Qual o motivo de o Brasil não classificar organizações criminosas como terroristas?

A equipe do governo Trump visitou Brasília para discutir a remissão de classificações de grupos como o PCC e o CV, contudo, o governo brasileiro não identifica margem para aplicar a Lei Antiterrorismo a esses grupos.

19/05/2025 20h27

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(Imagem de reprodução da internet).

O Brasil informou aos Estados Unidos que não tem a intenção de reconhecer facções criminosas com origem em seu território como organizações terroristas. A justificativa é que a legislação brasileira não ampara tal classificação e que existem instrumentos mais apropriados para combater grupos armados, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

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Emissários da Casa Branca investigaram com o Ministério da Justiça durante uma reunião em Brasília no início do mês. Como parte de uma política mais ampla de cerco à imigração ilegal, o presidente americano, Donald Trump, tem reforçado a atuação contra gangues latino-americanas como a venezuelana Tren de Aragua e a salvadorenha MS-13.

As discussões foram consideradas “respeitosas” e “objetivas” por testemunhas do encontro, contudo, o posicionamento do Brasil foi demonstrado de forma notável.

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O secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, afirmou que as facções operam como “empresas criminosas” em busca de lucro financeiro, sem qualquer conotação política ou relacionada a preconceitos de religião ou raça. “Dessa forma, sob a ótica jurídica do Direito brasileiro, elas não são organizações terroristas”, declarou.

O que constitui terrorismo?

A comunidade internacional não possui um conceito único universalmente aceito para definir legalmente o terrorismo.

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A Assembleia Geral da ONU, em uma resolução não vinculativa de 1994, classificou ações terroristas como “atos destinados ou planejados para provocar um estado de terror no público em geral, em um grupo de pessoas ou em indivíduos, com fins políticos”.

O documento aduz que tais ações são injustificáveis, independentemente das considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer outra índole que possam ser alegadas em sua defesa.

Dezenove anos depois, no contexto da “Guerra ao Terror” após os ataques de 11 de setembro de 2001, outra resolução do Conselho de Segurança da ONU reiterou o combate ao terrorismo, condenando “atos contra civis” com “intenção de provocar estado de terror no público em geral, em grupos de pessoas ou em pessoas individuais”.

A terminologia empregada no contexto de organizações multilaterais não resolve o debate acerca da definição de terrorismo no Direito internacional. Cada país ainda pode estabelecer conceitos próprios, que divergem conforme as demandas e os contextos políticos locais.

Qual é a legislação brasileira sobre o terrorismo?

No Brasil, a questão é regulada pela Lei Antiterrorismo de 2016, que foi aprovada no término do governo da ex-presidente Dilma Rousseff. A legislação define o terrorismo com base na intenção de “provocar terror social ou generalizado, expondo a risco pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

O texto estabelece uma condição: “por motivos de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. É com base nesse ponto que o governo brasileiro se opõe a classificar grupos criminosos como organizações terroristas.

Para Sarrubbo, esses grupos se assemelham mais ao conceito de máfia, apresentando estruturas cada vez mais organizadas. Segundo ele, o Ministério da Justiça prepara um projeto de Lei Antimáfia, visando endurecer o combate ao crime organizado. A proposta deverá ser apresentada ao Congresso até junho.

Argumenta que não há qualquer ligação com o conceito jurídico de terrorismo, apesar de compreendermos que as facções criminosas estão em um estágio que pode-se falar em máfias.

A política externa dos EUA

Sob Trump, os EUA intensificam a pressão internacional no enfrentamento ao narcoterrorismo, embora os esforços tenham início antes do segundo mandato do republicano. Em março do ano passado, ainda na administração do ex-presidente Joe Biden, o Departamento do Tesouro americano aplicou sanções a um membro do PCC. Na ocasião, o órgão justificou que a facção opera uma “rede extensa” na América Latina e tem aumentado sua atuação global.

Com Trump de volta à Casa Branca, em fevereiro, o departamento de Estado designou oficialmente uma série de cartões sobre o tráfico de drogas como organizações terroristas globais que representam um risco “significativo” à segurança nacional do país.

No Brasil, a estratégia dos Estados Unidos conta com o apoio de setores da classe política. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, viajou a Nova York para debater a segurança pública no estado. A delegação dele apresentou a autoridades americanas um relatório com argumentos que justificam o reconhecimento oficial do CV como organização terrorista, conforme noticiado pelo jornal O Globo.

O que os especialistas opinam?

O cientista político e professor de Relações Internacionais Thiago Moreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que o enquadramento do crime organizado como terrorismo pode apresentar riscos ao Estado de Direito. Ele complementa que um grupo de crime organizado possui finalidade econômica, e não política-ideológica.

Moreira explica que, ao contrário de grupos extremistas como Al-Qaeda, as facções domésticas têm finalidade estritamente econômica, não político-ideológicas. Mesmo quando se infiltram no aparato estatal, elas buscam cumprir propósitos financeiros, afirma o professor.

Para ele, misturar os dois conceitos permite a securitização estatal, a transformação de questões de segurança em ameaças existenciais que exigem o uso de força excessiva.

A aplicação de leis antiterrorismo amplifica a habilidade do Estado em controlar um grupo específico e estabelece um entendimento arriscado. Um movimento social, por exemplo, poderia não ser considerado apenas como organização criminosa, mas também como terrorista, como ocorre com o MST em um cenário de governo federal conservador.

Dificuldades na tipificação

O professor de Direito Penal Gerson Faustino Rosa, da UniCuritiba e da Escola Superior da Polícia Civil do Estado do Paraná, declara que o texto atual da Lei Antiterrorismo foi construído de forma inadequada ao demandar a prova de questões como racismo e xenofobia. “Esses elementos estão relacionados [ao conceito de] genocídio, não de terrorismo”, afirma.

Rosa considera o terrorismo como um ato de violência extrema, visando expor e se beneficiar da vulnerabilidade do Estado. Contudo, ele afirma que o requisito das condicionantes impede que a legislação seja aplicável à tipificação de atividades terroristas.

O Brasil poderia instituir um tipo penal ou fundamento legal que determine que, quando um ato tiver como objetivo específico provocar terror social para fins de proveito político, o crime seria considerado terrorista e, sujeitos a uma pena mais elevada.

Fonte: Carta Capital

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