente podem causar reações alérgicas.

É notável pelo uso de um ou dois anticorpos, mais um medicamento de molécula pequena, o que eleva o número de espécies em comparação com um antídoto convencional. Hall acrescentou que demonstra um bom trabalho na evidenciando o potencial de combinar um medicamento de molécula pequena com um anticorpo.

Se chegasse a clínica, seria revolucionário para pessoas a longo prazo. Isso realmente mudaria completamente o campo em termos de tratamento de picadas de cobra, disse ele.

Kwong, da Columbia, afirmou que a pesquisa divulgada concentrou-se em uma categoria de cobras conhecidas como elapídios. Não contemplou viperídeos, o outro grande grupo de cobras venenosas que engloba cascavéis, víboras-de-escama-serrada e outras espécies. Contudo, a equipe está analisando se anticorpos suplementares detectados no sangue de Friede ou de outros indivíduos podem proporcionar proteção contra essa família de cobras viperídeas.

Kwong afirmou: “O produto final contemplaria um único coquetel pan-antiveneno ou, alternativamente, faríamos dois: um para os elapídios e outro para os viperídeos, pois algumas áreas do mundo possuem apenas um ou outro.”

A equipe também pretende realizar pesquisas de campo na Austrália, onde predominam cobras elapídias, possibilitando o uso de antiveneno em cães vítimas de mordidas.

Cobras criadas sozinhas em cativeiro são muito sociais.

Fonte: CNN Brasil

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