Um gol foi marcado
A proposta de conduzir a eleição da CBF representa uma tentativa de disfarçar o caos que se encontra presente.

Já não há mais para extrair o que está evidente para todos. É a ética do futebol brasileiro que se coloca em questão.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Se a eleição na CBF realmente ocorrer neste domingo 25 de maio, expor-se-á o estado deplorável em que se encontra o futebol brasileiro. O ridículo com um dos maiores bens da nossa cultura, o futebol, atinge um novo nível.
O documentário 1958 – O Ano em Que o Mundo Descobriu o Brasil (2008), de José Carlos Asbeg, demonstra que não há exagero em estabelecer paralelos históricos. A situação da Confederação Brasileira de Futebol ultrapassou todos os limites.
LEIA TAMBÉM:
● Clubes anunciam boicote à eleição com candidato único na CBF
● Lúcio, campeão da Copa de 2002, é transferido para Porto Alegre após sofrer queimaduras em 18% do corpo
● Cinco indivíduos foram julgados e condenados à pena de prisão na Espanha por atos racistas direcionados a Vini Jr
Prosseguir com essa eleição sem legitimidade configura-se como uma tentativa de disfarçar o caos presente. Não há mais como dissimular a situação evidente. Refere-se à ética do futebol nacional.
Se esse processo de “escolha” persistir nas mãos dos responsáveis pela desorientação do nosso futebol, avançaremos para a desmoralização completa. Não se trata mais de mera questão de gestão esportiva: é uma questão ética e institucional.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
A magnitude da situação leva a Conmebol a solicitar o afastamento da CBF do Conselho da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Isso representa o cerne do problema. E essa persistência de irregularidades e desrespeitos se estende ao futebol feminino e ao futsal, considerando que essa estrutura absorve todos os recursos disponíveis.
O jornalista Rodrigo Capelo, por meio de investigações e documentos, contribui para o relato do desastre; o perspicaz Maurício Noriega vem expondo as falhas; e Danilo Lavieri recorda que não há eleição com oposição genuína na CBF há mais de 40 anos. O sistema é fechado, protegido e controlado por uma lógica de perpetuação no poder.
Não faz sentido substituir um rosto idoso por outro mais jovem, ou usar uma mulher como símbolo de renovação se a base continua a mesma. Conforme escreveu o jornalista Alexandre Alliatti, “discutir sobre renovação significa rir no rosto dos torcedores”.
As posições de maior influência dentro dessa estrutura são transmitidas de geração em geração como herança. Essa situação é impulsionada por um sistema de votação que favorece os aliados tradicionais: clubes da Série A têm peso 2, da Série B peso 1, enquanto C, D e clubes menores não possuem representatividade. As federações, por sua vez, têm seus votos triplicados.
Qualquer esforço de “reforma” sem modificar essa política será perda de tempo. O público já compreendeu o cenário e, se a CBF persistir nessa situação, o desdém dos torcedores apenas se intensificará.
A longo prazo, isso resulta na perda de credibilidade, com torcedores se afastando em um processo de erosão da confiança. E sabemos que, sem apaixonados nas arquibancadas, não há futebol que se sustente. Por isso, a movimentação dos clubes por mudanças é um passo importante. Serve também para revelar os diferentes interesses em jogo.
Apesar de estarem em diferentes grupos, como LFU e Libra, os clubes conseguem chegar a um acordo sobre aspectos essenciais. As principais reivindicações apresentadas por eles abrangem:
Participação ativa nas reuniões gerais da Confederação Brasileira de Futebol.
Diminuição das desigualdades nos pesos dos votos.
Criação de uma liga independente para organizar as competições.
 Profissionalização rigorosa da arbitragem.
Controle em tempo real do calendário.
Implementação de um controle financeiro justo.
A mobilização apresenta lideranças como Alessandro Barcellos (Internacional-RS) e Marcelo Paz (Fortaleza-CE) em destaque. A união da maioria dos clubes é promissora.
Também se deve considerar que a distinção entre SAFs e clubes associativos aponta para outra dimensão dessa análise: o modelo de gestão.
Não faz sentido contratar o técnico mais recente ou conquistar um Campeonato Mundial se o funcionamento interno continua deteriorado. E a explicação de “dar tempo ao novo presidente” não se sustenta mais. É apenas mais uma “desculpa frágil”.
Ainda assim, o planejamento persiste sendo inviável. A expressão “enquanto o pau sobe e desce, descansam-se as costas” não tem relevância no contexto do futebol.
O número de lesões antes da metade da temporada é alarmante. O fato de possuirmos jogadores sendo afastados durante a maratona de jogos vai contra a lógica do futebol coletivo: quanto mais tempo juntos, melhor o desempenho.
E isso considerando apenas o aspecto físico. Do emocional, então, não se fala. É difícil exigir paixão em campo, quando o que vem de cima é só descaso.
Publicado na edição nº 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Gol contra”.
Fonte: Carta Capital