No Distrito Federal, 61% das pessoas não autorizaram a doação de órgãos de parentes
29/04/2025 às 2h23

A decisão de doar órgãos no Brasil, mesmo expressa pelo paciente em vida, necessita da autorização da família. O falecimento de um familiar é sempre uma situação delicada para os parentes, porém, pode ser transformado em um ato de esperança ao oferecer uma nova vida para indivíduos que necessitam de transplante.
No Distrito Federal, 955 indivíduos aguardam por um transplante de órgão, uma situação que intensifica a angústia diante de dados complexos.
Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), em 2024, 61% das famílias consultadas na capital do país se opôs à doação de órgãos do falecido. Foram conduzidas 168 entrevistas com familiares de potenciais doadores. Esse índice supera a média nacional de recusas (46%).
O estudo também indica que o índice é superior ao registrado em 2023, quando menos de metade dos familiares entrevistados no DF não concordaram que fossem retirados os órgãos e tecidos para doação (49%).
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Identifique as razões para a não realização de doações de órgãos no Distrito Federal, em 2024.
Após a confirmação da morte encefálica do paciente, a família é entrevistada por uma equipe de profissionais de saúde, para receber informações sobre o processo de doação e transplantes, e solicitar o consentimento para a doação.
Não é necessário registrar a intenção de doador em cartórios, nem informar o desejo de doar em documentos; a família precisa saber sobre a vontade do indivíduo de ser doador após a morte. Contudo, a negativa também ocorre, mesmo quando a pessoa tiver declarado em vida o desejo de ser doador.
Após a confirmação do desejo da família em doar os órgãos do paciente falecido, a equipe de saúde realiza outra etapa da entrevista, que abrange a investigação do histórico clínico do possível doador. O objetivo é verificar se os hábitos do doador podem levar ao desenvolvimento de doenças ou infecções que têm chances de serem transmitidas ao receptor.
Realização de doações
O cirurgião cardiovascular Fernando Atik aponta que a taxa de efetividade dos procedimentos no Distrito Federal está abaixo da média nacional. Em 2023, dos 163 doadores elegíveis, 41 tiveram os órgãos doados na capital, o número corresponde a uma taxa de 13,7% por milhão de população.
Grande parte dos transplantes realizados no Distrito Federal foram provenientes de doadores de outros estados e não de doadores locais. O aumento de doadores locais possibilitaria melhores resultados, pois o tempo de isquemia seria menor, além de reduzir a necessidade de alocação de recursos para a captação do órgão, uma vez que não seria preciso contar com aeronaves e uma logística extremamente dispendiosa.
De acordo com um especialista em transplante de coração, a negativa dos familiares em autorizar a doação pode estar ligada a desinformação, questões religiosas ou desconfiança no sistema de saúde. Ele ressalta que a condução da entrevista com a família também pode influenciar a decisão.
Além do luto, há também um receio recorrente entre familiares: o medo de que o corpo do ente querido seja mutilado, atrasos na liberação para o velório e dúvidas sobre o respeito ao corpo após a doação. “Tudo isso pesa na decisão. Infelizmente, mesmo com a legislação prevendo a autorização familiar, muitas vezes o processo acaba interrompido por essas inseguranças”.
Em comparação com estados como Santa Catarina, Paraná e Ceará – que historicamente registram os maiores índices de doação do país –, o Distrito Federal se encontra em posição inferior. “Esses números servem como um alerta. Precisamos fazer mais, pois a situação atual não está funcionando como deveria”, afirma o médico.
Entrevista com foco no ser humano.
O Ministério da Saúde coordena o Sistema Nacional de Transplantes. Em Brasília, essa responsabilidade é desempenhada pela Central Estadual de Transplantes do Distrito Federal (CET-DF).
A central é responsável pela coordenação das atividades de transplantes que envolvem a rede pública e privada de saúde. Compete exclusivamente a ela as atividades relacionadas ao gerenciamento do cadastro de potenciais receptores, recebimento das notificações de morte encefálica, promoção da organização logística da doação e captação estadual e/ou interestadual, bem como a distribuição dos órgãos e/ou tecidos removidos no Distrito Federal.
Os servidores do Núcleo de Organização de Busca de Órgãos geralmente conduzem as entrevistas com os familiares de potenciais doadores. Alguns hospitais contam com profissionais treinados nas Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante.
O diácom familiares de potenciais doadores de órgãos é essencial, pois, nesse contexto de sofrimento, o apoio pode impactar a decisão da família. Uma postura atenciosa, respeitosa e transparente auxilia na criação de confiança, diminui a oposição e possibilita que o parente compreenda a relevância do ato de doar.
É necessário que a equipe que acompanha o paciente deixe a família esclarecida sobre o processo da morte encefálica e, sempre que possível e desejado, que eles possam acompanhar os exames. Assim, no momento da entrevista, eles não tenham mais dúvidas de como tudo ocorreu. Cada caso é um caso. Algumas famílias já conseguem conversar em seguida e outras, optamos por dar mais tempo. Dependerá do que o entrevistador sentir.
Cuidados e acompanhamento após o transplante.
Elvis Silva Magalhães, 58 anos, vive com anemia falciforme há mais de 38 anos, doença hereditária marcada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue. Devido à condição, necessitou de múltiplas transfusões de sangue e apresentou complicações hepáticas.
Em 2005, o escritor passou por um transplante de medula óssea, o único tratamento que curou a condição. O doador foi um de seus irmãos. Apesar do procedimento ter sido bem-sucedido, Elvis continuou a apresentar sequelas no fígado, devido ao acúmulo de ferro no órgão.
Em 2018, o fígado de Elvis se tornou falido e ele precisou entrar na fila de transplante. “Eu nem acreditei na hora, porque não passava pela minha cabeça a doação. Achava que a gente ia conseguir tratar com medicações. O meu quadro era tão grave que entrei como primeiro na fila. Foi um milagre eu ter conseguido um fígado novo em 10 dias”, relembra.
O órgão que recebeu foi de Roraima. A cirurgia de transplante ocorreu no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal (ICTDF). “Meu receio era não sobreviver até aparecer um doador. O risco de ter algum dano cerebral era diário”, relata.
A doação deu esperança de vida a Elvis, que, até então, tinha risco iminente de morte. Dois anos após esse processo, tive a satisfação de ver meu neto nascer e conviver com ele, que era algo que antes eu não imaginava conseguir. Tento fazer a vida valer a pena porque muitos pacientes como eu não sobreviveram.
Lei de conscientização
A Lei nº 7.335, de 9 de novembro de 2023, instituiu a Política Distrital de Conscientização e Incentivo à Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos no Distrito Federal.
A legislação define orientações para incrementar o volume de doações e a qualidade do suporte aos pacientes transplantados, abrangendo iniciativas de apoio às famílias, treinamento de profissionais de saúde, campanhas de conscientização e a expansão do acesso a serviços especializados.
O decreto também assegura apoio psicológico aos transplantados e seus familiares, garante o fornecimento contínuo de medicamentos e promove o incentivo à reinserção socioeconômica de pessoas transplantadas no mercado de trabalho.
Fonte: Metrópoles