O ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, relatou, pela primeira vez, sua versão sobre a trama golpista ocorrida durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira (19).
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Durante as mais de duas horas de depoimento, o general reduziu a importância da chamada minuta golpista (segundo ele, um “estudo”, não um documento), questionou informações apresentadas à Polícia Federal e foi repreendido pelo ministro Alexandre de Moraes, que interrompeu o depoimento e sugeriu que o general estivesse mentindo.
Diferentemente do que foi anteriormente informado à PF, Freire Gomes negou ter presenciado qualquer “conluio” entre Bolsonaro e o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, em conversas sobre a adoção de medidas para impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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“Ou o senhor subornou a verdade na Polícia Federal ou está falseando a verdade aqui”, declarou Moraes, que exigiu clareza e exatidão do general, apontado pela PF como uma das figuras “decisivas” para que o suposto plano de golpe de Estado não tenha ocorrido.
Moraes questionou Freire Gomes sobre a suposta minuta do golpe. O militar alegou que Bolsonaro apresentou um “estudo”, e não um documento, fundamentado em “aspectos jurídicos e baseados na Constituição”, o que não surpreenderia a alta escaleta das Três Forças.
O estudo foi encaminhado para avaliação dos comandantes. O documento detalhava a implementação de medidas, incluindo estado de sítio e Garantia de Lei e da Ordem (GLO), que possibilitaria o exercício das Forças Armadas como forças policiais em situações de desequilíbrio institucional.
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Possivelmente ele [Bolsonaro] nos mostrou, em certa medida, alguns parágrafos do documento relacionados ao estado de Defesa, GLO. Estava nos informando que iria iniciar esses estudos, afirmou o militar durante o depoimento.
Apesar das informações estarem “baseadas na Constituição”, como afirmou, o general disse que o Exército não participaria de nada que extrapolasse a “competência constitucional”, e chegou a alertar o ex-chefe do Executivo sobre o assunto.
O ponto principal é que aquilo que caberia ao Exército, nós não vislumbramos como poderíamos participar disso. O que foi alertado ao presidente é que ele deveria se atentar a esses aspectos e ele concordou que não havia o que fazer. E eu disse que o Exército não participaria de algo que extrapolasse nossa competência constitucional.
Ele também afirma que Bolsonaro foi responsável pela redução da versão preliminar apresentada por Felipe Martins, durante a presença do ex-presidente e do ex-comandante da Aeronáutica.
O depoimento de Freire Gomes iniciou o processo criminal contra Bolsonaro e outras 36 pessoas, incluindo militares, aliados e ex-ministros, acusadas de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado no Brasil.
Ao ser questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre se o ex-presidente teria dado alguma ordem para que as Forças Armadas se dirigissem ao QG do Exército em 2022, o militar negou. Ele afirmou que Bolsonaro nunca se dirigiu a ele “para esse tipo de atitude”.
Reuniões com comandantes, Bolsonaro e ministros: “Analisando o tema juridicamente”
O general Marco Antônio Freire Gomes mencionou uma reunião ministerial que reuniu os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, com o então presidente, em 2022, ano das eleições presidenciais.
O contexto do encontro, contudo, fez com que o general aparentasse ser eminentemente político. Segundo ele, foram levantadas questões políticas e eleitorais. Freire Gomes mencionou que foram feitas críticas ao sistema eleitoral, porém os comandantes permaneceram em silêncio, apenas ouvindo.
Freire Gomes reiterou que não foi constatada fraude eleitoral. “A premissa que nos foi apresentada em relação a essa comissão era investigar vulnerabilidades de forma abrangente. Não necessariamente fraude.”
A convite de Bolsonaro, os três comandantes também foram convocados em 7 de setembro de 2022 para outra reunião, no Palácio da Alvorada. Nessa ocasião, foi apresentada a minuta supostamente elaborada pelo então assessor-especial do chefe do Executivo, Felipe Martins.
O presidente apenas nos comunicou que estaria analisando o tema sob o aspecto jurídico e não solicitou nossa opinião, seguiu-se.
Tivemos várias reuniões, e cada um manifestava sua opinião quando solicitado pelo presidente.
Eu estava concentrado na minha lealdade para ser transparente com o presidente. O brigadeiro Baptista Junior se opôs a qualquer proposição naquele momento. Por ter sido muito assertivo, o ministro da Defesa, se me lembro, permaneceu em silêncio. E o Garnier não percebi como uma conspiração.
Após comentar a posição de Garnier, Freire Gomes foi alertado por Moraes.
A testemunha não pode omitir o que sabe, vou dar uma chance para que a testemunha diga a verdade. Se mentiu na Polícia, reconheça aqui. Não pode vir aqui e afirmar que não lembra, que está focado somente no seu posicionamento. O senhor é comandante do Exército, está preparado para lidar com pressão. Pense bem antes de responder, porque na PF o senhor disse que Jr. e Garnier manifestaram expressamente apoio.
Depoimento à PF
O depoimento de Marco Antônio Freire Gomes à Polícia Federal ocorreu em março de 2024 e se estendeu por mais de oito horas.
Ele foi ouvido sob a condição de testemunha, após assumir o compromisso de responder a todas as questões.
Freire Gomes foi chamado para fornecer informações à Polícia Federal após mais de 20 investigados – todos envolvidos na Operação Tempus Veritatis, iniciada em fevereiro do mesmo ano.
O relatório da Polícia Federal que fundamentou a ordem de busca e apreensão contra 24 investigados indica que Freire Gomes não participou de um plano para executar um golpe de Estado.
Foi apelidado de “cagão” pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, e candidato a vice-presidente nas eleições de 2022.
Ademais de Freira Gomes, foram ouvidos na segunda-feira (19) o ex-integrante do Ministério da Justiça, Clebson Ferreira de Paula Vieira; o ex-coordenador da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Adiel Pereira Alcântara e Áder Lindsay Magalhães Balbino, proprietário de empresa contratada pelo PL para fiscalizar o processo eleitoral.
O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, que se encontra fora do Brasil, deve depor na quarta-feira (21).
Fonte: CNN Brasil