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Por que Israel quer fechar a agência da ONU em Gaza?


Por que Israel quer fechar a agência da ONU em Gaza?
(Foto Reprodução da Internet)

A interrupção do financiamento de diversos países ocidentais para uma agência da ONU que ajuda os palestinos gerou dúvidas sobre o que vai acontecer com os 5,9 milhões de refugiados que recebem assistência dela.

Os Estados Unidos e 12 parceiros suspenderam o financiamento à UNRWA, agência da ONU de ajuda a refugiados palestinos. Isso ocorreu após Israel acusar funcionários da agência de envolvimento no ataque do Hamas, no qual morreram 1.200 pessoas e mais de 250 foram feitas reféns.

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Em seguida, Israel entrou em guerra com o Hamas, o que resultou na morte de mais de 26 mil pessoas em Gaza, de acordo com o ministério da saúde controlado pelo grupo. A guerra também causou o deslocamento da maioria dos 2,3 milhões de habitantes do território, que agora precisam de ajuda humanitária.

Apesar de poucos detalhes, um responsável israelense disse que Israel compartilhou informações sobre o suposto envolvimento de 12 dos 10 mil funcionários da UNRWA em Gaza nos ataques de 7 de Outubro com a própria agência e os Estados Unidos.

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A UNRWA demitiu alguns funcionários após receber acusações e iniciou uma investigação. Eles garantiram que qualquer pessoa envolvida nos ataques no dia 7 de outubro será responsabilizada, até mesmo com processo criminal, se for considerada culpada.

Mas, para além das alegações dos últimos dias, Israel tem problemas de longa data com a UNRWA, acusando-a de ajudar o Hamas e pedindo pelo fim de suas atividades.

Isso afeta muitos palestinos que contam com ajuda da UNRWA para se sustentar.

Como a agência da ONU em Gaza funciona?

A UNRWA foi criada pelas Nações Unidas um ano após a guerra entre árabes e israelenses em 1948, que resultou no estabelecimento de Israel e na saída forçada de mais de 700 mil palestinos de suas casas, evento conhecido como Nakba pelos palestinos.

A agência ajuda e presta serviços aos refugiados palestinos e seus descendentes, além de oferecer emprego para eles. Ela possui mais de 30 mil funcionários em todo o Oriente Médio, com escritórios em Nova York, Genebra e Bruxelas. Na Faixa de Gaza, há mais de 10 mil funcionários da agência.

A UNRWA é exclusiva: é a única agência da ONU dedicada a um grupo específico de refugiados em áreas específicas. Embora o seu objectivo seja apoiar os refugiados palestinos, a UNRWA não tem um mandato para reassentá-los, um mandato que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem. O ACNUR, no entanto, não tem mandato sobre os refugiados palestinos dentro das áreas de operação da UNRWA.

No ano passado, a agência tinha um orçamento de 1,6 bilhão de dólares. A maior parte desse valor foi destinada à educação e saúde, seguidos de investimentos em serviços como infraestrutura e melhoria dos campos para refugiados.

Após a guerra em Gaza, a UNRWA pediu urgentemente mais 481 milhões de dólares para suprir necessidades humanitárias urgentes.

O que pode acontecer se a agência parar?

A UNRWA é um grupo importante de ajuda em Gaza. Cerca de dois milhões de pessoas contam com a agência para receber ajuda. Um milhão delas usa os abrigos da UNRWA para obter comida e cuidados de saúde durante os conflitos em Gaza.

A agência tem dado tudo o que os habitantes de Gaza precisam há muitos anos, como comida, cuidados de saúde, educação e apoio emocional.

Em parceria com o Crescente Vermelho Palestino, a UNRWA é responsável pela maior parte da ajuda da ONU que chega à região. A agência opera 11 centros onde são distribuídos alimentos para um milhão de pessoas em Gaza.

A ONU alertou que o financiamento atual é insuficiente e que a UNRWA poderá ficar sem recursos até fevereiro.

Leo Cans, chefe da missão Palestina dos Médicos Sem Fronteiras, disse no domingo que a situação pode se deteriorar, uma vez que a ajuda que chega à Gaza já é insuficiente.

“Se os caminhões pararem, as pessoas vão morrer de fome muito rápido”, disse ele.

A paralisação das operações da UNRWA teve um impacto que vai além de Gaza. Muitos palestinos refugiados, que vivem em países como Jordânia, Síria e Líbano, também dependem da ajuda da agência.

Os palestinos em Gaza estão muito preocupados com a possibilidade de perder o apoio da UNRWA. Em um abrigo escolar em Deir al Balah, os moradores de Gaza expressaram suas preocupações sobre as dificuldades que enfrentarão se a UNRWA interromper sua ajuda.

“Segundo Um Mohammad Al Khabbaz, uma mulher palestina moradora do abrigo, a UNRWA é responsável por auxiliar refugiados e pessoas deslocadas. Se a ajuda parar, o que será encontrado como alternativa?”

Alaa Khdeir, professor universitário, classificou a medida como “uma decisão opressiva para o povo palestino”.

“Isto significará mais fome, pobreza e privação, o que em última análise significa morte”, acrescentou Khdeir. “Isto não é apenas um problema; isso é um crime. Isso acaba com as pessoas.”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou no domingo (28) aos países que suspenderam o financiamento à UNRWA, os incentivando a reconsiderar as suas decisões.

“Peço enfaticamente aos governos que interromperam suas contribuições para que, pelo menos, garantam a continuação das operações da UNRWA”, disse ele. “As graves necessidades das populações desesperadas que os funcionários da UNRWA atendem precisam ser supridas.”

Não sabemos qual seria a possível substituição da UNRWA caso esta tivesse que interromper suas atividades. Yuval Shany, professor da Faculdade de Direito da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse que se a UNRWA tivesse que sair de Gaza, é provável que Israel queira uma saída gradual para evitar um aumento do problema humanitário no território.

“A razão pela qual Israel não pressionou fortemente pelo desmantelamento da UNRWA, apesar de suas críticas frequentes, é porque a organização fornece serviços humanitários essenciais”, explicou Shany. Ele acrescentou que, dada a situação atual em Gaza, pode não ser realista eliminar completamente a presença da UNRWA no território.

Por que Israel se opõe à agência das Nações Unidas?

Os líderes de Israel criticaram a UNRWA antes mesmo de 7 de outubro. Eles não concordam com o papel da organização em Gaza e em outros lugares, também não concordam com a definição de quem é considerado refugiado palestino. Recentemente, eles tentaram desvalorizar a agência e propuseram acabar completamente com ela.

Em 2018, os EUA, sob a administração do Presidente Donald Trump, encerraram todo o financiamento da agência a pedido de Israel, com o Departamento de Estado descrevendo o organismo como “irremediavelmente falho”. Quando Joe Biden se tornou presidente em 2021, reverteu a decisão do seu antecessor e restaurou o financiamento da UNRWA.

Os Estados Unidos são, há bastante tempo, o país que mais doa para a UNRWA.

Em 2017, o líder de Israel, Benjamin Netanyahu, tentou encerrar a UNRWA e unir essa organização com a principal agência da ONU voltada para refugiados, chamada ACNUR.

Recentemente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Israel Katz, expressou a intenção de impedir a atuação da agência da ONU em Gaza após a guerra, afirmando que Israel não irá colaborar nessa situação.

“Há anos que alertamos”, disse Katz. “A UNRWA perpetua a questão dos refugiados, obstrui a paz e serve como braço civil do Hamas em Gaza.”

A UNRWA negou repetidamente as alegações israelenses de que a sua ajuda é desviada ao Hamas e de que ensina o ódio nas suas escolas, e questionou “a motivação daqueles que fazem tais afirmações, através de grandes campanhas de defesa”. A agência condenou o ataque de 7 de Outubro como “abominável”.

A ideia de tirar a organização UNRWA de Gaza deixou os funcionários da ONU e aqueles que dependem dela preocupados.

De acordo com Shany, da Universidade Hebraica, Israel não acredita que a UNRWA seja um elemento chave na resolução do conflito.

Israel considera a agência como um elemento que mantém o conflito entre israelenses e palestinos, especialmente em relação ao direito de retorno, ao classificar como refugiados aqueles que descendem dos refugiados de 1948.

O direito de retorno trata da possibilidade dos refugiados palestinos e seus descendentes voltarem para suas antigas casas em Israel, de acordo com a Resolução 194 da ONU em 1948. Esse assunto é muito polêmico na questão entre israelenses e palestinos.

Israel também vê a UNRWA como tendenciosa contra ela, disse Shany, acrescentando que é “considerada por Israel como uma das agências da ONU mais hostis contra ela nas arenas internacionais”.

A agência define refugiados palestinos como aqueles que foram desapropriados das suas casas durante a criação do Estado de Israel em 1948, bem como os seus descendentes. Isso equivale a 5,9 milhões de pessoas hoje. Israel opõe-se ao retorno, argumentando que um fluxo tão grande de palestinos anularia o seu caráter judaico.

A UNRWA perpetua “a narrativa do chamado direito de retorno, cujo objetivo é a eliminação do Estado de Israel. Por estas razões, a UNRWA deveria ser encerrada”, disse Netanyahu em 2018.

De acordo com a UNRWA, mais de 1,6 milhões de pessoas em Gaza são refugiadas, de uma população total de mais de dois milhões de habitantes.

Segundo Israel, a UNRWA continua incentivando a ideia de que as pessoas de Gaza eventualmente retornarão a Israel, o que as motiva a resistir. Foi isso que Shany explicou.


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