A um ano e meio das eleições de 2026, a esquerda brasileira busca alternativas para discutir o futuro, sem estar presa às ações do governo Lula. Reconectar-se à base trabalhadora, evitar temas relacionados ao bolsonarismo e conquistar a opinião pública fora das redes sociais são tarefas urgentes, aponta a ex-deputada Manuela D’ Ávila.
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Manuela se afastou da política institucional – não disputa eleições desde 2020 e, em 2024, desfiliou-se do PCdoB. Indica que em breve voltará a integrar um partido. “Uma coisa da qual sempre me orgulhei, é a forma de disputa da política mais avançada.”
O sucesso do Festival Mulheres em Luta, com a participação de milhares de pessoas e parlamentares de oito partidos, confirmou a convicção na criação de amplas frentes: “Precisamos articular agendas comuns que eliminem as barreiras partidárias”.
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Nesse esforço, ela percebe a luta pelo fim da escala 6×1 – movimento que surgiu pelas mães de ex-balconista Rick Azevedo, atualmente vereador pelo PSOL no Rio – como o experimento mais ousado e com raízes na classe trabalhadora que emergiu nos últimos tempos. “Está ligado a uma agenda de classe e lembra que a vida não cabe só no trabalho”, afirma a CartaCapital. “Nosso desafio é fazer com que esse tipo de mobilização caiba na vida do povo trabalhador.”
Analise os pontos-chave da entrevista.
CartaCapital: Como a esquerda consegue chegar a 2026? A melhora na popularidade de Lula e o ajuste na comunicação serão suficientes para impedir o avanço da extrema-direita?
Manuela DâÃvila: É necessário intensificar a capacidade e a disputa de valores na sociedade, apresentando-os ao povo. Não se pode deixar tudo nas mãos e sob a responsabilidade do governo. A extrema-direita disputa em muitos aspectos. Também não é possível acreditar que nossos problemas são de comunicação, no sentido estrito. A questão com as redes é mais complexa do que um problema de comunicação. Precisamos fazer a disputa fora do governo. Socialmente. É essa disputa que precisamos reforçar para aumentar nossa chance de vitória em 2026.
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A esquerda enfrenta desafios na mobilização do público. Demandas como o fim da escala 12×1 podem representar uma via de retomada do contato com a população?
O Vida Além do Trabalho é uma das iniciativas mais inovadoras, audaciosas e ligadas à classe trabalhadora que surgiram recentemente. Está associado a uma agenda de classe e, ao mesmo tempo, questiona a ideia de que a vida não se resume ao trabalho. Nosso desafio é garantir que esse tipo de mobilização se encaixe na vida do povo trabalhador, pois, por vezes, as pessoas dizem: “Ah, mas não se mobilizou”. Será que nossa expectativa de participação não é tendenciosa? Houve consequências práticas. O Rick [Azevedo, fundador do movimento] foi eleito, Lula o incorporou em sua agenda. Se isso não é consequência, o que é?
Sim, eu tenho a intenção de retornar a ser partidário.
A proposta de anistia está progredindo por meio da flexibilização das punições, como você observa? E há a discussão sobre a possibilidade de impunidade para Bolsonaro?
Estamos avançando na percepção de que tentaram perpetrar um golpe de Estado, e as pesquisas mostram que a população tem se colocado progressivamente contra a anistia. No entanto, para mim, essa ainda é uma agenda em torno deles. Diferente do VAT, que é uma agenda em torno do que nós podemos pensar para o Brasil e para o mundo. É importante que não nos iludamos achando que a força de Bolsonaro se materializa com ele anistiado.
Há mudanças na abordagem para combater a violência política, especialmente contra mulheres?
Não realizamos tarefas escolares. O parlamento brasileiro nunca puniu de forma efetiva um parlamentar que reproduz violência política de gênero e raça. Nós sempre banalizamos essa violência nos espaços institucionais brasileiros.
Um primeiro passo para assegurar o encerramento da violência política de gênero, com o fim dos conteúdos que promovem o machismo publicitário, é a revisão dos códigos de ética dos parlamentos em todos os níveis, considerando que tais práticas são contrárias ao que o parlamento reconhece como digno para seus membros.
Você coordenou recentemente o Festival Mulheres em Luta. Qual o resultado disso no Brasil?
O saldo foi totalmente positivo. Ouvimos 3 mil mulheres e 350 parlamentares de oito partidos. O evento reiterou a necessidade de articular agendas comuns, que eliminem as barreiras impostas pelos partidos. Respeitando a organização partidária das mulheres e suas escolhas, conseguimos construir uma agenda comum – de luta e de reafirmação da importância das mulheres para combater a extrema-direita.
Ademais, aventamos a concepção de uma agenda formulada pelas mulheres, uma agenda que abordasse questões referentes ao universo do trabalho, uma agenda que contemplasse a urgência da crise climática. Reitera-se, sob minha compreensão, a importância do desenvolvimento dessa frente ampla, e da luta pelo conteúdo dessa frente ampla, a partir do movimento social, dos espaços de agregação social das mulheres brasileiras.
Após oito eleições e diversos mandatos, você se desligou do PCdoB e atualmente não possui partido. Almeja retornar à política institucional?
Uma questão é o meu afastamento do PCdoB, outra é o fato de eu não ter concorrido a eleição. Nunca declarei que deixaria de disputar institucionalmente, apenas renunciei a uma eleição, por razões bem evidentes: o volume de violência contra mim e minha família.
Ter partido é uma questão da qual sempre me orgulho, acredito que a política partidária é a forma mais avançada de disputa política. Então, sim, eu pretendo voltar a ter um partido. Não me orgulho de não ter um partido, não faço discurso anti-partido. E não relaciono uma coisa com a outra. eu posso me filiar a um partido e não concorrer a eleição, porque eu acredito na necessidade de organização política.
Fonte: Carta Capital