O pirarucu, um peixe de grande porte da Amazônia, já é encontrado em rios de cinco estados além de seu domínio natural. Além de São Paulo e Bahia, pescadores capturaram o animal em águas de Minas Gerais e em rios do Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
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O registro indica que o peixe amazônico está se expandindo pelo país. Fora de seu ambiente natural, a espécie, que atrai pescadores e turistas, é vista como exótica e ameaça a fauna original.
No Minas Gerais, além do Rio Grande, na divisa com São Paulo, foram identificados pirarucus no Lago de Furnas, município de Guapé, no interior do estado.
O peixe amazônico também foi detectado na Bacia do Prata, no Pantanal, com avistamentos nos rios Cuiabá e Paraguai. Existem criações do peixe em cativeiro nessas áreas. O Paraguai é o rio pantaneiro predominante.
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No Mato Grosso, o peixe foi capturado em rios que não fazem parte de seu bioma natural, como o Teles Pires e o Juruena. Em 2024, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) autorizou a pesca do pirarucu nesses rios, onde essa espécie é considerada exótica.
No Bahia, um peixe de grande porte foi capturado este mês nos municípios de Dom Basílio e Pau d’Arco, em Malhada. Apesar de localizadas na mesma região, sudoeste baiano, as duas cidades estão separadas por 260 quilômetros, o que sugere que o peixe pode ter se deslocado por meio dos rios da bacia do São Francisco. O exemplar mais pesado atingiu 87 quilos.
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Em Cardoso e Mira Estrela, cidades paulistas localizadas às margens do Rio Grande e seus afluentes, a pesca do pirarucu atrai turistas e há registros frequentes da captura de exemplares de grande porte.
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), por meio da Diretoria de Biodiversidade e Biotecnologia, classifica a espécie como exótica no Estado de São Paulo, o que representa um risco para as espécies nativas. “Após a captura, os peixes não devem ser devolvidos ao ambiente natural”, adverte. A secretaria recomenda o envio do pescado para cativeiros autorizados e instituições de pesquisa.
A introdução de uma espécie nativa invasora, que se alimenta de peixes e outros animais aquáticos, preocupa pesquisadores. O risco é de impacto nas populações locais de peixes e no ecossistema aquático, uma vez que, nesses rios, não há predadores naturais do pirarucu, conforme alerta a pesquisadora Lidiane Franceschini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Ilha Solteira.
Desde 2022, ela investiga a espécie e seu desenvolvimento em rios não amazônicos, onde o peixe tem sido capturado com maior frequência no Rio Grande. “Devido à falta de predadores naturais ou espécies concorrentes, o pirarucu pode levar à extinção local de espécies de peixes invertebrados e competir por recursos ambientais com outras espécies. Sua presença pode resultar na redução de espécies importantes para a pesca regional”, afirma.
Lidiane desenvolve um projeto de pesquisa, com a coordenação da professora Lilian Casatti, para analisar os impactos da presença do pirarucu (Arapaima gigas), um dos maiores peixes de água doce do planeta, que pode atingir mais de três metros de comprimento e pesar até 200 quilos, nas águas da região Sudeste. Até o momento, o pirarucu foi encontrado principalmente entre as barragens das usinas hidrelétricas de Marimbondó e Água Vermelha, em um trecho de 120 quilômetros do rio Grande.
Ela indica que o pirarucu é uma espécie carnívora generalista ou onívora (alimenta-se de tudo), que frequentemente se encontra no topo da cadeia alimentar.
Uma vez que as espécies se encontram no ambiente aquático, reverter essa situação é quase impossível, segundo a pesquisadora. “Atualmente, a principal medida de controle dessas espécies é a liberação da pesca esportiva e artesanal profissional durante todo o ano, mas é medida insuficiente para conter essas invasões biológicas.”
À beira da extinção.
Na década de 1990, pesquisadores que estudavam o pirarucu previram sua extinção total devido à pesca excessiva. O peixe habita rios da região amazônica e é pouco encontrado nos cursos hídricos.
A espécie, apesar de compartilhar características com outros peixes, possui uma bexiga natatória modificada, necessitando subir à superfície da água a cada dez minutos, em média, para respirar. Essa característica a torna vulnerável aos pescadores, mas também auxiliou no estudo e assegurou sua sobrevivência.
O sinal foi acionado e diversos projetos de pesquisa e manejo sustentável iniciaram o desenvolvimento da criação sustentável do pirarucu. A ação mobilizou órgãos do governo, empresas e organizações ambientais, buscando envolver as comunidades ribeirinhas, organizações de pescadores e povos indígenas no apoio ao pirarucu. Constataram-se até casos de formação de sentinelas para monitorar os lagos e evitar a pesca predatória.
Um dos projetos, o Gosto da Amazônia, atua em parceria com o Coletivo do Pirarucu, uma organização que, desde 2018, reúne pescadores, representantes de organizações de base, técnicos de extensão, pesquisadores e agentes governamentais para fortalecer o manejo do pirarucu nas bacias dos rios Purus, Negro, Juruá e Solimões. O projeto possui ligação direta com restaurantes em algumas das principais capitais do país.
Na última quinta-feira, ao receber o presidente Lula, o presidente do Chile, Gabriel Boric, recebeu um prato servido no almoço oficial, composto por carne de pirarucu proveniente do Médio Juruá, resultado de manejo sustentável da Amazônia. O saboroso peixe, apelidado de “bacalhau brasileiro”, foi preparado grelhado na manteiga de sálvia.
Em 2022, a Associação de Produtores Rurais de Caruaru (Asproc) obteve a instalação de um frigorífico na cidade para processar, embalar e comercializar a carne de pirarucu. Os recursos são distribuídos diretamente aos associados, que seguem as normas de cada comunidade. Atualmente, mais de 2,5 mil famílias participam do manejo do peixe.
Em fevereiro deste ano, o Ibama lançou o Programa Arapaima para promover ações comunitárias de proteção dos ambientes aquáticos onde habitam as populações de pirarucu, além de incentivar a organização coletiva dos pescadores envolvidos no manejo e gerar benefícios socioeconômicos para as comunidades participantes da conservação dos ecossistemas de várzea amazônica.
Da Época dos Dinossauros
Apesar das lendas amazônicas que o atribuem a um indígena malvado, punido por Tupã e transformado no peixe de cauda avermelhada que habita as profundezas dos rios, o peixe é reconhecido como um fóssil vivo. De acordo com a Embrapa, o gigante da Amazônia já existia no planeta antes do surgimento do primeiro ser humano e conviveu com os dinossauros. Há registros de fósseis com mais de 100 milhões de anos.
Fonte: CNN Brasil