Igreja, exército masculino e novo instrumento político de Nikolas Ferreira
A igreja Graça & Paz sediou uma cerimônia singular, conduzida sob a proteção do pai do deputado federal mais votado do Brasil.

Na igreja Graça & Paz, em Belo Horizonte, o culto de domingo apresentou uma manifestação singular. Em vez de trajes formais, houve camisetas e bonés esportivos. A cerimônia incluiu discursos sobre o tema do fortalecimento da masculinidade, liderados pelo pastor Edézio de Oliveira, fundador da igreja e pai do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), e acompanhado por dezenas de fiéis que vestiam uniformes, membros do movimento Legendários.
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O Legendários é um refúgio cristão para homens que propõe trilhas em ambientes naturais, frequentemente em montanhas, buscando resgatar o que eles definem como “identidade original e bíblica”. Originário da Guatemala, o movimento se estabeleceu no Brasil em 2018 e teve rápida expansão. Abrange atividades físicas, ensinamentos religiosos e momentos de introspecção. Sua estética combina elementos de escotismo, do universo militar e da linguagem de programas de desenvolvimento pessoal.
No culto, o pai de Nikolas usava o uniforme completo, assim como os aproximadamente 30 homens que se posicionavam nos primeiros bancos da igreja. A princípio, parecia uma viagem de pescadores no Pantanal. Nas costas das camisas, a inscrição: “Aproveite o trajeto”.
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Antes do início da celebração, o pastor se queixou da igreja vazia, incitando os fiéis, alegando que admiradores de Lady Gaga e Madonna esperaram em filas para shows no Rio de Janeiro, utilizando fraldas geriátricas para não perderem posição próxima ao palco.
Ao apresentar dois bebês, filhos de fiéis, no altar, um menino e uma menina, reforçou a lógica binária de gênero: “Meninos vestem azul, meninas vestem rosa”, declarou o pastor. Em seguida, dois investigadores prestaram depoimentos. Um relatou ter abandonado o cigarro após ascender à montanha. O outro afirmou ter retomado o casamento.
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A música foi liderada por uma banda composta por líderes consagrados, todos uniformizados. Na igreja no domingo, Edécio permaneceu em silêncio e o microfone foi cedido ao pastor Oswaldo Souza, da Batista Central. O pregador convidado é um dos pioneiros dos Legendários em Minas Gerais e uma figura importante do movimento no país. Ele participou de uma expedição na Guatemala em 2018, sentiu-se profundamente tocado e introduziu o conceito em Belo Horizonte.
Apesar de sua trajetória, o grupo alcançou notoriedade recentemente, impulsionado por relatos de influenciadores, incluindo ex-BBBs e personalidades de menor destaque. A primeira edição mineira ocorreu em 2019, com 138 participantes. Segundo Souza, em entrevista ao podcast Papo de Polícia, atualmente contam com mais de 2.500 membros, unicamente na capital mineira. Além disso, ele é ex-executivo de uma multinacional e apoia o armamento da população civil.
Com o filho como chefe de campanha, não seria de se admirar se Edésio Ferreira surgisse como opção ao Senado.
Durante a pregação, declarou que é necessário sofrer para atingir o auge da montanha e criticou as críticas ao movimento. “Os lendários são como os crentes. E crente é igual massa de bolo. Quanto mais bate, mais cresce”, afirmou.
O pastor recebeu com destaque o Major Eid Pereira, que participava do culto. Ex-comandante do esquadrão antibombas do BOPE da PM mineira, Eid é uma figura reconhecida no âmbito da segurança pública. Além disso, ele é lendário.
A celebração religiosa de domingo representou uma nova etapa do projeto político que envolve Nikolas Ferreira.
Na entrada da igreja, um cardeal apresenta os preços de onze livros. Não todas as obras estão disponíveis para compra, porém duas se destacam: O Cristão e Política e Criando Filhos para o Amanhã, ambos escritos por Nikolas.
No livro sobre educação infantil, o pai e a mãe de Nikolas são coautores. Entre outros títulos disponíveis à venda, destacam-se: Feminismo: Perversão e subversão, escrito pela deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL-SC); A mentalidade anticapitalista (de Ludwig von Mises); Geração pornográfica (de Ben Shapiro) e Cartas de um Diabo (de C. S. Lewis).
Em fevereiro, compareci à mesma igreja. Naquela quarta-feira, o galpão com capacidade para 500 pessoas estava quase deserto, com menos de cinquenta indivíduos presentes. Contudo, o discurso ideológico era claro, similar aos vídeos de cultos disponíveis no YouTube: defesa do uso da palmada, crítica à linguagem neutra, condenação ao feminismo e ao aborto.
Naquela noite, o pastor Edésio criticou apostas online. Ironicamente, um dos doadores da campanha de Nikolas é um influenciador que ensina como ficar milionário apostando no Jogo do Tigrinho, conforme revelou o observatório De Olho nos Ruralistas.
Em outubro de 2023, a igreja recebeu a visita de Bolsonaro. “Durante meu tempo no Executivo, não se discutia o avanço de propostas como o aborto, a legalização da maconha, o estabelecimento de um marco temporal ou a relativização da propriedade privada”, declarou o ex-presidente, que proferiu o discurso posicionado entre o pastor e o deputado no altar.
Nikolas Ferreira iniciou sua atuação como ativista aos 17 anos, ao se manifestar contra uma prova de sociologia que tratava da transgeneridade. Ele via a questão como uma “exaltação do movimento LGBT” e escreveu um extenso texto no Facebook, que despertou o interesse de personalidades da direita, incluindo Ana Caroline Campagnolo e a família Bolsonaro.
Com a ascensão da extrema-direita, Nikolas tornou-se assessor parlamentar. Dois anos depois, foi eleito vereador e, no decorrer do mandato, foi reconhecido como o deputado federal mais votado da história do Brasil, com 1,5 milhão de votos.
A igreja do pai atua como sua incubadora ideológica, e Nikolas se tornou uma figura nacional. Ele é o parlamentar mais seguido nas redes sociais. Ultrapassa o presidente Lula no Instagram. Seus vídeos alcançam um público que vai muito além dos apoiadores de Bolsonaro.
Em janeiro, publicou um vídeo criticando uma norma sobre o acompanhamento de transações via Pix. O material se espalhou rapidamente e provocou a retratação da medida pelo governo. Alcançou 200 milhões de visualizações em 24 horas, totalizando 330 milhões. Apesar de ser controverso, o conteúdo gerou impacto direto e rompeu com a bolha ideológica. A estética era minimalista: fundo escuro, camiseta preta e calça jeans.
Recentemente, em 6 de maio, ele retornou com um vídeo sobre as fraudes no INSS. Na ocasião, utilizou inteligência artificial para simular o envelhecimento no final da gravação, uma referência simbólica aos aposentados impactados.
O vídeo alcançou 100 milhões de visualizações em menos de dois dias. Nikolas classificou o caso como “o maior escândalo da história do Brasil”. Afirmou que o governo Bolsonaro tentou aprovar uma Medida Provisória para combater fraudes, porém foi derrotado por partidos de esquerda. Segundo ele, os mesmos partidos passaram a ocupar cargos no INSS, o que teria ampliado os desvios durante o governo Lula.
Nikolas, no entanto, ignora um fato crucial: o esquema teve início no governo Bolsonaro. A fraude se intensificou, mas não começou com o PT. Mesmo assim, o deputado voltou a determinar a agenda. Mobilizou sua força online para pressionar os presidentes da Câmara e do Senado e busca a criação de uma CPI.
Nikolas é mais do que um influenciador. É peça-chave na reorganização da direita para 2026. Tem presença nacional, elegeu vereadores em cidades estratégicas e lota auditórios com suas palestras. Na última sexta-feira 17, esteve em Dourados (MS), visitou o governador Eduardo Riedel (PSDB) e discursou sobre comunicação política.
Nikolas teve seu nome considerado para uma candidatura em São Paulo, contudo, reiterou que buscará uma vaga por Minas Gerais.
Em declarações recentes, não excluiu a possibilidade de disputar a governadoria do estado. Caso concorra, enfrentará o vice-governador Mateus Simões (Novo) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), ambos com a mesma orientação ideológica. Cleitinho é, inclusive, um aliado.
Nikolas, por enquanto, enfrenta uma limitação devido à sua idade: ainda não pode concorrer ao Senado ou à Presidência. Poderá se candidatar a esses cargos a partir de 2034. O nome de seu pai, contudo, é discutido como uma opção alternativa. O pastor Edésio possui carisma e habilidade em discursos – qualidades importantes para a política. Com o filho atuando como seu apoiador, não seria surpreendente vê-lo surgir como uma alternativa ao Senado.
Fonte: Carta Capital