A condenação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) a dez anos de prisão, por decisão unânime da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não encerra a controvérsia em torno da invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça.
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A principal questão, atualmente, é o futuro do mandato da bolsonarista. O voto do ministro Alexandre de Moraes (acompanhado pelos quatro demais ministros da turma), decide a extinção automática do mandato de Zambelli. Seus aliados, contudo, discordam dessa interpretação.
Advogados consultados pela CartaCapital não apresentam resposta unânime sobre o que ocorrerá com o assento de Zambelli na Câmara.
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Analise, a seguir, as complexidades do caso.
O problema.
O artigo 55, inciso 6º, da Constituição determina que o deputado perderá o mandato em caso de condenação criminal com sentença transitada em julgado. Nesse entanto, a cassação dependeria da decisão da Câmara, por maioria absoluta, provocada pela Mesa Diretora ou por um partido.
O julgamento que condenou Zambelli delineou uma via distinta. O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, acompanhado pelos quatro demais ministros da turma, decide a extinção automática do mandato de Zambelli, com base no inciso III do mesmo artigo — segundo o qual o deputado que deixar de comparecer a um terço das sessões ordinárias da Câmara perderá o cargo.
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Nesse caso, diferentemente do exemplo anterior, a Mesa Diretora apenas declara a vacância, sem votação.
O ministro Moraes argumenta que a manutenção de um parlamentar preso por mais de 120 dias implica na extinção do mandato, considerando que ele não poderá participar de um terço das sessões. Em seu voto, ele concluiu que a Mesa da Câmara deverá apenas declarar a perda do mandato.
Apoiadores de Zambelli, no entanto, descartam essa interpretação. O presidente do PL, Sônia Calegário, declarou à GloboNews que “quem cassar é o plenário, não o STF” e anuncia mobilização para impedir a perda da cadeira, alegando perseguição no âmbito parlamentar da legenda.
O impasse pode intensificar o conflito entre Congresso e Supremo. Apesar do apoio limitado de Zambelli na Câmara, a reação pode agregar bolsonaristas e uma parcela do Centrão contra o que consideram interferência do Judiciário.
O que os juristas opinam
O artigo 15 da Constituição determina a perda dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. Já o artigo 55, inciso IV, estabelece que o deputado perderá o cargo se seus direitos políticos estiverem suspensos.
Alexandre Rollo, doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e especialista em Direito Eleitoral e Administrativo, afirma: “nesse caso, não haveria necessidade de maioria absoluta da Câmara dos Deputados, cabendo exclusivamente à Mesa da Câmara a declaração da perda do mandato”.
Segundo o jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck, o papel da Câmara no caso de Zambelli é declaratório — ela não tem sequer de discutir a perda do posto. “Não há necessidade de deliberação do plenário, e a perda do mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara.”
Segundo Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP-DF e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, na Espanha, observa-se uma nova queda de braço institucional. A situação é tão grave que coloca o Brasil em um cenário inédito.
Sua avaliação é que não haveria fundamento jurídico ou político para uma deputada condenada a dez anos de prisão em regime fechado continuar exercendo o mandato, representando um grande prejuízo para a Câmara.
Ele considerou que o período era tão intenso que esse desgaste, no ambiente polarizado, poderia não ser interpretado de maneira tão negativa.
Para o advogado, Moraes poderia ter argumentado com maior detalhe contra Zambelli, utilizando, por exemplo, o Código Penal. O artigo 92 estabelece que a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo é um efeito de uma condenação a pena superior a seis anos de reclusão. O magistrado mencionou brevemente essa disposição na última página de seu voto.
O ministro apresentou uma interpretação constitucional, mas seria suficiente uma interpretação penal, avalia Miranda. A leitura penal seria objetiva, ao contrário da tese de Moraes, que parte do fato de Zambelli ter sido condenada ao regime fechado e, por isso, faltar a um terço das sessões.
Damos margem à Câmara, efetivamente. No meu entendimento, ele errou a fundamentação.
Próximos passos
Após o encerramento do julgamento, o Supremo Tribunal Federal publicará a decisão, documento oficial que registra o veredito dos ministros. A defesa de Zambelli terá um prazo para apresentar seus recursos.
Considerando o resultado unânime na Primeira Turma, espera-se que os advogados apresentem embargos de declaração, visando esclarecer pontos da decisão que possam causar dúvidas. Geralmente, tais recursos não modificam o resultado final do julgamento.
O Supremo Tribunal deve determinar a prisão de Zambelli após a rejeição do último recurso que considere cabível. Em abril, Moraes determinou a prisão do ex-presidente Fernando Collor após concluir que seus recursos tinham caráter “meramente protelatório”.
Fonte: Carta Capital