Investigação de homicídio de 688 anos aponta para organização criminosa da Inglaterra medieval; confira
Pesquisas em documentos históricos revelaram indícios de crimes motivados por vingança durante a Idade Média.

O sol se punea em uma rua agitada de Londres, em uma noite de maio de 1337, quando um grupo de homens abordou o padre John Forde. Eles o atacaram com facas, atingindo o pescoço e o abdômen, e então desapareceram.
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Os assassinos foram identificados, porém apenas um dos agressores foi detido. A mulher que possivelmente ordenou o ataque chocante, ÂEla Fitzpayne, uma aristocrata rica e poderosa, nunca foi levada à justiça, conforme os registros históricos que descrevem o caso.
Cerca de setecentos anos depois, surgiram novos elementos sobre os eventos que culminaram no crime hediondo e a nobre que provavelmente o orquestrou. Seus atos criminosos abrangiam roubo, extorsão e o assassinato de Forde, que também fora seu amado.
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Forde (também aparecendo nos registros como “John de Forde”) pode ter integrado uma quadrilha liderada por Fitzpayne, conforme um documento recentemente descoberto. O grupo arrombou um mosteiro sob controle dos franceses na região, explorando o declínio das relações entre Inglaterra e França para coagir a igreja, relataram pesquisadores em um estudo publicado em 6 de junho no periódico Criminal Law Forum.
O padre rebelde poderá ter desobedecido aos seus superiores religiosos. O arcebispo de Canterbury redigiu uma carta em 1332 – também relacionada ao assassinato de Forde, conforme o novo relatório – na qual o denunciava, acusando-a de adultério em série “com cavaleiros e outros, solteiros e casados, e até mesmo com clérigos em ordens sagradas”.
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A carta do arcebispo indicava um dos inúmeros casos de Fitzpayne: Forde, que era sacerdote de uma igreja em uma vila situada nas terras da família da aristocrata, em Dorset. Após essa acusação veemente, a mulher rica sofreu uma penitência pública humilhante.
Anos depois, ela se vingaria matando Forde, afirmou o autor principal do estudo, o Dr. Manuel Eisner, professor da Universidade de Cambridge e diretor do Instituto de Criminologia da instituição.
“Este assassinato de 688 anos nos oferece mais evidências do envolvimento do clero em assuntos seculares e do papel muito ativo das mulheres em gerenciar seus interesses e relacionamentos”, declarou à CNN por e-mail a Dra. Hannah Skoda, professora associada de história medieval no St. John’s College da Universidade de Oxford, que não participou da pesquisa.
“Nesse caso, os eventos se prolongaram excessivamente, com ressentimentos sendo cultivados, busca por vingança sendo realizada e emoções afloradas”, declarou Skoda.
As novas evidências sobre o assassinato de Forde indicam dinâmicas de crimes de vingança na Idade Média, e como executá-los em locais públicos e prestigiosos representava uma demonstração de poder, conforme argumenta Eisner.
O mapa do assassinato
Eisner é cocriador e líder do projeto Medieval Murder Maps, um recurso digital interativo que reúne casos de homicídios e outras mortes repentinas ou suspeitas em Londres, Oxford e York do século XIV. Lançado em Cambridge em 2018, o projeto traduz registros dos “coroners’ rolls” – documentos escritos em latim por legistas medievais com detalhes e motivações dos crimes, baseados nas decisões de júris locais. Os jurados ouviam testemunhas, examinavam evidências e apontavam um suspeito.
Fitzpayne e Forde discutiram, e ela persuadiu seu irmão, dois criados e um capelão, a cometer o assassinato.
Naquela noite terrível, ao se aproximar de Forde na rua e envolvê-lo em uma discussão, os conspiradores realizaram o ataque. O irmão de Fitzpayne perfurou sua garganta e os servos o estenderam com facadas no ventre. Apenas um dos agressores, um escudeiro chamado Hugh Colne, foi detido e encarcerado na prisão de Newgate em 1342.
Eisner, da CNN, relatou que o texto do registro do legista despertou sua fascinação, descrevendo os acontecimentos como “uma cena onírica que conseguimos enxergar através dos séculos”. O relatório o motivou a buscar mais informações.
“Seria interessante conhecer o que os jurados investigativos discutiram”, declarou. “Imagino como e por que ela persuadiu quatro homens a assassinar um padre, e qual era a origem dessa antiga disputa entre ela e John Forde. Foi isso que me motivou a aprofundar a pesquisa.”
Vontade de vingança.
Eisner descobriu a carta do arcebispo em uma dissertação de 2013 da historiadora medieval Helen Matthews. A acusação impunha severas punições e penitência pública a Fitzpayne, como doar grandes somas aos pobres, abster-se de usar ouro ou pedras preciosas e caminhar descalço pelo comprimento da Catedral de Salisbury até o altar, carregando uma vela de cera de cerca de dois quilos.
Ela foi sentenciada a cumprir essa “caminhada da vergonha” anualmente durante sete anos.
Apesar de parecer ter desafiado o arcebispo e não ter realizado a penitência, a humilhação pode ter gerado seu desejo de vingança, apontaram os autores do estudo.
A segunda pista identificada por Eisner era uma investigação de 1322 sobre Forde e a aristocrata, conduzida por uma comissão real, após uma denúncia apresentada por um priorado beneditino francês próximo ao castelo dos Fitzpayne. O relatório foi traduzido e divulgado em 1897, porém não havia sido associado ao assassinato de Forde.
A acusação número 1322 indicou que o grupo da aristocrata — que compreendia Forde e seu marido, Sir Robert, um cavaleiro do reino — arrombou portões e edifícios do priorado, subtraindo aproximadamente 200 ovelhas e cordeiros, 30 porcos e 18 bois, os quais foram levados para o castelo e mantidos como reféns.
Eisner revelou sua surpresa ao constatar que a mulher rica, seu marido e Forde estavam envolvidos em roubo de gado, em um contexto de tensões políticas com a França.
“Este momento foi muito emocionante”, declarou ele. “Eu jamais esperaria ver esses três como membros de um grupo envolvido em uma espécie de guerra de baixo nível contra um priorado francês.”
Especialistas em violência.
Naquela época da história britânica, a violência era frequente entre os habitantes das cidades. Em Oxford, por exemplo, a taxa de assassinatos no final da Idade Média atingia de 60 a 75 mortes por cada 100 mil habitantes – um número cerca de 50 vezes superior ao registrado atualmente.
Registros de Oxford indicam “estudantes em fúria com arcos, espadas, escudos, fundas e pedras”. Outro documento relata uma briga de taverna que se expandiu para um confronto urbano, envolvendo facas e machados de guerra.
Apesar de toda a violência, Skoda enfatizou “isso absolutamente NÃO significa que as pessoas não se importavam com ela”. “No contexto legal, político e comunitário, havia muita preocupação e angústia com os altos níveis de violência.”
Skoda declarou que o projeto Medieval Murder Maps oferece informações interessantes sobre a violência, mas também sobre a preocupação com ela. “As pessoas denunciavam, investigavam, processavam e confiavam muito na lei.”
A trama envolvendo a teia de adultério, extorsão e assassinato de Fitzpayne demonstra que, apesar das restrições sociais, certas mulheres na Londres medieval ainda possuíam autonomia – sobretudo quando se tratava de homicídios.
“Não foi a única mulher que recrutou homens para matar, em busca de proteger sua reputação”, afirmou Eisner. “Observamos um evento violento que surge de um mundo onde os membros da elite eram especialistas em violência, dispostos e aptos a matar como forma de preservar o poder.”
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Fonte por: CNN Brasil