O funeral de Francisco será a primeira vez que Donald Trump e Volodymyr Zelensky estão presentes no mesmo local, desde o encontro entre os dois, no final de fevereiro, quando o presidente americano acusou o homóucraniano de instigar a terceira guerra mundial, episódio vergonhoso e transmitido ao vivo, que resultou na expulsão do visitante da Casa Branca.
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A humilhação elevou em dez pontos percentuais a popularidade de Zelensky na Ucrânia. Ele possui atualmente a aprovação de 67% dos ucranianos, conforme apurado por pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Já Trump registra queda na popularidade. Recentemente, o New York Times informou que, segundo pesquisa do próprio jornal, a taxa de aprovação do presidente americano diminuiu de 52% para 45%.
A ironia, como tantas outras, inclui as comparações de Trump com Vladimir Putin, a alegação de que Zelensky é um “ditador sem votos” e a ideia de que a postergação de novas eleições presidenciais na Ucrânia se deve exclusivamente à decisão do presidente ucraniano, em face da guerra.
É uma farsa tão evidente, pois, conforme uma pesquisa da Ipsos, 62% dos ucranianos consideram que convocar eleições neste momento intensificaria as divisões internas e, assim, favoreceria o jogo do inimigo russo. A maioria também acredita que seria difícil realizar um pleito presidencial em um país com 20% do território ocupado por tropas invasoras e milhões de cidadãos deslocados de suas cidades ou refugiados no exterior.
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Em menos de dez dias, em cumprimento à vontade nacional, o parlamento da Ucrânia votou pela 15ª vez em favor da manutenção da lei marcial, que determina o adiamento da eleição, entre outras medidas excepcionais. Uma nova votação sobre o assunto está prevista para ocorrer em 6 de agosto.
Após dois meses de impasse na Casa Branca, Trump e Zelensky podem se reunir em segredo em Roma. A situação permanece incerta, mas o cenário se torna mais evidente: Vladimir Putin é um tirano cínico, que propõe tréguas falsas e persiste em massacrar civis ucranianos, como ocorreu em Kiev; Trump age como seu cúmplice ao demandar a rendição da Ucrânia sob a premissa de um plano de paz considerado justo.
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Diferentemente do que foi divulgado na mídia brasileira, o chamado acordo de paz de Trump não implica que a Ucrânia entregue a Crimeia à Rússia em troca de garantias de segurança contra novas agressões russas. Ele contempla a cessão da Crimeia, estabiliza o conflito no campo militar, permitindo que ocupantes permaneçam em um quinto do território ucraniano, e proíbe a adesão da Ucrânia à Otan – contudo, sem a oferta de qualquer segurança americana, a não ser a narrativa de que o acordo comercial entre Washington e Kiev para a exploração de terras raras já seria suficiente para afastar Putin.
A ameaça de Trump de se retirar do apoio, devido a outras prioridades dos Estados Unidos, incluindo os ataques russos a civis, principalmente na capital, visa minar a resistência da sociedade ucraniana exausta, levando a pressões internas que forçam Zelensky a aceitar uma paz a qualquer custo que Washington e Moscou desejam que ele assine.
A pressão já está sendo articulada. Em entrevista à BBC, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, adversário político do presidente ucraniano, já admite a cedeção da Ucrânia em nome de uma “paz temporária”. “Um dos cenários seria abandonar territórios. É injusto, mas pela paz, uma paz temporária, pode ser que seja uma solução, temporária”, disse ele.
A trégua representará uma vitória para Putin. Permitirá que ele recupere força para atacar a Ucrânia, pois seu objetivo declarado e inatingível após três anos de guerra não mudou: a eliminação do país vizinho, com a anexação total à Rússia, o primeiro passo para a restauração do império soviético.
A paz transitória será, também, uma mácula duradoura, pois consolidará a adesão dos Estados Unidos a quem é inimigo declarado das democracias ocidentais, das quais os americanos eram os primeiros defensores, com grande vantagem para o seu capitalismo, não se ignora que Donald Trump realizou uma análise simplista, semelhante às tarifas de sua guerra comercial, e considerou o custo excessivo.
Se essa fronteira for ultrapassada, não haverá mais retorno a um cenário razoavelmente previsível de acordos que pareciam inabaláveis. O mundo da “paz temporária” na Ucrânia é um ambiente de incertezas.
Fonte: Metrópoles