Médicos independentes recebem intimidações de organização criminosa do setor anestésico
26/04/2025 às 2h56

Romper o vínculo com a máfia que controlava a área de anestesia no Distrito Federal não era uma tarefa simples para os médicos que buscavam se afastar da organização que atuava em desacordo com as normas de compliance. Os profissionais que tentavam estabelecer relações trabalhistas com hospitais desvinculados da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF) eram alvo de ligações e mensagens intimidadoras.
Testemunhas relatam que ouvir a proposta de uma unidade de saúde que não colaborava com o cartel equivalia a declarar guerra ao esquema. Uma das vítimas foi denunciada na Polícia Civil do DF (PCDF) e no Hospital da Criança, onde trabalhava, após realizar um plantão em um hospital com o qual um grupo ligado à Coopanest-DF havia rescindido contrato pouco antes.
Mensagens capturadas por meio de um aplicativo demonstram um contexto de vinganças. A vítima denunciada recebeu informações de um colega que agiu de forma antiética e será denunciado às autoridades competentes.
Infelizmente, você se associou deliberadamente a essas pessoas, incorrendo em falta de ética de acordo com o Código de Ética Médica do CFM. Denúncias estão sendo feitas em diversas instâncias do Conselho Regional de Medicina, Conselho Federal de Medicina, Sociedade Brasileira de Anestesiologia e Sindicato dos Médicos.
LEIA TAMBÉM:
● Indivíduo assassina sobrinho de 14 anos com golpes de martelo em almoço familiar
● Sem rodeios: o que Collor ingeriu durante o período de detenção
● Funcionários públicos são investigados por terem auxiliado em assaltos a bancos que visavam a Caixa
O mesmo remetente, que não ocultava o rosto ao intimidar a profissional, comunicou em outra mensagem que ela seria desligada da cooperativa.
Você está, neste momento, suspenso da Coopanest. Será iniciado processo de sua expulsão, caso participe do movimento da categoria contra aqueles que buscam apropriar-se de honorários médicos, valorizados devido ao trabalho da cooperativa nos últimos 40 anos, sem que haja, por ora, previsão de expulsão.
Ainda há tempo, deixem-nos desesperados procurando, é para não ter mesmo, é para vir conversar conosco, para que possamos trabalhar sem ter que pagar nada… está faltando anestesistas em Brasília, muitas oportunidades existem.
Diante da retaliação, os anestesistas interromperam o atendimento no hospital afetado, o que resultou na redução das 40 cirurgias diárias para 10 devido à falta de profissionais.
Caça
Naquela época de ameaças, o esquema visava um hospital particular da capital federal, que se desligou do grupo que controlava os serviços de anestesiologia na instituição, gerando ameaças veladas aos médicos que mantivessem qualquer ligação com a unidade.
Uma nova vítima foi informada de que seu imediato cancelamento da Coopanest-DF ocorreria caso continuasse a realizar plantões no hospital particular. Ela recebeu notificação de “abertura de processo de eliminação de cooperado”, a qual também era destinada aos demais três anestesistas que permaneciam no local.
Um profissional informou que a notificação continha assinaturas ilegíveis, impossibilitando a identificação dos signatários. Adicionalmente, o médico recebeu mensagens de tom ameaçador.
“Como ficou a negociação com o dono do hospital? Ele ofereceu algo? Ainda quer tirar dinheiro dos anestesistas. Nossa causa é legítima, você não está sendo honesto. Qual legado você está deixando para eles?”, disse, enviando uma foto dos filhos do anestesista.
As capturas de tela apresentadas na investigação policial indicam que as mensagens eram sempre enviadas pelo mesmo remetente.
Um anestesista, vinculado à cooperativa, comunicou ao filho do diretor do hospital que era necessário persuadir o médico titular, alegando que o estabelecimento seria fechado. A declaração reflete a agressão da denominada “máfia da anestesia” à autonomia do hospital e dos médicos que se opõem.
Foram relatadas pressões vindas de familiares e até acusações de perseguição em diferentes contextos profissionais. Em um caso, uma médica recebeu a informação de que seu filho, recém-formado, não conseguiria encontrar emprego em Brasília.
Operação Toque de Midaz
O caso se junta às investigações da Operação Toque de Midaz, iniciada em abril pela Polícia Civil do DF e pelo Ministério Público. A ação visa os principais envolvidos da Coopanest-DF, suspeitos de fazerem parte de uma organização criminosa relacionada ao cartel da anestesiologia na capital.
A investigação aponta que o grupo estabelece limitações para médicos independentes, firma parcerias exclusivas com operadoras de saúde e emprega intimidação para exercer controle sobre os serviços em hospitais públicos e privados.
A cooperativa rejeita as alegações. Em comunicado, declarou que não cometeu cartel ou qualquer irregularidade e ressaltou que atua com ética há mais de 40 anos. A defesa assegura ainda que irá comprovar a legalidade das ações de seus diretores.
Fonte: Metrópoles