Preços, juros e reindustrialização: pode o aumento dos custos nos EUA ser benéfico para o Brasil?
Imposto sobre a exportação de produtos brasileiros pode diminuir a inflação de alimentos e promover a variedade econômica.

Faltam dois dias para que a tarifação dos Estados Unidos sobre as exportações brasileiras entre em vigor, e o governo federal ainda tenta reverter a medida por considerá-la injusta e prejudicial à economia nacional. Os EUA são o segundo maior importador de produtos brasileiros. Assim, a imposição de uma taxa extra de 50% sobre qualquer compra de produtos brasileiros pode frear a atividade econômica no Brasil e causar desemprego.
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A taxação, contudo, não teria apenas consequências negativas para a economia brasileira, de acordo com economistas consultados pelo Brasil de Fato. A medida anunciada por Trump pode auxiliar na diminuição da inflação de alimentos, provocar uma redução das taxas de juros e até mesmo impulsionar a reindustrialização.
Alimento.
A diminuição dos preços de certos alimentos exportados do Brasil para os Estados Unidos é o impacto positivo mais imediato do tarifário. Caso a venda de uma porção da produção agropecuária nacional seja afetada pela taxa, parte desses produtos deve ser direcionada ao mercado interno, o que aumentaria a oferta e diminuiria os preços.
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De acordo com Lucas Tadeu Ferreira, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café, essa situação já foi observada no Brasil, com o consumo de café. Ele afirmou que, a partir de abril, quando Trump anunciou as primeiras tarifas contra o Brasil e outros países, negociadores brasileiros do grão passaram a desconfiar das políticas protecionistas do presidente americano e a direcionar vendas para o mercado interno.
Devido a isso e também em razão do progresso da colheita de grãos no país, o preço da bebida desvalorizou-se pela primeira vez em 18 meses. A redução de 0,36% foi comunicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira (25).
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Conforme Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cortes como estes também ocorrem com suco de laranja, frutas em geral, carne bovina e pescados. A produção de todos eles tem parte relevante destinada aos EUA. No caso do suco de laranja, 95% da produção do Brasil é exportada, sendo que 42% vai para os EUA, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR).
O suco de frutas no Brasil apresenta alta de 7,95% nos últimos 12 meses. Isso é superior aos 6,66% acumulados pela inflação de alimentos e também aos 5,35% da inflação geral do período.
As carnes e o café apresentam aumentos significativos. Os itens registraram altas de 23,63% e de 77,88% nos últimos 12 meses, respectivamente. Uma redução nos preços de ambos traria alívio financeiro ao consumidor e um controle na inflação.
A inflação deverá apresentar efeitos positivos, sobretudo em produtos alimentícios, conforme avalia José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB).
“No caso do café, isso seria muito positivo, considerando a importância do café moído nos gastos do consumidor”, acrescentou José Giacomo Baccarin, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero (IFZ).
Juros
A alimentação representa atualmente o principal fator da inflação no país. O índice oficial de aumento de preços no país está acima da meta de até 4,5% estabelecida para o ano. Em decorrência disso, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou a taxa básica de juros da economia, a Selic, para 15% ao ano – a maior desde 2006.
A redução nos preços de alguns produtos alimentícios pode diminuir a inflação e possibilitar a redução das taxas de juros, conforme ressaltou Weiss. Isso representaria outro impacto positivo da tarifa.
Weiss afirmou que o tarifário também deve diminuir o ritmo de produção de indústrias voltadas para a exportação. Isso fortalecerá a necessidade do Banco Central reduzir as taxas de juros para manter o patamar de atividade da economia brasileira.
Com taxas de juros menores, o endividamento e a inadimplência tendem a diminuir. Paralelamente, investimentos que necessitam de financiamento podem se tornar possíveis.
Indústria
Weiss afirmou que, da forma como ocorreu com os alimentos, o aço no Brasil deverá se tornar mais barato com a privatização. Ele propõe um projeto nacional para que o produto seja empregado como matéria-prima pela indústria brasileira.
“Seria possível elevar o processamento do aço no Brasil para diminuir a importação de aço acabado pela indústria nacional”, declarou ele. Segundo ele, o setor naval poderia aproveitar parte do aço com o investimento da Petrobras nos estaleiros.
O docente enfatizou que isso dependeria da implementação de uma estratégia nacional para incentivar a indústria. Ele defendeu, inclusive, que restrições aos investimentos federais estabelecidos pelo arcabouço fiscal sejam reduzidas para que o Estado possa proteger a economia brasileira e elaborar estratégias de longo prazo para superar o protecionismo.
Ele afirmou: “Na enchente do Rio Grande do Sul houve isso”, lembrando que o governo federal destinou mais de R$ 100 bilhões à reconstrução do Estado atingido por cheias em 2024. “Poderia-se usar esse valor para financiar novos projetos.”
Oreiro, da UnB, declarou que o setor industrial apresenta a menor capacidade de adaptação e resposta à política tarifária de Trump. Por isso, ele também defende uma ajuda especial do poder público ao setor. “O avião da Embraer pode ser substituído nos EUA pelo similar da Boeing ou da Bombardier, e a Embraer não vai conseguir vender no mercado interno”, exemplificou. “O governo pode dar apoio a empresas, como aconteceu com o setor de eventos durante a pandemia.”
O economista afirmou que o governo brasileiro já conseguiu reduzir impactos de crises econômicas piores que a da tarifa, como em 2008. “O governo tem os instrumentos para lidar com essa situação”, disse.
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, ressaltou que uma parcela da resposta do governo deve ser o estímulo ao mercado interno. “O governo pode adquirir parte da produção neste ano”, indicou, mencionando sobretudo o caso dos produtos alimentícios.
Pedro Faria, economista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em história pela Universidade de Cambridge, declarou que a tarifação pode realinhar as forças políticas no Brasil. Ele argumentou que o agronegócio, que historicamente se opôs a políticas públicas de direcionamento de sua produção, poderia aceitar sugestões para impulsionar o mercado interno, o que, a longo prazo, diminuiria a pressão sobre a inflação nacional.
Fonte por: Brasil de Fato