O segundo papa do Sul Global

Diferentemente da era do Leão, o mundo atual não possui um movimento operário, socialista, robusto e estabelecido que represente uma ameaça ao capitalismo.

09/05/2025 13h15

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(Imagem de reprodução da internet).

As constantes evoluções da indústria, os novos rumos das artes, a transformação das relações entre trabalhadores e empregadores, a influência da riqueza em um grupo restrito em contraste com a pobreza da maioria.

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Estão sendo discutidos esses temas que iniciam a encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891 pelo Papa Leão XIII.

O documento surge em um contexto de avanço do capitalismo industrial e da consequente superexploração da classe trabalhadora. Outra consequência disso foi um movimento operário e socialista cada vez mais forte. Dezesseis anos antes, os dois maiores partidos socialistas da Alemanha se unificavam no Congresso de Gotha. Em 1886, greves eclodiam em Chicago e em outras cidades dos EUA. O historiador Eric Hobsbawm registra que “os sindicatos formados na expansão do final da década de 1880 recrutaram trabalhadores de todos os níveis de qualificação e adotaram inúmeras formas de organização”.

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O avanço tecnológico da indústria levou Leão XIII a considerar “difícil, efetivamente, precisar com exatidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho”. Apesar de demonstrar preocupação com as condições de vida da classe trabalhadora, denunciando os patrões “ávidos de ganância e de insaciável ambição” e reconhecendo que o fruto do trabalho deve ser do trabalhador, não poupou críticas à “solução socialista”, incapaz de “por termo ao conflito” e injusta por “violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social”.

A Rerum Novarum também não negligencia a propriedade privada como um direito natural, a família como instituição “real e anterior a toda sociedade civil” e a desigualdade como traço da natureza. Ao mesmo tempo, demonstra preocupação, até então inédita na Igreja Católica, com a miséria do operariado que surgia das revoluções industriais. Por razões óbvias, não era possível criticar os excessos do modo de produção capitalista sem dar atenção aos movimentos políticos revolucionários onde a promessa da salvação não reside na vida eterna, mas na vida terrena.

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Assim se consolidou a Doutrina Social da Igreja, com adaptações ao longo do século XX, preservando o espírito estabelecido pelo Papa Leão XIII.

Na tarde de quinta-feira, 8 de maio, foi escolhido o novo Papa. Robert Prevost, um norte-americano que não aparecia nas principais previsões, foi eleito com apenas dois dias de duração do conclave, indicando um certo acordo entre os cardeais participantes – o que não é surpreendente considerando que 80% do colégio cardinalício foram nomeados por Francisco.

A seleção rápida do Papa demonstra uma Igreja coesa, com poucas divergências e uma clara intenção de manter a continuidade do pontificado anterior.

Prevost, apesar de ser americano, fortaleceu sua atuação religiosa no Peru, onde chegou em 1985, ocupando o cargo de bispo em Chiclayo, no noroeste do país, de 2015 a 2023. Em seu pronunciamento diante do público na Praça de São Pedro, utilizou o espanhol, mencionando sua diocese no continente latino-americano, onde também possui cidadania.

A designação Leão XIV, em referência ao autor de Rerum Novarum, constitui um projeto. Ao contrário do período do Leão anterior, o mundo atual não possui um movimento operário, socialista, robusto e estabelecido que possa representar uma ameaça ao capitalismo. Existe, contudo, uma classe trabalhadora cada vez mais precarizada e explorada, submetida à insalubridade migratória e aos sofrimentos do trabalho informal e sem segurança. A rotina de trabalho dos motoristas de aplicativo, por exemplo, assemelha-se bastante à dos trabalhadores na época de Leão XIII.

Diferentemente do último Leão (e até de João Paulo II), Prevost não precisará se preocupar com comunistas. Essa preocupação restringe-se a uma direita que, por sinal, já demonstra descontentamento com o mais novo Bispo de Roma.

A designação de um nacionalidade peruana, a seleção do nome e a eleição por um colegiado majoritariamente indicado pelo Papa Francisco indicam que ele obteve a escolha de seu sucessor.

O segundo papa do Sul Global.

Fonte: Carta Capital

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