Moradores da favela do Moinho relatam ter recebido instruções para aumentar seus ganhos financeiros

Funcionários do CDHU orientaram pessoas sem renda a alegar uma renda de R$1.500 para obter a carta de crédito.

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(Imagem de reprodução da internet).

Moradores da favela Moinho, em São Paulo, relatam que funcionários da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) incentivam parte da comunidade a aumentar o valor declarado na renda familiar nos cadastros da empresa, visando obter a carta de crédito disponibilizada para aqueles que deixarão a favela.

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Compreenda a situação.

Salário Mínimo

Uma mulher desempregada, residente na favela do Moinho com quatro filhos, teve sua renda familiar modificada no cadastro pelo CDHU.

Ela declarou ao Metrópoles que a proposta de falsidade em relação à situação financeira foi apresentada durante o atendimento na empresa, quando informou aos funcionários que possuía apenas o Bolsa Família para manter o lar.

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Eles afirmaram que poderiam realizar o cadastro, embora eu não tivesse garantia de receber o benefício da moradia devido à minha renda insuficiente. Então, questionaram se poderia incluir que minha renda era de um salário mínimo. Respondi: “Está bem. Se o que eu ganho não atende ao que vocês estão falando para obter a moradia, pode colocar que tenho um salário mínimo”.

A mulher, que permanecerá anônima nesta reportagem por precaução contra possíveis retaliações, relata que indagou os funcionários da empresa sobre a comprovação de uma renda inexistente. “Eles responderam: ‘Não se preocupe, a gente dá um jeito aqui’. Foi quando apresentei todos os documentos que solicitaram e realizei o cadastro para moradia.”

Diversos relatos do mesmo tipo circulam na comunidade. Alexssandra Aparecida da Silva, de 46 anos, relata que vários vizinhos enfrentam a mesma situação.

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A CDHU afirmou que era necessário elaborar uma carta por conta própria, declarando a renda mínima, pois somente famílias com esse tipo de renda serão atendidas, conforme relato.

O advogado Vitor Nery declarou que há “materialidade” nas denúncias e que os casos estão sendo investigados pelo escritório. “Nós já sabemos de alguns moradores [que tiveram o valor da renda alterado]. Inclusive, alguns que já aceitaram [as condições do CDHU], já mudaram e estão em uma situação ainda mais vulnerável e problemática”, afirmou.

O advogado afirma que o poder público não pode disseminar informações falsas em documentos oficiais, defendendo que indivíduos sem condições de arcar com financiamento imobiliário devem ser incluídos em programas de habitação gratuita.

A CDHU não respondeu às denúncias mencionadas quando questionada sobre o caso.

A empresa declarou que os critérios de elegibilidade nos cartões de crédito são “a partir de um salário mínimo” e que “todas as exceções serão consideradas para o melhor direcionamento, com parcerias com outros órgãos para aumento da renda, ações de assistência social”.

O governo também convidou a União para, da mesma forma que a Prefeitura, fornecer recursos visando garantir o atendimento completo a todos os moradores da favela.

A desocupação

As denúncias relacionadas ao cadastro para cartões de crédito adicionaram mais um capítulo à complexa trama da Favela do Moinho, que ficou conhecida como o último conjunto habitacional no centro de São Paulo e que atualmente enfrenta um processo de desocupação intensificado.

O terreno é da União, porém o governo estadual negocia a doação do espaço para a construção de um parque e uma estação. Paralelamente às negociações entre as esferas de poder, a CDHU tem intensificado as abordagens aos moradores para que abandonem a ocupação, localizada entre duas linhas de trem.

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) disponibiliza auxílios-moradia e opções de cartas de crédito com valores de até R$ 200 mil ou R$ 250 mil, conforme a localização do imóvel.

A CDHU relata que 86% da população aceitou as propostas da companhia para a saída da favela, embora uma parcela dos moradores afirme ter concordado com os termos por receio de perder o moradia e ser vítima de violência no processo de reintegração de posse.

Na comunidade, o assunto é constante nas conversas entre os moradores. “Estamos realizando um financiamento que não desejamos, que não se adequa ao nosso orçamento”, afirmou a comerciante Claudinei Leão, de 34 anos. “Se eu não conseguir pagar, eles vão tomar e eu vou voltar para onde?”.

Ela informou ao Metrópoles que destinará recursos para a construção de uma moradia do CDHU na Vila Nova Cachoeirinha, região periférica da zona norte. As alternativas apresentadas no centro, segundo ela, não condizem com a realidade das famílias da favela.

Tenho interesse em todas as kitnets e quartos disponíveis. Possuo três filhos, não aluguéis de apartamento de um quarto, especialmente os localizados na periferia, considerando que o valor a ser pago seria o mesmo que um de dois.

Rafael Freitas Porto, 35 anos, é um dos moradores que não aceitou as condições da CDHU e ainda desconhece o que ocorrerá com sua família. Há 13 anos, o baiano reside no Moinho, onde se instalou para acompanhar o tratamento do filho, que possui deficiência e é atendido na Santa Casa.

Eu não voltarei para casa com meu filho, que está em tratamento na Santa Casa, se ele for para Itaquera.

Na terça-feira (22/4), diversos moradores abandonaram suas residências na favela. Josefa Flor da Silva, com 74 anos, também se deslocou. Ela residia na zona leste há 25 anos, no Moinho.

“Não esperarei três anos para que um apartamento seja construído [neste centro]. O que eu adquiri já está pronto”, declarou, afirmando que também prefere ter uma vida “mais tranquila” em Itaquera.

Fonte: Metrópoles

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