Sebastião Salgado: o fotojornalismo como obra de arte
Ele, autodidata, deixa um testemunho icônico resultante de centenas de viagens, divulgado em revistas de grande circulação e exposto em museus de capitais como Paris.

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que faleceu na sexta-feira 23, aos 81 anos, eternizou ao longo de cinco décadas os aspectos mais sombrios e positivos do planeta, abrangendo desde paisagens naturais isoladas até desastres humanos, com um estilo inconfundível que combinava estética e compromisso.
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O fotógrafo autodidata, Salgado, que possuía também a nacionalidade francesa, deixou um legado icônico resultado de centenas de viagens, divulgado em importantes revistas, incluindo Life e Time, e apresentado em museus de grandes cidades, como Paris, onde residiu por grande período de sua vida.
Do Ruanda ao Guatemala, passando por Indonésia e Bangladesh, o brasileiro fotografou situações de fome, guerras, êxodos e exploração do trabalho no Terceiro Mundo, com um olhar empático e não condescendente “de quem vem da mesma parte do mundo”, como costumava dizer.
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Seu universo monocromático, com estética refinada, também representou uma homenagem às paisagens mais deslumbrantes, incluindo os “rios voadores” da Amazônia, e simultaneamente, um aviso sobre a urgência de sua preservação frente à crise climática.
Salgado obteve reconhecimentos importantes, incluindo a Medalha de Príncipe de Astúrias e o Prêmio Internacional da Fundação Hasselblad, e esteve no centro do documentário indicado ao Oscar O Sal da Terra, de Wim Wenders, que retrata suas expedições a regiões remotas como o Círculo Polar Ártico e Papua Nova Guiné, material que inspirou seu livro Gênesis (2013).
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África, Reagan e minas.
Criado em 8 de fevereiro de 1944, em Aimorés, zona rural de Minas Gerais, Salgado cresceu com oito irmãos na fazenda de seu pai, um pecuarista. Ele relatou que, desde a infância em uma região onde visitar um amigo exigia vários dias de viagem, adquiriu a paciência essencial para um fotógrafo que precisa aguardar “a fração de segundo” necessária para registrar a imagem.
Cursou Direito, posteriormente optando por Economia, com pós-graduação na Universidade de São Paulo. Ativista de esquerda, transferiu-se para a França em 1969, buscando escapar da ditadura no Brasil, acompanhado de quem se tornaria seu parceiro de vida, Lélia Wanick.
Viajando pela Organização Internacional do Café, Salgado frequentemente se deslocava para a África, onde iniciou a prática de fotografar, após ter experimentado, em 1970, uma câmera que Lélia havia adquirido.
Percebi que as fotografias proporcionavam mais satisfação do que os relatórios econômicos, admitiu.
Salgado recusou, então, uma proposta considerável de emprego no Banco Mundial, em Washington, para se dedicar à fotografia. Lélia, por sua vez, criaria quase que sozinha os dois filhos do casal: Juliano Ribeiro e Rodrigo, nascido com síndrome de Down.
A África, onde se sentia “em casa” pelo peso cultural do continente no Brasil desde os tempos da escravidão, foi tema de suas primeiras reportagens sobre secas e episódios de fome em países como Níger e Etiópia, o que lhe abriu as portas da lendária agência Magnum em 1979.
Com ela, atuou em uma ocasião como fotógrafo de uma notícia mundial: a tentativa de assassinato de Ronald Reagan em 1981, um evento que testemunhou enquanto cobria um ato do presidente em um hotel, tendo tirado 76 fotos em 60 segundos.
Ele ganhou fama com seu primeiro livro, Outras Américas (1984), um registro dos povos indígenas, consolidada dois anos depois com as fotografias da Serra Pelada (Pará), a maior jazida de ouro a céu aberto do mundo, onde permaneceu por 35 dias, vivenciando com milhares de homens em condições desumanas.
Seguiu-se outra obra antológica, Áxodos (2000), sobre migrações forçadas em 40 países.
Salgado desconsiderou as críticas que o acusavam de usar a “estética da miséria”, permanecendo confiante em seu trabalho.
Bolsonaro é alvo de investigações.
Antes de fotografar, “é preciso estar conectado ao fenômeno”, explicava Salgado, justificando o tempo dedicado aos seus personagens, que retratava com as três câmeras Leica que levava penduradas no pescoço.
A fotografia é a minha forma de vida. O que fotografo corresponde à minha ideologia, ao meu comportamento, é minha atividade humana e política, vai tudo junto, admitiu a AFP em 2022, ao apresentar em São Paulo sua exposição, “Amazônia”, fruto de um trabalho de sete anos na maior floresta tropical do mundo.
Comprometido com a causa ambiental, Salgado se mostrou um crítico veemente do ex-presidente ultraconservador Jair Bolsonaro (2019-2022) devido à sua política de permitir a abertura da Amazônia para atividades como agricultura e mineração.
Na sua terra, também criou o Instituto Terra para a recuperação das florestas e da biodiversidade, que haviam sido perdidas devido ao desmatamento, um projeto bem-sucedido ao qual até 2022 se juntaram aproximadamente 3.000 proprietários de terras.
Ao ser questionado sobre o que aprendeu em sua viagem pelo mundo, Salgado em 2016 afirmou: “Existe uma construção humana artificial chamada fronteiras. Em todos os lugares que observei, encontrei o mesmo ser humano. O estrangeiro não existe”.
Fonte: Carta Capital