Universidade de São Paulo cria sistema para eliminar vestígios de medicamentos em água tratada
Novo sistema possibilita agilizar a degradação de micropoluentes em efluentes.

Estudos demonstraram a eficácia de um novo método para remover contaminantes orgânicos de sistemas hídricos. No Instituto Politécnico da USP (Universidade de São Paulo), nanomateriais são utilizados para eliminar fármacos da água que abastece os lares.
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“Se você for verificar, há paracetamol até na água que bebemos”, afirma Douglas Gouvêa, um dos autores do estudo realizado no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da escola.
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Para compreender a situação, ele apresentou alguns dados: anualmente, no Brasil, são consumidas 500 toneladas da substância. A equipe estima que os resíduos remanescentes sejam encontrados em concentrações de 0,5 a 10 nanogramas por litro em corpos hídricos.
O coordenador do Laboratório de Processos Cerâmicos, Gouvêa, afirma que o controle sobre as nanopartículas adequadas possibilita a eliminação de contaminantes da água. A técnica, descrita em artigo publicado na revista ACS Applied Nano Materials, é “única e exclusiva” no mundo, segundo o professor. Ele também declara que a aplicação permite utilizar os conhecimentos da físico-química em benefício da sociedade.
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Microscopic, massive impact.
O paracetamol, também conhecido como acetaminofeno, é um analgésico amplamente estudado e foi o candidato perfeito para a pesquisa. A ideia era não apenas validar a técnica nova, mas também compreender os processos que a tornaram possível.
“Sabemos como nossos materiais vão funcionar e quais são os mecanismos que estão por trás [do seu funcionamento]”, afirma Gouvêa. Os pesquisadores manipularam cerâmicas “semelhantes às encontradas em obras de arte e revestimentos” para melhorar o desempenho da fotólise, a quebra natural de moléculas orgânicas pela radiação ultravioleta (UV). Esse procedimento faz parte do que é chamado pela equipe de “engenharia de superfície”.
O óxido de zinco (ZnO) foi selecionado, um semicondutor menos eficiente que um fio metálico em termos de condutividade elétrica e menos isolante que uma peça de madeira. No processo, ele atua como catalisador, facilitando a reação fotolítica quando excitado pela luz solar.
André Luiz da Silva, coautor do artigo e também professor da escola, explica que a inovação reside na adição controlada de cloro. Esse processo de “dopagem” modifica as características elétricas da superfície da nanopartícula e facilita o movimento de elétrons promovido pela radiação solar.
O ponto crucial reside no posicionamento. “Se ele permanecer na superfície, o cloro se dissolve na água”, declara o pesquisador. E, em solução, a dopagem é ineficaz e o potencial fotocatalítico é comprometido.
O cloro, isoladamente [sem passar por outro processo], age como um veneno para o catalisador”, afirma Silva. Para resolver o problema, os pesquisadores utilizaram a técnica de lixiviação seletiva. Nesta, o material aditivado é “lavado”, fazendo com que o cloro restante esteja localizado apenas nas extremidades de cada partícula. Os resultados laboratoriais são evidentes: para a mesma concentração de dopante foi obtida uma eficiência pelo menos 3 vezes maior quando realizada a lavagem.
Por trás do véu quântico.
O trabalho foi realizado em escala nanométrica, na bilionésima parte do metro. Trabalhar com partículas desse tamanho é como encontrar um grão de sal em uma piscina olímpica.
Os cientistas utilizaram a espectroscopia, técnica parecida com o raio-X, para observar locais inacessíveis aos olhos. Nesse processo, o material é exposto a ondas eletromagnéticas, tanto dentro quanto fora do espectro visível. A resposta dos átomos é registrada em uma “fotografia”, chamada de espectrograma. As imagens geradas revelam informações sobre a estrutura da matéria e confirmam a diferença na distribuição do cloro antes e após a lavagem das partículas.
Gouvêa e Silva explicam que a dopagem seguida de lixiviação tem como objetivo “aumentar a distância” entre grãos de óxido de zinco. O átomo de cloro é eletronegativo: apresenta uma tendência de atração de elétrons que facilita a passagem de energia elétrica. Quando o cloro é removido das superfícies e da água, fica restrito aos “rejuntes” – os limites entre grãos – onde a condutividade elétrica é aprimorada.
A elevada concentração de cloro, quando estrategicamente posicionada, excede a atividade fotocatalítica que se manifesta com a substância distribuída de forma homogênea e em baixas concentrações. “Quanto maior a superfície, maior a reatividade e, com grãos muito pequenos, a quantidade de superfície que se tem é gigantesca”, afirma o coordenador da pesquisa.
Contudo, a presença de cloro também pode gerar cloreto de zinco (ZnCl2), um composto que não interage com a luz. Quando presente, consome “elétrons-buraco” ao formar ligações entre os átomos, desativando a catálise na superfície dos óxidos. Essas partículas são agentes oxidantes – aqueles que decompõem o paracetamol.
Considere uma fileira de um “cinema eletrônico”, onde cada lugar é ocupado por um elétron. Quando um elétron da extremidade decide partir, os demais se deslocam para criar espaço para o próximo. O desejo de sair é a excitação por raios UV e a dança das cadeiras representa a passagem de corrente elétrica.
Apesar da utilização de produtos químicos perigosos no processo, os cientistas garantem que o novo sistema não apresenta riscos. Catalisadores e dopantes não fazem parte das reações químicas. Os resultados alcançados são os mesmos do processo não-aditivado, porém de maneira mais eficiente e rápida.
À disposição da sociedade
A técnica sugerida pelos pesquisadores permite avanços no tratamento de água residual antes da introdução de poluentes nos ecossistemas. A dupla explica que é possível criar um sistema com óxido de zinco dopado por cloro acoplado a uma placa de vidro, que permite a chegada de radiação ultravioleta. A passagem da água contaminada pelo painel solar promove a degradação das moléculas de paracetamol do sistema.
Silva pretende, em seguida, aplicar a mesma metodologia utilizada para os herbicidas. Esses compostos, assim como os medicamentos, são poluentes orgânicos que podem se acumular nos organismos e no ambiente. O glifosato, principal pesticida, embora associado a diversos riscos para a saúde humana e o meio ambiente, é empregado em larga escala. “Atualmente, menciona-se uma concentração de 0,1 a 0,3 microgramas por litro na água. O limite seguro de 0,7 mg/L está bem próximo”, declara Gouvêa.
Com informações da Agência de Notícias do Governo de São Paulo.
Fonte por: Poder 360