Qual é o motivo pelo qual certas pessoas interpretam a paralisia do sono como manifestações de “demônios”?

Para certas pessoas, alucinações são consideradas tão aterrorizantes que são denominadas “demônios”.

09/06/2025 14h41

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(Imagem de reprodução da internet).

Baland Jalal estava na cama, aterrorizado, vivendo um filme de terror real. Acordado recentemente, o jovem de 19 anos conseguia visualizar o ambiente, porém não conseguia se mover ou falar, sem saber o motivo.

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Ele pensou: “Meu Deus, o que eu faço?”, conta Jalal, hoje com 39 anos, sobre aquele momento em 2005. “Tentei chamar minha mãe, meu pai, mas nenhuma palavra saía da minha garganta… Senti uma presença sombria de um monstro, e ele levantava minhas pernas para cima e para baixo.”

“Ele me sufocava, tentando me matar. E eu tinha 100% de certeza de que ia morrer”, acrescenta Jalal. “Parece literalmente que todo o mal do universo está condensado em uma bolha — e ela está no seu quarto.”

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Essa alucinação é uma característica proeminente da paralisia do sono. A condição se manifesta nas transições da entrada ou saída da fase REM (abreviação de Rapid Eye Movement em inglês, que significa “movimento rápido dos olhos” em tradução livre), como um congestionamento em um cruzamento movimentado – o cérebro está acordado e atento, mas o corpo ainda está dormindo e imobilizado, segundo Matthew P. Walker, diretor do Centro de Ciência do Sono Humano da Universidade da Califórnia, em Berkeley, por e-mail.

Após o sono profundo, o sono REM é a fase crítica seguinte do ciclo do sono, marcada por sonhos mais intensos e realistas, juntamente com o aumento da frequência cardíaca e da respiração. Essa fase é fundamental para a memória, a concentração, a regulação do humor e o bom funcionamento do sistema imunológico.

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As vivências de Jalal o motivaram a investigar esse fenômeno em diferentes regiões do mundo. Ele buscava identificar a origem da paralisia do sono e compreender por que certos pacientes relatam “experiências tão vívidas, como se estivessem confrontados com um problema de dimensões épicas”.

Desde então, Jalal obteve o doutorado em psiquiatria e é pesquisador no departamento de psicologia da Universidade de Harvard, sendo um dos principais especialistas em paralisia do sono. Ele também atende pacientes que sofrem com o problema.

Ainda segundo a Cleveland Clinic, estima-se que 30% da população mundial experimente pelo menos um episódio de paralisia do sono ao longo da vida. Não se conhece o número exato de indivíduos que sofrem de episódios recorrentes e debilitantes, mas Jalal acredita que a porcentagem seja relativamente baixa.

A ciência e os sintomas da paralisia do sono

Durante o sono REM, os corpos ficam paralisados para impedir ações físicas em sonhos, evitando lesões ou ferimentos a si mesmo ou a outros, explicou Jalal. Os episódios de paralisia do sono costumam durar apenas alguns minutos, podendo se estender por até 20 minutos, conforme a Cleveland Clinic.

Walker afirma que, durante a paralisia do sono, “recuperamos a consciência antes que os músculos se libertem da paralisia induzida pelo REM”.

Cerca de 40% das pessoas com paralisia do sono apresentam alucinações visuais, auditivas ou táteis – como a sensação de pressão no peito ou de estar fora do corpo –, afirma Jalal. Aproximadamente 90% dessas pessoas relatam que as alucinações são aterrorizantes. Elas podem incluir fantasmas ou criaturas parecidas com gatos ou alienígenas, com ações que vão desde apenas se aproximar da pessoa até molestá-la ou tentar matá-la.

Nas viagens acadêmicas de Jalal, ele percebeu que o conteúdo e a interpretação das alucinações, as crenças sobre a causa da paralisia do sono e até a frequência e a duração dos episódios podem ter base cultural. Pessoas no Egito e na Itália, por exemplo, costumavam culpar bruxas ou gênios malignos pelos episódios e acreditar que poderiam morrer em decorrência disso, segundo Jalal. Já em países como Dinamarca, Polônia e partes dos Estados Unidos, as explicações são menos sobrenaturais ou exóticas e o medo é menor.

“Por que vemos essas coisas? Seriam imagens dos sonhos que escapam à consciência?”, questiona Jalal. “Minha resposta, com base no meu estudo, não é exatamente isso. Mas isso faz parte.”

Quando você está consciente, porém paralisado e confuso, a reação natural é tentar escapar da situação. O cérebro envia sinais ao corpo para se mover, mas o corpo não responde.

A teoria de Jalal, em síntese, postula que o cérebro “joga a toalha” e elabora uma narrativa que justifica os sintomas estranhos que o organismo apresenta.

A atividade mais branda no córtex pré-frontal — responsável pelo raciocínio e pela lógica — também contribui para que as alucinações pareçam “extremamente realistas e carregadas emocionalmente”, amplificadas pela amígdala cerebral, o centro de alarme emocional do cérebro, explicou Walker.

As causas e fatores de risco da paralisia do sono.

Apesar dos cientistas reconhecerem a ocorrência de falhas na transição entre os estados de vigília e sono, ainda não compreendem totalmente as causas desse fenômeno. Diversos fatores contribuem para o aumento do risco de sono fragmentado e paralisia do sono.

Os especialistas apontam que esses fatores incluem estresse e condições relacionadas, como ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtorno bipolar e transtorno do pânico. Grande parte dos episódios de Jalal ocorreu durante o período em que ele ainda estudava. Atualmente, ele relata ter um ou dois episódios por ano — geralmente em períodos de estresse elevado.

A privação de sono, o jet lag, uma rotina de sono irregular, distúrbios do sono como a narcolepsia e fatores genéticos são comuns, segundo Walker e Jalal.

A apneia obstrutiva do sono, transtornos por uso de substâncias e alguns medicamentos, incluindo os utilizados para tratar TDAH, elevam o risco, segundo a Cleveland Clinic.

A paralisia do sono é arriscada?

A paralisia do sono, apesar de assustadora, não é, na realidade, perigosa, conforme apontam os especialistas. Contudo, dependendo da frequência, pode indicar um transtorno do sono preexistente, segundo Jalal.

A ocorrência recorrente também pode provocar ansiedade em relação ao sono, levando à sua evitação. Esse padrão pode influenciar sua energia durante o dia e a capacidade de funcionamento. Se você costuma ter alucinações aterrorizantes, isso pode causar sintomas de ansiedade ou até traumas.

Qual é o tratamento da paralisia do sono?

A paralisia do sono pode ser significativamente atenuada através de certas práticas e tratamentos, conforme aponta Walker – com o início por hábitos saudáveis de sono. Isso compreende dormir entre sete e nove horas de sono reparador por noite.

Manter uma rotina de sono regular em relação à qualidade e quantidade “funciona como afinar seu relógio biológico, diminuindo a probabilidade de sobreposição entre vigília e sono — como assegurar que todos os instrumentos de uma orquestra estejam sincronizados para uma harmonia perfeita”, explicou Walker.

Controle do estresse, por meio de práticas como meditação e exercícios de relaxamento, também é importante. Terapias podem auxiliar na resolução de questões subjacentes que estão causando a paralisia do sono, particularmente a terapia cognitivo-comportamental, na sua versão focada na insônia.

Em situações mais sérias, medicamentos são utilizados, conforme Walker. Estes incluem antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), que auxiliam na regulação do ciclo do sono ou na diminuição da fase REM.

Segundo Jalal, geralmente o aumento dos níveis de serotonina no cérebro compensa a perda da fase REM. Contudo, o uso prolongado de antidepressivos pode estar associado a distúrbios comportamentais do sono REM.

Apesar dos tratamentos poderem diminuir a frequência ou a duração dos episódios, não há uma terapia padrão que interrompa um episódio no momento em que ele ocorre.

Jalal tem buscado desenvolver, nos últimos 10 anos, e a inspiração surgiu da própria experiência. A chamada terapia de relaxamento meditativo, reduziu a paralisia do sono em 50% após oito semanas em seis pessoas com narcolepsia, segundo um pequeno estudo piloto publicado por Jalal em 2020. Ele atualmente conduz um novo estudo sobre essa terapia com mais participantes em Harvard. Os passos da terapia de Jalal são os seguintes:

Jalal conclui que compreender a biologia do próprio corpo, incluindo o conhecimento científico sobre a paralisia do sono, auxilia no enfrentamento desse fenômeno.

Estudo revela que mulheres apresentam maior incidência de problemas relacionados ao sono.

Fonte por: CNN Brasil

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