Perdemos Pepe Mujica. A última vez em que estive com ele foi em 2022, nas vésperas da eleição do presidente Lula, em um encontro com lideranças políticas e de movimentos sociais.
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Recordo-me claramente de que ali se encontravam figuras como Guilherme Boulos e Manuela DâÃvila e a mensagem que o líder uruguaio transmitiu a essa geração de combatentes foi sobre a importância de nunca abandonar os próprios objetivos, ilustrando com episódios de sua própria trajetória.
Mujica se destacou por uma força interior inexplicável e inesgotável. Lutou contra a ditadura militar em seu país como guerrilheiro Tupamarino. Detido por quase 14 anos, sofreu tortura e permaneceu em condições terríveis de isolamento e sobrevivência, até ser libertado em 1985. Com a redemocratização, atuou institucionalmente, integrou-se à Frente Ampla, foi eleito deputado, senador, atuou como ministro e se elegeu presidente da República.
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Sua trajetória notável sempre me impressionou, especialmente pela constante manutenção da esperança, pela ausência de ressentimentos em relação ao passado difícil e, sobretudo, pela capacidade de liderar servindo de exemplo.
Sua vida, de extrema simplicidade, provoca reflexões profundas e apresenta grande semelhança com o pontificado do Papa Francisco – uma perda irreparável para aqueles que acreditam no verdadeiro sentido do amor cristão. Ambos se esforçaram não apenas em governar pelos pobres, mas em viver em consonância com eles.
Mesmo exercendo a presidência da República, Pepe preferiu manter-se como um homem do campo, deslocando-se frequentemente entre sua fazenda e o Palácio Estevez, em Montevidéu, utilizando seu famoso Fusca azul e ignorando as conveniências do cargo, o que frustrava sua equipe de segurança.
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Não se tratou de uma opção populista, como afirmavam alguns de seus poucos críticos, mas de uma simplicidade autêntica. Isso não contudo, que não houvesse um sentido político no “voto de pobreza”. Acredito que tenha sido uma demonstração de seu caráter incorruptível, de compromisso social e, principalmente, do resgate de uma bendita utopia política, de sonho de um outro mundo possível, comunicando os sentimentos que sempre moveram a esquerda latino-americana.
A escolha resultou tão bem que o chefe de Estado de um país de pouco mais de 3 milhões de habitantes e de pouca relevância diante das grandes potências tornou-se um ícone internacional. Seu desaparecimento, já antecipado por ele próprio meses antes, foi notícia em todo o mundo e provocou manifestações de diversos governantes.
Devido a essas características, em um mundo tão árido e egoísta, aquele senhor quase nonagenário permaneceu como uma das principais inspirações políticas da juventude latino-americana nas últimas décadas.
Voltei a ouvi-lo pela última vez. Pepe Mujica incentivou a todos falando de sua fé no povo e de sua confiança inabalável em projetos coletivos como a única solução para os dilemas da Humanidade. Pepe nos ensinou o que é liderar pelo exemplo, um exemplo que inspira!
Fonte: Carta Capital