Pesquisa aponta falta de diretrizes no tratamento do câncer pelo SUS

Diversos hospitais continuam a empregar fármacos mais antigos, que apresentam menor eficácia, apesar da disponibilidade de opções superiores e já autorizadas.

01/05/2025 14h22

6 min de leitura

Imagem PreCarregada
(Imagem de reprodução da internet).

Os hospitais brasileiros do Sistema Único de Saúde (SUS) apresentam atraso em relação aos protocolos de tratamento do câncer, conforme as diretrizes nacionais e internacionais de referência. Mesmo com as normas existentes, estas não conseguem guiar a prática assistencial de forma efetiva devido aos recursos disponíveis e recomendados.

Os dados que sustentam esta análise foram coletados entre 20 de setembro de 2023 e 8 de janeiro de 2024, em um novo levantamento conduzido pelo Instituto Oncoguia. Dentre os 318 hospitais oncologizados no Brasil, que receberam o convite para participar, apenas 95 responderam ao questionário, e destes, apenas 64 enviaram documentos com informações mais detalhadas para análise. Os protocolos dos hospitais foram comparados a três listas de referência: as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDTs) do Ministério da Saúde, a Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a escala de benefício clínico da European Society for Medical Oncology (ESMO).

É preocupante que 69% dos hospitais não tenham enviado protocolos de tratamento completos para os cinco tipos de câncer analisados no estudo – mama, pulmão, melanoma, próstata e colorretal. Mesmo considerando os quatro tipos mais comuns (mama, próstata, colorretal e pulmão), 61% deles não forneceram protocolos completos.

Os números não deixam margem para dúvidas: a rede de atenção oncológica no Brasil permanece desorganizada e vulnerável. A análise demonstra que as desigualdades no acesso ao tratamento do câncer pelo SUS persistem e, oito anos após a primeira avaliação, as mudanças são poucas. Em 2017, o Instituto Oncoguia conduziu uma investigação inédita para compreender como os hospitais oncológicos do SUS atendiam os pacientes. O resultado daquela pesquisa já era preocupante. Em 2023, retomamos o ponto de partida, com a mesma questão: o meu SUS continua diferente do seu? A resposta, infelizmente, ainda é sim.

LEIA TAMBÉM:

Diretrizes de tratamento insuficientes.

Na câncer de mama, houve boa adesão à quimioterapia, em casos curativos (neo/adjuvante) e em casos paliativos. Apesar da disponibilidade do medicamento pertuzumabe, incluso nas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDTs) e acessível por compra centralizada, muitos hospitais ainda não o oferecem. O PCDT – primeiro protocolo clínico específico para o câncer de mama – foi publicado em novembro de 2024 e não foi utilizado como comparador no estudo, pois não era a referência nacional para os hospitais no momento da coleta de dados.

O cenário também expõe outro problema: com exceção da diretriz para mama, cuja versão que prevalece é a de 2014, as diretrizes diagnósticas e terapêuticas disponíveis para os demais tipos estudados estão desatualizadas. A diretriz vigente para o câncer de próstata é de 2016, para colorretal, de 2014, e a única mais recente é a do melanoma, publicada em 2022. Um descompasso evidente entre o avanço da ciência e o que está disponível na rede pública.

No câncer de próstata, os dados indicam grande adesão à hormonioterapia nos centros de tratamento brasileiros, porém o uso de medicamentos mais recentes, como abiraterona, enzalutamida, darolutamida e apalutamida, permanece bastante restrito. A abiraterona figura em alguns protocolos – e mesmo assim não está incluída na DDT em vigor.

Muitos hospitais continuam utilizando medicamentos mais antigos e menos eficazes, apesar da existência de alternativas superiores, reconhecidas e recomendadas pelo Ministério da Saúde. Isso reflete o desalinhamento entre as diretrizes e a prática clínica, impactando diretamente os pacientes em tratamento. Na região Nordeste, apenas 28% dos hospitais informaram disponibilizar medicamentos mais recentes, com uma taxa geral de 52%.

Não disponíveis.

A quimioterapia apresenta boa eficácia no tratamento do câncer de pulmão, em fases iniciais e avançadas. No entanto, as terapias direcionadas e imunoterapias apresentam um cenário diferente.

Os inibidores de EGFR, aprovados pela Conitec desde 2013 e o crizotinibe, incorporado em 2022, estão disponíveis em apenas 4,7% dos hospitais avaliados. A carência dessas terapias impacta negativamente a probabilidade de resposta ao tratamento. A ausência de imunoterapia no SUS continua a privar pacientes de recursos que poderiam melhorar sua qualidade de vida. Apenas 51% dos hospitais relataram ter acesso a inibidores de EGFR, em desacordo com a diretriz de 2014 que já o recomendava.

Em relação ao câncer colorretal, a quimioterapia segue os padrões das diretrizes, porém há escassez de disponibilidade de anticorpos anti-VEGF e anti-EGFR – terapias já consolidadas na prática clínica internacional e recomendadas por todas as fontes consultadas (DDTs, OMS e ESMO). Isso limita as opções terapêuticas e diminui a qualidade do atendimento oferecido. A oferta dessas terapias no Nordeste é de apenas 14%, enquanto no Sudeste atinge 53% (anti-VEGF) e 47% (anti-EGFR).

No melanoma, a situação é ainda mais preocupante. A imunoterapia, embora recomendada nas diretrizes, não está efetivamente disponível. A diretriz também não especifica o uso em cenário adjuvante. Muitos hospitais ainda utilizam o interferon, um tratamento ultrapassado e com elevada toxicidade, ignorando terapias mais modernas como os inibidores de PD-1. A consequência é uma abordagem menos eficaz e mais desgastante para os pacientes. Em alguns serviços, ainda se utiliza a dacarbazina, já substituída por terapias mais eficazes desde 2020, quando a imunoterapia foi incluída no SUS.

Protocolos integrados

As conclusões do estudo são claras: o SUS não possui um padrão nacional real de cuidado oncológico — o que existe são expectativas normativas. A ausência de protocolos unificados, obrigatórios e atualizados leva cada hospital a operar dentro de suas próprias possibilidades, gerando um cenário de improviso e desigualdade. A ineficácia das diretrizes clínicas e a falta de regulação efetiva denunciam uma fragilidade estrutural. Não se trata de falhas isoladas, mas de um modelo que não assegura acesso justo ao tratamento.

Observou-se que as desigualdades regionais continuam presentes. Os estados do Acre (AC), Mato Grosso (MT) e Pernambuco (PE) não apresentaram respostas. Por outro lado, todos os hospitais dos estados do Amazonas (AM), Amapá (AP), Distrito Federal (DF), Pará (PA), Roraima (RR) e Tocantins (TO) participaram integralmente. Isso evidencia que o problema é sistemático, e não aleatório.

Um aspecto fundamental é a falta de indicadores públicos que avaliem o acesso real a terapias oncológicas no SUS. O estudo Oncoguia é um dos poucos documentos com esse nível de detalhamento. Essa ausência de dados dificulta o acompanhamento da rede e prejudica a criação de políticas eficazes.

A falta de protocolos abrangentes para o manejo de diferentes tipos de câncer em 61% dos hospitais indica desorganização e possível negligência na administração. A publicação dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) é urgente e deve ser acompanhada de financiamento, capacitação e monitoramento.

O estudo que conduzimos é, principalmente, um alerta. A espécie de câncer e a região onde o paciente reside determinam quem sobrevive e quem não sobrevive. O Brasil deve assegurar que todos os pacientes tenham acesso ao melhor tratamento possível, independentemente de seu endereço. Isso demanda não apenas novos protocolos, mas uma transformação estrutural na maneira como o SUS organiza e mantém o atendimento oncológico em todo o país.

Acompanhe a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e no Canal do Whatsapp e esteja sempre atualizado sobre o assunto!

Fonte: Metrópoles

Ative nossas Notificações

Ative nossas Notificações

Fique por dentro das últimas notícias em tempo real!

Utilizamos cookies como explicado em nossa Política de Privacidade, ao continuar em nosso site você aceita tais condições.