Novo medicamento experimental para obesidade demonstrou eficácia sem alterar o apetite
Em estudos com animais, a molécula investigada demonstrou a habilidade de evitar o acúmulo de gordura e de combater a obesidade e as disfunções metabólicas correlatas.

Um estudo publicado na quinta-feira (17) na revista Nature Metabolism descreve um fármaco experimental que incentiva as células do tecido adiposo a gerar calor – processo denominado termogênese –, o que leva à perda de peso.
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Em estudos com animais, o composto demonstrou a capacidade de evitar o acúmulo de gordura em condições de dieta rica em lipídios, bem como de tratar a obesidade já existente e reverter as disfunções metabólicas associadas, incluindo a resistência à insulina. Resultados iniciais do ensaio clínico sugerem que a substância é segura e indicam que, em humanos, também pode haver benefícios para o metabolismo.
Observamos perda de peso e melhora da glicemia nos voluntários obesos que participaram do ensaio clínico de fase 1. No entanto, esse resultado não é conclusivo, devido ao tamanho reduzido do grupo e ao objetivo de avaliar a segurança e a tolerabilidade do composto. Planejamos iniciar ainda este ano o estudo de fase 2 – este sim projetado para testar a eficácia no tratamento da obesidade, conforme explica Carlos Escande, pesquisador do Institut Pasteur de Montevideo (Uruguai) e coordenador da pesquisa.
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Atualmente denominado SANA (do inglês salicylate-based nitroalkene), o fármaco experimental é um derivado do salicilato — composto químico com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias encontrado naturalmente em plantas e que originou medicamentos como a aspirina (ácido acetilsalicílico). De acordo com Escande, seu grupo buscava inicialmente desenvolver uma droga com ação anti-inflamatória. E para isso testou diversas modificações químicas na molécula de salicilato.
Desejávamos que o precursor utilizado fosse o mais seguro possível. E o salicilato é a droga que se conhece há mais tempo, muitas pessoas consomem seus derivados diariamente. No entanto, observamos que, em vez de proteger contra a inflamação, a molécula que sintetizamos protege contra a obesidade induzida pela dieta, diz o pesquisador.
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Duas abordagens distintas foram utilizadas para avaliar esse efeito em animais. Na primeira, SANA foi administrada a camundongos concomitantemente com uma dieta rica em gordura, resultando na prevenção completa do ganho de peso, enquanto os animais do grupo controle apresentaram um aumento de peso entre 40% e 50% ao longo de oito semanas. Na segunda, o tratamento foi iniciado quando os animais já estavam obesos. Após três semanas, observou-se uma perda de 20% da massa corporal, juntamente com a redução da glicemia, a melhora da sensibilidade à insulina e a diminuição da gordura acumulada no fígado (esteatose hepática, condição para a qual ainda não há um tratamento farmacológico eficaz).
Primeiro da turma.
A etapa seguinte consistiu em analisar o modo de ação da substância, sendo realizada com a participação de nove pesquisadores brasileiros: Marcelo Mori, Pedro Vieira e Larissa Menezes dos Reis, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); William Festuccia e Luiz Osório Leiria, da Universidade de São Paulo (USP); Juliana Camacho-Pereira, Marina Santo Chichierchio, Gabriele Barbosa e Leonardo de Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O trabalho recebeu apoio da Fapesp através de três projetos (20/04159-8, 21/08354-2 e 22/11234-1).
Os estudos demonstraram que a SANA atua de forma específica no tecido adiposo e estimula a termogênese através de um mecanismo não convencional, sendo considerada “first-in-class”, a primeira de uma nova classe de medicamentos para o tratamento da obesidade. Não há ação no sistema nervoso central ou no sistema digestivo, nem influência sobre o apetite.
Os autores explicam que a termogênese geralmente é mediada por uma proteína presente na mitocôndria (a organela que gera energia para as células), a UCP1, que é ativada em certas situações – como a exposição ao frio, por exemplo – e interfere na síntese de ATP (trifosfato de adenosina, o combustível celular), fazendo com que a energia gerada pela respiração celular seja dissipada na forma de calor. No entanto, essa não é a realidade da SANA.
O medicamento inovador leva os adipócitos a utilizarem a creatina – um composto composto por três aminoácidos: arginina, glicina e metionina – como fonte de energia para gerar calor, sem a intervenção da proteína UCP1.
Verificamos com camundongos geneticamente modificados, sem a expressão da proteína UCP1, e constatamos que SANA ativa a termogênese nesses animais, mesmo na ausência de UCP1 e em condições de termoneutralidade, sem exposição ao frio, conforme explica William Festuccia, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
O pesquisador afirma que o impacto na temperatura corporal observado é mínimo e não representa risco relevante à saúde. “Termogênicos mais antigos, como o dinitrofenol, exercem efeito sobre as mitocôndrias do corpo inteiro, provocando uma elevação considerável da temperatura e sobrecarga ao sistema cardiovascular, que necessita aumentar a pressão arterial para que o sangue alcance a periferia e dissipe o calor. No entanto, no caso de SANA, a ação se restringe às mitocôndrias do tecido adiposo”, explica.
Em experimentos conduzidos por Marcelo Mori no Instituto de Biologia da Unicamp, constatou-se que a SANA exerce influência sobre enzimas relacionadas ao ciclo fútil da creatina, um processo termogênico no qual o composto de aminoácidos é repetidamente transformado em fosfocreatina e retorna à creatina, utilizando ATP e liberando energia na forma de calor.
A combinação de SANA com outras substâncias já empregadas no tratamento da obesidade, como os anás de GLP-1 [semaglutida e similares], é possível devido ao seu tamanho molecular e mecanismo de ação distintos, avalia Mori. Quando diminuímos a ingestão de alimentos, nosso corpo tende a reduzir o metabolismo. Seria interessante associar uma molécula que inibe o apetite a outra que promove o gasto calórico.
Apesar de eficazes no combate à obesidade e no controle glicêmico, conforme aponta Mori, os anás de GLP-1 tendem a promover também a perda de massa magra, o que representa um problema, sobretudo para idosos. “é importante considerar outras opções”, conclui.
O derivado de nitroalqueno de salicilato, SANA, estimula a termogênese dependente de creatina e favorece a perda de peso.
A prática de exercícios físicos isoladamente pode reverter aspectos do envelhecimento associados à obesidade.
Fonte por: CNN Brasil