A revista britânica The Lancet, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, divulgou um estudo em seu volume 13, na edição de agosto de 2025, que analisou o impacto das sanções impostas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelas Nações Unidas (ONU) nas taxas de mortalidade em países sancionados. O estudo foi conduzido por Francisco Rodríguez, PhD em Economia da Universidade de Harvard e pesquisador sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR); Silvio Rendon, economista, acadêmico e Diretor Executivo Adjunto do Banco Interamericano de Desenvolvimento; e Mark Weisbrot, Diretor do CEPR.
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Pesquisadores analisaram como diferentes sanções afetaram as taxas de mortalidade entre crianças, adultos e idosos em 152 países entre 1972 e 2021. O estudo utilizou quatro parâmetros para isolar o impacto das sanções e identificar se o aumento da mortalidade era uma reflexão das medidas ou o resultado de outro fenômeno. Concluiu que as sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos são as mais prejudiciais, especialmente aumentando a mortalidade de crianças com menos de cinco anos.
Foram analisados sete grupos etários: recém-nascidos, crianças menores de um ano, crianças menores de cinco anos, crianças menores de dez anos, adolescentes, adultos e idosos. Exceto pelos adolescentes, as sanções dos EUA aumentaram a mortalidade em todos os demais grupos. Crianças menores de cinco anos foram as mais afetadas, com um aumento estimado de mortalidade de 9,3% para recém-nascidos, 9,1% para bebês até um ano de idade e 8,5% para crianças até cinco anos de idade.
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Os impactos negativos na taxa de mortalidade são agravados pela duração das sanções, resultando em um aumento progressivo. Sanções com duração de até três anos elevaram a mortalidade infantil em 6%, de acordo com o estudo. Para sanções com duração de quatro a seis anos, o aumento foi de 8,6%. Sanções com duração de sete anos ou mais aumentaram a mortalidade em 10,5%.
Pesquisadores destacam que “os resultados demonstraram uma associação causal significativa entre sanções e aumento da mortalidade” e que “os efeitos mais fortes foram para sanções unilaterais, econômicas e dos EUA”. Não foram encontradas evidências estatísticas de piora das taxas de mortalidade devido às sanções da ONU.
Para eles, uma possível interpretação dessa descoberta é que essa diferença resulta da maior escrutínio público ao qual as decisões da ONU, um corpo deliberativo com a participação dos países [alvo das sanções], são naturalmente sujeitas. As sanções unilaterais da União Europeia também não foram estatisticamente significativas em nenhum grupo etário analisado.
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O estudo aponta que as sanções dos EUA, por outro lado, frequentemente visam criar condições favoráveis à mudança de regime ou alterações no comportamento político, com a deterioração das condições de vida nos países-alvo, que, em alguns casos, são reconhecidas por formuladores de políticas como parte do mecanismo intencional pelo qual os objetivos são alcançados.
Sanções lideradas pelos Estados Unidos, de forma isolada, provocam a morte de 564 mil pessoas a cada ano, segundo estimativas de pesquisadores, o que representa 3,6% de todas as mortes nos países sancionados. O número é superior ao registrado anualmente em conflitos armados e guerras, estimado em meio milhão de mortes anualmente.
Sanções podem causar a diminuição da quantidade e da qualidade dos serviços de saúde pública, devido à queda das receitas públicas e à escassez de importações essenciais, decorrente da redução das receitas em moeda estrangeira causada pelas sanções, o que limita o acesso a suprimentos médicos, alimentos e outros bens cruciais, restringindo as organizações humanitárias.
O uso de sanções, contudo, está em ascensão. Entre 2010 e 2022, 25% dos países em todo o mundo foram alvo de alguma forma de sanção imposta pelos Estados Unidos, pela União Europeia ou pela ONU. Na década de 1960, a taxa era de 8%.
Nem todos estão em risco, contudo. Como parte de sua metodologia, o estudo analisou quais países foram sancionados. Embora não tenham separado dados de mortalidade por nação, os pesquisadores descobriram que os países que votam contra os Estados Unidos e a União Europeia na Assembleia Geral da ONU estão em maior risco de serem punidos – e, consequentemente, sofrendo mais mortes.
Causalidade, não correlação.
O estudo não apenas relaciona as sanções dos EUA em países com o aumento da mortalidade na população afetada. Estabelece causalidade, ou seja, uma análise que, após eliminar outros fatores, ajuda a confirmar o aumento no número de mortes. São utilizados quatro elementos para este fim.
Pesquisadores formaram grupos de países que sofriam ou não sofriam sob sanções, apresentando características observáveis semelhantes, como o nível de desenvolvimento econômico. Isso é necessário porque a taxa de mortalidade de um país desenvolvido não pode ser diretamente comparada com a de um país em desenvolvimento ou subdesenvolvido. Comparar países similares permite uma análise do impacto das sanções no aumento das mortes.
O estudo examinou como as taxas de mortalidade se comportaram antes e depois da imposição de sanções e se havia outros indicadores, como o aumento da taxa de mortalidade antes das sanções ou outras condições sociais que influenciaram o problema. O aumento gradual das taxas de mortalidade com a manutenção das sanções sustenta essa métrica utilizada no estudo.
O Teste de Causalidade de Granger examina se a causa antecedeu o efeito, e define o que cada um desses elementos é no objeto estudado. Se as taxas de mortalidade aumentam após a imposição de sanções (em vez de as sanções serem impostas após o crescimento das taxas de mortalidade), isso aponta para uma relação causal na qual a causa são as sanções e o efeito é o aumento no número de mortes, e não o contrário.
A técnica de variáveis instrumentais visa analisar algo que influencia a probabilidade de um país ser sancionado, mas que, por si só, não afeta a taxa de mortalidade de maneira alguma. Os pesquisadores identificaram que países que votam menos em linha com os Estados Unidos e a União Europeia na Assembleia Geral da ONU são mais propensos a receber sanções. A posição política de um país na Assembleia Geral da ONU não afeta sua taxa de mortalidade, mas receber sanções sim.
Fonte por: Brasil de Fato