Quais os motivos pelos quais a assistência humanitária não alcança a população de Gaza

Desde o início de março, Israel tem imposto um bloqueio às entregas humanitárias no território. Atualmente, caminhões retomaram a circulação, porém, grande parte das mercadorias ainda permanece bloqueada.

23/05/2025 10h51

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(Imagem de reprodução da internet).

Após 11 semanas de bloqueio completo, o governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu cedeu: desde o início da semana, os primeiros caminhoneiros foram autorizados a entrar na Faixa de Gaza para fornecer suprimentos de ajuda à população que sofre. Netanyahu afirmou que isso é importante para garantir o apoio internacional.

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Segundo a autoridade de coordenação israelense Cogat, no período compreendido entre terça-feira passada e a última quinta-feira (22/05), 198 caminhões contendo suprimentos humanitários cruzaram a passagem de Kerem Shalom na região do triângulo fronteiriço entre Egito, Israel e a Faixa de Gaza.

Na terça e quarta-feira, 98 caminhões foram inspecionados e, na quinta-feira, mais 100. Os caminhões transportavam assistência humanitária, com itens como farinha, alimentos infantis, suprimentos médicos e medicamentos.

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Apesar da grande movimentação, tratava-se essencialmente de um fluxo contínuo. Durante o período de trégua no início do ano, até 600 caminhões abasteciam diariamente a Faixa de Gaza, fornecendo assistência a aproximadamente 2 milhões de palestinos.

Mesmo com o retorno das entregas, o impacto foi limitado. As equipes da ONU informam que os primeiros convoyes do Programa Mundial de Alimentos (WFP) somente chegaram a Gaza na noite de quinta-feira e forneceram farinha a algumas padarias.

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A carga permaneceu retida nos pontos de coleta por um longo período devido à ausência de autorização de segurança. “Conseguimos distribuir os primeiros suprimentos de ajuda em Gaza. Isso é um pequeno vislumbre de esperança, mas muito pouco em relação à necessidade. Centenas de caminhões seriam necessários diariamente. Eles estão a postos, parados do outro lado da fronteira”, declarou Martin Frick, chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU na Alemanha.

Quais são os locais de acúmulo dos suprimentos?

O auxílio humanitário está concentrado nas áreas de fronteira. O Programa Mundial de Alimentos possui mais de 116 mil toneladas de alimentos no Egito, Jordânia e Israel, o que garante o sustento de um milhão de pessoas por aproximadamente quatro meses. A Agência da ONU para Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA) também dispõe de quase 3 mil caminhões totalmente abastecidos, prontos para serem enviados a qualquer momento.

Apenas uma pequena quantidade está sendo transportada do depósito de suprimentos para o centro de distribuição. Em Kerem Shalom, a única passagem de fronteira aberta, todas as mercadorias necessitam ser recarregadas em outros caminhões. Em seguida, os comboios da ONU devem aguardar em um ponto até que a coordenação militar israelense forneça a aprovação de segurança para a rota planejada.

O trem permanece inativo até receber a permissão necessária. Caixas de alimentos infantis e farinha estão armazenadas, e as cozinhas que fornecem sopa aos necessitados no norte aguardam suprimentos.

Quem oferece assistência?

A UNRWA continua sendo a principal responsável pela assistência. A agência da ONU administra os abrigos de emergência e forneceu os 3 mil caminhões bloqueados. O Programa Mundial de Alimentos da ONU adquiriu farinha, organizou convoyes e operou 25 padarias na Faixa de Gaza. Contudo, estas tiveram que ser fechadas no final de março devido à escassez de combustível.

As primeiras padarias podem retomar suas atividades nesta quinta-feira. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão fornecendo alimentos especiais, vacinas e suprimentos cirúrgicos.

São apoiados pelas Sociedades do Crescente Vermelho do Egito, Jordânia, Catar, Emirados e Turquia, pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e por diversas organizações não governamentais internacionais, incluindo a Islamic Relief.

A assistência mútua de países da União Europeia (UE) ou dos Estados Unidos atinge um impasse, visto que Israel encaminha cada remessa por meio de seu próprio sistema de inspeção. Paralelamente, o governo israelense, em colaboração com empresas americanas, está projetando a criação de diversos “centros de distribuição seguros”, onde forças de segurança privadas devem realizar a distribuição. Contudo, a ONU rejeita essa abordagem, considerando-a não neutra.

Qual a razão pela qual o material está se acumulando?

Israel justificou o bloqueio de 2 de março, afirmando que o Hamas, considerado uma organização terrorista por diversos países, estava desviava recursos de assistência humanitária. Apenas sob forte pressão internacional o país autorizou importações restritas “até o estabelecimento do novo sistema de distribuição”.

Contudo, enquanto a ONU e Israel debatem sobre responsabilidades, cada palete permanecerá nos centros de armazenamento provisório.

Em Gaza, bombardeios, pilhagem e estradas danificadas dificultam a circulação dos convoyes. A falta de diesel dificulta o transporte, e, até mesmo as poucas cargas autorizadas permanecem paradas nos depósitos, com os preços do pão em alta.

Existem entregas por via marítima?

O corredor marítimo de assistência humanitária inaugurado no primeiro semestre de 2024, sob a gestão do Chipre, não se consolidou como uma rota de suprimentos segura. Apesar do primeiro envio de teste, ocorrido em 17 de março de 2024, que transportou aproximadamente 100 toneladas de alimentos para um porto temporário próximo a Gaza, os operadores suspenderam suas operações após o ataque aéreo israelense a um navio da World Central Kitchen (WCK) no início de abril de 2024.

Em maio de 2024, o Exército dos EUA instalou uma plataforma marítima flutuante na costa de Gaza. Originalmente, previram o envio de 90 a 150 contêineres de caminhões por dia. Na realidade, quase 9 mil toneladas de itens de assistência foram entregues à região em 20 dias de operação. Contudo, condições climáticas adversas, questões de segurança e roubos causaram interrupções constantes, e em 17 de julho de 2024, o Departamento de Defesa anunciou o encerramento da missão.

As ações recentes das organizações não governamentais também estão falhando em razão do bloqueio. Por exemplo, em 2 de maio, o navio Conscience da Freedom Flotilla Coalition foi atingido durante sua rota para Gaza, sendo obrigado a retornar com danos. Desde então, nenhuma entrega de assistência humanitária por via marítima chegou à Faixa de Gaza.

Quais os impactos sobre a população?

Antes do bloqueio, mais de dois terços da população necessitava de assistência alimentar emergencial. A situação se intensificou em decorrência do congelamento integral de 11 semanas. Uma análise da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indicou que 93% da população encontrava-se em uma condição de crise ou pior entre 1º de abril e 10 de maio, com 12% enfrentando a fome.

Matematicamente, o território palestino necessita de aproximadamente 1.300 toneladas de alimentos diariamente para atender a 2,2 milhões de pessoas, com uma média de 2.100 quilocalorias por pessoa. Um caminhão de ajuda padrão contém cerca de 25 toneladas. seriam necessários entre 50 e 60 caminhões por dia apenas para fornecer alimentos.

Considerando que água, combustível, medicamentos e produtos de higiene também precisam ser importados, as organizações da ONU estimam que sejam necessários pelo menos 500 caminhões por dia. Se o fluxo de entrada permanecer em 100 caminhões e a distribuição continuar sem solução, nas próximas semanas a Faixa de Gaza se tornará, oficialmente, uma área de catástrofe humanitária de fome.

Fonte: Carta Capital

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